Blal Dalloul, procurador regional da República, recusa a pecha de “janotista” e manifesta preocupação com escolha fora da lista tríplice. Foto: Divulgação/ANPR| Foto:

Primeiro procurador regional a figurar na lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2001, Blal Dalloul atribui o feito à sua personalidade e ao gosto pelo diálogo. Quem o conhece confirma. Na conversa que teve com a Gazeta do Povo, esse traço perpassa todas as respostas.

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Para Blal, a própria lista tríplice é um instrumento de diálogo, de fortalecimento das instituições e de garantia da independência do Ministério Público Federal (MPF). "Eu acho que ajuda a democracia. As forças-tarefas são importantes, essas pessoas trabalham em temas sensíveis. E há um certo temor de que um PGR indicado sem a representatividade da classe possa de alguma forma tolher as atividades das forças-tarefas", diz.

Servidor do MPF por quase 11 anos antes de se tornar procurador, Blal tem experiência criminal, chefiou a Procuradoria Regional da República (PRR) em Mato Grosso do Sul e já foi secretário-geral da instituição durante a gestão Rodrigo Janot (2013-2017).

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"Há pessoas dizendo que sou 'janotista', mas eu nem sei o que é esse termo. Eu trabalhei com o Rodrigo Janot porque vi na gestão dele, no brilho dos olhos dele, a possibilidade de fazer isto: um MPF forte, fortalecer nossas secretarias, nossa atuação. Confiante e seguros, os procuradores trabalham mais. Agora, estamos estagnados", avalia.

Na primeira conversa que teve com a Gazeta do Povo, antes da eleição, Blal falou sobre grandes temas nacionais. Agora, fala sobre sua carreira, os questionamentos à imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a proposta de punição ao abuso de autoridade e os desafios do MPF.

O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice, organizada desde 2001 pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e seguida por todos os presidentes desde 2003. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.

O PGR chefia o MPF e escolhe, a partir de lista tríplice interna, o procurador-geral do trabalho e o procurador-geral da justiça militar. Também faz parte do Ministério Público da União (MPU) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), cujo procurador-geral é nomeado pelo presidente da República.

A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen também foi entrevistada pela Gazeta do Povo. Os subprocuradores Mário Bonsaglia, nome mais votado da lista, e Augusto Aras, que se lançou candidato "fora da lista", informaram que não se pronunciarão no momento. A reportagem ainda espera uma resposta da atual PGR, Raquel Dodge, que já sinalizou estar disponível para mais um mandato. O espaço está aberto a todos.

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Por que o senhor acha que o presidente deveria indicar o PGR entre os três nomes da lista tríplice?

Vou te dar uma resposta bem sincera. Essa questão de “dever” é muito complexa. Sempre me coloco na situação do outro: o presidente é o presidente da República eleito, em um país com uma série de dificuldades, praticamente dividido por questões ideológicas e, com seis, sete meses, ele tem essa missão de escolher o procurador-geral da República – que, por uma série de circunstâncias, e até por essa divisão do país, tem um papel muito importante para a sociedade, o Estado e o governo. O fato de a previsão da lista tríplice não constar do ordenamento jurídico positivo faz com que cada governo avalie o PGR, e tem havido coincidência, em sucessivos governos, entre o que o MPF entende de bom para o país e o governo também. Acho que nossa instituição, que é muito madura, tem noção da vida pública, da importância de um Ministério Público (MP) forte, então as listas tríplices acabam tendo uma vinculação com a própria governabilidade.

Nossa carreira escolheu três pessoas amadurecidas – o Mário, a Luiza e eu – que vieram de debates em que se discutiu muita coisa, não só questões internas do MP, mas questões sensíveis externas e de políticas públicas. A lista é boa e democrática. O presidente, tendo a chance de escolher de uma lista, mais do que da indicação de compadrio de um ou outro, tem a possibilidade contribuir para um MP estável, que ajuda a [manter] um governo estável e uma sociedade segura.

Mas há uma crítica circulando de que a lista acabou cristalizando na cúpula do MPF certos grupos que estão divididos, disputam o poder entre si, mas que seriam uma espécie de establishment do MPF. O senhor vê alguma procedência nessa crítica?

