A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que entrou em vigor no último mês de novembro, trouxe consigo vários pontos problemáticos, como a instituição dos honorários de sucumbência e a não necessidade de homologação das rescisões pelo sindicato da categoria. Mas talvez nenhum deles seja tão polêmico quanto a facultatividade da contribuição sindical, conhecida popularmente como imposto sindical.
Até 2017, todos os anos, era descontado do salário do trabalhador, geralmente no mês de março, o valor equivalente a um dia de serviço, independentemente de o empregado autorizar o desconto ou ser filiado à entidade de classe. Com a reforma, contudo, o pagamento da contribuição ficou condicionado à anuência do trabalhador, conforme nova redação do artigo 579 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação [percentuais serão creditados à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional].
Isso não quer dizer que a contribuição sindical foi extinta, mas sim que necessita de autorização do empregado para ser descontada. O dispositivo, no entanto, não é claro quanto ao modo como deve se dar tal anuência.
Por isso, muitos sindicatos têm lançado mão de assembleias extraordinárias para, coletivamente, conseguir a autorização do desconto. A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) chegou a publicar uma série de orientações sobre o recolhimento do imposto sindical, incluída a possibilidade de desconto por meio de autorização obtida em assembleia geral.
A dúvida que fica é: essa seria uma interpretação possível da nova redação da CLT ou uma “manobra” dos sindicatos pela manutenção da contribuição?
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O advogado André Brandalise, especializado em Direito Trabalhista, explica, antes de tudo, que o artigo 579 da lei não deve ser interpretado de forma isolada. Incluído na CLT também pela Lei 13.467/2017, o artigo 611-B traz uma série de direitos que não podem ser objeto de negociação coletiva se for para serem suprimidos. O inciso XXVI do dispositivo aponta que o trabalhador não pode sofrer “sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
No entendimento de Brandalise, a interpretação que se faz da reforma é de que não seria possível efetuar o desconto por meio de assembleia. Para ele, o trabalhador deveria expressar, individualmente, a autorização para a contribuição.
Advogada e professora de Direito do Trabalho, Maíra Fonseca opina que a possibilidade de desconto por assembleia foi criada pelos sindicatos para viabilizar a manutenção da entrada de receita, drasticamente reduzida com a reforma. Alguns sindicatos já registraram queda de 70% na arrecadação.
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“Mas não a legislação não contém elementos expressos que esclareçam a questão. Parece-me que se o legislador da reforma tivesse a intenção de viabilizar que a aprovação [da cobrança da contribuição sindical] pudesse ser feita coletivamente, isso estaria expresso no artigo 579 da CLT”, afirma a professora, que ressalta que esse momento pós-reforma trabalhista se trata de uma situação paradigmática, de necessidade de interpretação da lei baseada em “razoabilidade, critérios constitucionais e bom senso”.
O quórum para as assembleias deve ser definido pelo próprio estatuto do sindicato ou em negociação coletiva, por conta do princípio da autonomia sindical, garantido na Constituição Federal. Por esse motivo, lembram os advogados, é fundamental a participação do trabalhador na vida sindical.
“Infelizmente, muitos trabalhadores não acompanham o sindicato que os representa. Se você quer que a negociação coletiva seja diferente, é preciso acompanhar a entidade de classe. Você precisa se fazer presente”, alerta Brandalise. A opinião é reforçada por Maíra, que diz que “fica muito claro que, mais do que nunca, é importante o envolvimento da classe trabalhadora sobre os critérios escolhidos pelo sindicato para estabelecer uma assembleia extraordinária”.
Nas mãos do STF
Segundo Brandalise, a questão só será pacificada quando o STF deliberar a respeito do assunto. Isso porque as decisões de primeiro grau que envolvem o tema têm sido divergentes. É preciso haver uma pacificação da jurisprudência.
Maíra lembra que a Corte precisará deliberar sobre a constitucionalidade do artigo 579. Muitos juristas e sindicatos questionam o fato de a reforma ter sido feita por lei ordinária e alegam que a natureza da contribuição sindical só poderia se dar por lei complementar, por se tratar de um tributo.
Após um posicionamento do STF, questões pontuais, como o desconto do imposto sindical depois de aprovação em assembleia geral da categoria, poderão ser resolvidas pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho.
Enquanto isso, operadores da Justiça do Trabalho (procuradores do MPT e juízes) pressionam os supremos tribunais para que obriguem os trabalhadores a pagar o “imposto sindical”. Neste sábado, mais uma vez, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), em um Congresso do qual participaram 700 juízes – o Brasil tem aproximadamente 4,5 mil juízes do Trabalho, entre ativos e aposentados – aprovou 103 teses, nos quais está incluído o entendimento de que o fim da contribuição compulsória aos sindicatos seria inconstitucional.
A Anamatra já tinha se pronunciado sobre o tema em outubro de 2017. Na época, em texto redigido na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, do qual participaram cerca de 600 pessoas, entre juízes, procuradores de auditores da Justiça trabalhista, o enunciado 38, por exemplo, previa que:
É lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto das contribuições sindical e assistencial, mediante assembleia geral, nos termos do estatuto, se obtida mediante convocação de toda a categoria representada especificamente para esse fim, independemente de associação e sindicalização.
No último mês de março, a Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho emitiu nota técnica, tendo como interessada a Federação Interestadual dos Trabalhadores Hoteleiros, que também autorizava a cobrança. Alguns dias depois, o então secretário, Carlos Cavalcante Lacera, foi exonerado do cargo. A instituição mais recente a se manifestar no mesmo sentido foi o Ministério Público do Trabalho (MPT).
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Embora essas notas e enunciados não tenham efeito vinculante, a tese ganha força por ter o respaldo de instituições com tamanha relevância no campo trabalhista, opina Maíra. “Se eu tenho o MPT, a magistratura e o Ministério do Trabalho pensando dessa forma, as empresa precisam ficar atentas”.
Brandalise faz a ressalva de que esses textos são importantes para uma discussão jurídica e acadêmica, mas que não têm força de lei e não podem ser utilizados como base para fundamentar o posicionamento dos sindicatos. O advogado lembra que outra instituição forte, a Advocacia Geral da União (AGU) é favorável ao fim da contribuição sindical obrigatória.
Até que o STF se posicione, portanto, a situação deve continuar a ser de insegurança jurídica. Para superar o momento, Maíra ressalta a relevância do envolvimento dos trabalhadores para formar as pautas do sindicato que os representa, além da “criatividade jurídica e da solidez técnica da advocacia”, que vão construir a jurisprudência.
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