| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo/Arquivo

Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, de forma unânime, habeas corpus de devedor que teve seu passaporte bloqueado pela Justiça das instâncias anteriores. Para os magistrados, restringir a saída do país como meio para o pagamento voluntário da dívida não foi ilegal, já que o devedor não indicou meios menos onerosos – e mais eficazes – para quitar o débito. 

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Esse tipo de medida passou a ser aplicada com a chegada do Novo Código de Processo Civil, em 2015, que trouxe, em seu artigo 139, inciso IV, que o juiz pode determinar todas as “medidas necessárias” a fim de assegurar o cumprimento de uma ordem judicial, inclusive nas ações que envolvam a cobrança de dívidas. Da interpretação desse dispositivo, magistrados têm determinado o bloqueio do passaporte e até da CNH de alguns devedores. 

Essas decisões são polêmicas porque a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros (art. 5°, XV). À primeira vista, esse método de coerção para o pagamento de débitos dá a impressão de ser contrário a tal princípio. Tanto que o próprio STJ reconheceu que a medida de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução da dívida pode implicar, de forma potencial, ameaça ao direito de ir e vir, sendo cabível o habeas corpus para contestar determinações do gênero.

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Acontece que em junho deste ano, outra Turma do STJ, a Quarta, decidiu que impedir a utilização do passaporte do devedor até que os débitos fossem quitados era uma medida desproporcional. Nesse caso, o tribunal entendeu que não seria razoável restringir a liberdade de uma pessoa devido a uma dívida. 

Assim como ocorre entre os próprios magistrados, especialistas da área do Direito não têm opinião unânime a respeito do tema. 

Professor de Direito Penal no Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), o advogado João Paulo Martinelli afirma que “o intuito do confisco de passaporte não é obrigar ao pagamento de dívidas, mas evitar fugas quando a pessoa é acusada de crime”. Para ele, a prática forense não deve “atropelar” o devido processo legal. No mesmo sentido, Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Administração Pública pela FGV, diz que o que deve ser feito é uma ponderação entre o direito do credor de ter sua dívida satisfeita e a liberdade de ir e vir do devedor. 

“O direito de ir e vir ainda se sobrepõe à dívida. Se não pode prender por dívida [exceto nos casos de dívida alimentícia], também não se pode restringir a liberdade de ir e vir”, diz Vera. 

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Já o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni tem posição contrária. Para ele, o já citado artigo 139, inciso IV, dá conta de resolver a questão, desde que exauridas outras tentativas de localizar bens para zerar o débito. Na visão, de Abdouni, “Essas providências contribuem para a efetivação do pagamento do valor devido, a dissuadir o devedor — que adota postura deliberada de esconder seu patrimônio, com o objetivo de dificultar a satisfação do crédito — de sua postura omissa a refletir na eternização da inadimplência, em detrimento do princípio constitucional da razoável duração do processo”. 

Até que o assunto seja julgado pelo Plenário do STJ ou do STF, a polêmica deve continuar. 

Bloqueio da CNH 

No caso julgado pelo STJ no início de dezembro, o autor do habeas corpus também teve sua CNH bloqueada pelas instâncias anteriores. Em relação a esse ponto, o tribunal não avaliou se a medida seria ilegal ou não, pois julgou que a ação ajuizada não era o meio adequado para questionar a determinação. Isso porque a Corte não vislumbrou que o impedimento de dirigir veículo automotor ameaçava o direito de ir e vir do réu, que é um dos requisitos do habeas corpus. 

A respeito da suspensão da carteira de motorista para a satisfação de dívidas, o mestre e doutor em Direito Processual pela USP e professor do ID-SP Daniel Penteado de Castro opina que a avaliação da necessidade da medida deveria ser feita caso a caso: “de nada adianta bloquear a CNH de um devedor que se encontra em penúria financeira e, por sua vez, utiliza o veículo como único instrumento de trabalho para tentar quitar determinada dívida”.

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