Não acho essa crítica válida para a lista. Isso é uma forma de fazer gestão. Meu lema foi "Um PGR para unir o MPF", porque você começa o dever de casa, depois você une em torno do MPU, depois do MP [há 27 MPs estaduais além dos braços do MPU], e depois a sociedade em torno da sua missão. A pessoa que for escolhida fora da lista não vai resolver essa questão, se realmente existir isso de grupos dentro do MPF. A verdade é que cada gestão trabalha com pessoas, e essas pessoas trabalham para o sucesso da gestão. Determinados atos podem fazer com que isso seja positivo ou negativo.

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Eu realmente só cogito ser PGR estando na lista, porque a carreira precisa se sentir representada para que o PGR possa, aí sim, tentar unir o MPF. Todo mundo tem suas diferenças, não vamos mudar quem pensa mais à direita ou mais à esquerda, mas precisamos respeitar o MPF e ter um diálogo intenso com todos, com quem pensa igual e, principalmente, com quem não pensa igual. É um aprendizado.

Pensando agora no Congresso. As forças-tarefas da Lava Jato, da Zelotes e da Greenfield se manifestaram, pela segunda vez, pedindo respeito à lista tríplice. Mas, na conjuntura atual, ouve-se muito no Congresso que precisamos de um PGR que dê previsibilidade e seja menos impulsivo na atuação criminal. Nesse momento, esse tipo de apoio desses grupos mais ajuda ou mais atrapalha?

Eu acho que ajuda a democracia. As forças-tarefas são importantes, essas pessoas trabalham em temas sensíveis. E há um certo temor de que um PGR indicado sem a representatividade da classe possa de alguma forma tolher as atividades das forças-tarefas. Nós temos problemas orçamentários graves. A Emenda Constitucional 95 [Teto de gastos] está realmente trazendo problemas graves para o MP e o Judiciário. Nós vamos precisar conversar: o governo, que tem uma bandeira muito boa contra a corrupção e contra as organizações criminosas, precisa de um MP forte. E essa questão de agir por impulso: as pessoas é que fazem o MP criminal trabalhar. Se não existir corrupção, organizações criminosas, nós vamos poder voltar nossa atuação para questões mais sociais.

Trabalhei no Mato Grosso do Sul durante 10 anos contra fortes organizações criminosas, e nós não tínhamos forças-tarefas, porque o PGR de então não via com bons olhos, era cada um no seu quadrado. Já cheguei a fazer audiência contra uma banca de 25 advogados, no auditório da Justiça Federal de Campo Grande, no caso de um famoso Major PM traficante. Ele acabou condenado, mas, se houvesse uma força-tarefa, o trabalho seria muito melhor para a sociedade. As forças-tarefa trazem equilíbrio para a sociedade. O PGR tem que trabalhar com seriedade e responsabilidade, eu sei do impacto para alguém de um processo criminal. Trabalho próximo aos colegas da Lava Jato no Rio de Janeiro e sei da seriedade do trabalho deles, eles trabalham muito, à exaustão. Por isso, penso em aprofundar e criar uma força nacional de combate ao crime organizado.

O senhor é o primeiro procurador regional a compor a lista tríplice desde 2001. A que o senhor atribui esse feito inédito?

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Acho que à minha história. É um sinal do MP que queremos: um MP do diálogo. Sou uma pessoa que gosta muito de dialogar, gosto de conversar, me preocupo com as pessoas. Eu li até aquela história de que eu era um procurador que oferecia jantares, mas não era nem o jantar: quando você recebe um colega novo, você tem que mostrar o que é o MP, o tamanho da nossa responsabilidade. Então, quando me aproximo dos colegas e dou essa estrutura, eu faço isso. Os procuradores são pessoas, precisamos transmitir segurança, e sempre transmiti isso no meu trabalho. Gosto daquela frase do Chesterton: “a coisa mais extraordinária do mundo é uma pessoa comum”. Eu sou uma pessoa comum. A lei não fala que o PGR precisa ser subprocurador-geral. Tenho 57 anos e 34 anos de MPF, quase 11 anos como servidor e 23 anos como membro. Desejo realmente um MPF forte, mais que um PGR forte.

Falando na história do senhor, a partir da sua atuação nos casos criminais, da chefia da Procuradoria Regional da República do Mato Grosso Sul, da experiência Secretaria-Geral do MPU/MPF, o senhor conseguiria resumir como chegamos a um MPF forte e a essa história de sucesso da Lava Jato?

Desde quando entrei como servidor, em 1985, conheci toda natureza de pessoas sendo procuradores. Meu primeiro chefe foi um procurador fantástico. Ele instalou a procuradoria na República em Mato Grosso do Sul em 1981: Otávio Pacheco Lomba. E o Lomba, no um ano e pouco que trabalhei com ele, me ensinou muita coisa. Ele era um homem extraordinário, mas muito desconfiado, e não delegava nada. Quando ele começou a delegar, ele falou para a esposa dele: “Olha, vou viajar na sexta-feira e ficar fora porque agora eu tenho uma pessoa em que eu posso confiar”, que era eu, que o assessorava ali em 1986. Ele foi pescar, teve um aneurisma e faleceu. Aquilo mexeu muito comigo. Eu falei: se um dia eu chegar a procurador, não quero esperar chegar a hora de morrer para confiar, delegar e empoderar as pessoas. No Brasil, de uma forma geral, foi isso. As Câmaras [de Coordenação e Revisão do MPF] foram se fortalecendo, nós fomos percebendo que nossa instituição tem uma grande responsabilidade para além do trabalho cotidiano – até por isso não tenho dificuldade de defender a carreira.

Vivo pro MPF, venho de uma família simples, meus pais dependem de mim, e nós temos que ter a carreira valorizada, porque nós temos uma série de restrições, não temos espaço na vida política: você tem que ter uma carreira forte, porque você lida o tempo todo com organizações criminosas. O Cláudio Fonteles [PGR entre 2003 e 2005] começou a criar a Secretaria de Segurança Institucional, você passa a ser orientado pela instituição. Você passa a ter estrutura tecnológica, e isso vem muito do [Rodrigo] Janot [PGR entre 2013 e 2017], que criou a Secretaria de Pesquisa e Análise, por isso trabalhei com o Janot [como secretário-geral do MPF/MPU]

Pois é, e o senhor tem sido visto como ligado ao grupo do Janot...

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Há pessoas dizendo que sou “janotista”, mas eu nem sei o que é esse termo. Eu trabalhei com o Rodrigo Janot porque vi na gestão dele, no brilho dos olhos dele, a possibilidade de fazer isto: um MPF forte, fortalecer nossas secretarias, nossa atuação. Confiante e seguros, os procuradores trabalham mais. Agora, estamos estagnados. A operação Lava Jato fez com que o MPF fosse, de certa forma, castigado, em termos orçamentários e de tratamento isonômico com outras carreiras. Nós fomos sendo colocados no canto e tenho esperança de que, no novo governo, vamos conseguir reverter isso. O Congresso e o Poder Executivo podem acreditar: um MP forte é fundamental para combater crimes na fronteira, crimes transnacionais.

Ainda em relação a esses grupos, o senhor vê mais continuidade ou descontinuidade entre as gestões do Rodrigo Janot e da Raquel Dodge?

Total descontinuidade, porque pessoalizaram as coisas. Falei durante toda a campanha: "Janot vs. Raquel" fez muito mal ao MPF. Fiz uma transição na Secretaria-Geral a ponto de a primeira secretária-geral da doutora Raquel ter me apoiado agora [na eleição]. Tudo muito republicano. Infelizmente, o atual secretário-geral modificou tudo. Teve gente muito qualificada da equipe mandada embora sem uma carta de agradecimento. Mas o que a doutora Raquel fez de bom como PGR será mantido, as pessoas que trabalham com ela, vou continuar respeitando. Isso que deve ser o MP, sem pessoalizar ou fulanizar.

Como o senhor está avaliando as reportagens sobre as conversas atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e integrantes do MPF, especialmente à luz das sinalizações que a 2ª Turma do STF já deu sobre o caso?

Do que li até semana passada, os diálogos, se verdadeiros, eu não vejo, sinceramente, como diálogos que comprometam provas. São diálogos escritos fortes. Vou ser bem sincero: a Justiça criminal brasileira ganharia mobílias de nulidade se nós tivéssemos gravações de conversas em gabinetes de juízes, conversando com advogados e promotores. Já atuei no TRF-1 e TRF-2. Já estive em sessões em que o desembargador para a sessão, vai conversar com o advogado e, em seguida, o julgamento é favorável à defesa. Não vou querer saber o que eles conversaram, enfim, essas conversas acabam ocorrendo. O juiz tem obrigação de receber as partes: se ele não recebe as partes, ele é autoritário; se ele recebe, não dá para chamar as duas partes o tempo todo.

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Sinceramente, até agora não vi simulação de provas, não vi articulação estratégica e tática – eu vi uma troca de teses entre o Estado, que é o juiz, e a sociedade, que é o MP. Existe a paridade de armas, o equilíbrio, a isonomia, mas não podemos ser hipócritas: o MP é sociedade e ele tem que seguir sempre a lei, a causa dele é pública, ele não tem lado. Já pedi absolvições inúmeras vezes. Já deixei de oferecer denúncias. E, se você vir a história do juiz Moro e dos colegas da Lava Jato, eles têm um crédito enorme. Você não pode fazer a leitura divorciada do processo, porque as provas são fortes, além de terem sido confirmadas pelo TRF-4 e pelo STJ. O conjunto da obra, até o momento, me faz acreditar firmemente na seriedade e na isenção do juiz e da participação do MP no limite das suas atribuições.

Como o senhor avalia a discussão sobre as "10 Medidas Contra a Corrupção" e do abuso de autoridade aprovadas pelo Senado?

Respeito o trabalho dos senadores, mas pode ter sido um impulso por causa dessa questão do juiz Moro. Ainda não tenho o texto completo, mas vejo com preocupação o tipo penal aberto [crime genérico], de qualquer espécie, contra juiz, contra o MP, contra o cidadão. Tipo penal aberto dá margem para o arbítrio. Se o MP tiver uma mordaça, aquilo que falamos sobre a evolução do trabalho, a seriedade, o que a sociedade espera, tudo isso pode ir por água abaixo. E aí nós veremos a minoria fazer o que a grande maioria não quer, que é o MP e o Judiciário livres, respondendo de acordo com a sua responsabilidade. Nós temos corregedoria, Conselhos Nacionais, para isto: a pessoa que exceder responde, mas a instituição estar diante desse risco, é muito triste para o Estado Democrático de Direito.

O senhor é favorável a alguma mudança na forma de escolha de ministros dos tribunais superiores?

Precisamos sentar e discutir. Está na hora de ver se o Quinto Constitucional está sendo efetivo e eficaz, está na hora de ver se a nossa Suprema Corte tem muitas decisões monocráticas, trazendo insegurança ao país. O sistema dos tribunais pode ser discutido, sem nenhum demérito para ninguém. O Brasil não pode ter medo de discutir questões institucionais, os tribunais precisam ser fortalecidos. Dizer “sou desembargador”, “sou ministro”, isso precisa ser uma palavra forte, que traga segurança, precisamos discutir por que não ocorre isso. Não estou falando das pessoas, talvez o próprio sistema acabe fragilizando, de forma injusta, as pessoas.

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Há um incômodo grande, no parlamento, com o ativismo judicial. Sabemos que definição do que seja isso é muito difícil, dada a complexidade da interpretação jurídica e judicial, e da questão das políticas públicas, mas partamos do princípio de onde há fumaça, há fogo. Como o senhor avalia a possibilidade de criar no Brasil um mecanismo pelo qual o parlamento, talvez por maioria qualificada ou superqualificada, possa suspender ou cassar ou qualificar uma decisão do STF em controle de constitucionalidade abstrato?

Isso prejudicaria de morte a harmonia entre os poderes. Temos decisões do Supremo, porque o próprio constituinte criou o Mandado de Injunção [ação para suprir omissões do Poder Legislativo], que, passados 31 anos, nós ainda talvez não tenhamos conseguimos entender o alcance. O ativismo judicial, quando passa a ser comum, e não excepcionalíssimo, é perigoso, porque o tempo político é um e o tempo jurídico é outro. O parlamento é que tem de saber o tempo da sociedade. É preciso discutir se o ativismo judicial está sendo exacerbado, e por quê, mas não vejo com bons olhos uma proposta assim.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]