Fachada do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasíli| Foto: TST/Divulgação

É possível argumentar contra ou a favor da existência da Justiça do Trabalho, mas uma coisa é fato: o presidente Jair Bolsonaro não está correto quando afirma que estruturas judiciárias similares não existem em outros países.

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Em entrevista à rede de televisão SBT, depois de afirmar que sua equipe técnica estaria estudando como poderia ser o fim do órgão, perguntou de forma retórica: “Qual é o país do mundo que tem?”.

A resposta exigiria citar dezenas de nações, com órgãos semelhantes, que exercem basicamente a mesma função, de formas muito parecidas.

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Conheça abaixo nove exemplos de países que mantêm serviços judiciários exclusivos para questões trabalhistas – e também uma exceção de peso:

*** França: No Brasil, até 1999, a Justiça do Trabalho era composta por juntas, formadas por um juiz escolhido por concurso público e dois magistrados classistas, um indicado pelo sindicado dos empregados e outro pelo sindicado dos patrões. As decisões eram dadas por votação, de forma que o juiz eleito por concurso público poderia até mesmo perder. Na França, ainda hoje a Justiça do Trabalho funciona exatamente dessa forma – são os chamados conseil de prud’hommes, criados em 1806.

*** Alemanha: Se a França tem a estrutura semelhante à do Brasil no século 20, a dos alemães é idêntica à brasileira do século 21: são três instâncias especializadas, uma distrital, uma regional e uma federal, que compõem a Justiça Trabalhista, ou Bundesarbeitsgericht. O país julga 600 mil ações trabalhistas por ano.

*** Inglaterra: Os Employments Tribunals são formados por varas de primeira e segunda instâncias. Foram criados em 1964 e, em 2013, passaram a cobrar as custas dos trabalhadores derrotados nas ações – uma ação que o Brasil adotou com a Reforma Trabalhista. O número de processos caiu, mas a cobrança de custas foi derrubada pela Suprema Corte britânica.

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*** Suécia: Assim como na Finlândia e na Noruega, há décadas existem cortes especializadas para desentendimentos entre trabalhadores e empregados. Na Suécia, a Justiça do Trabalho, a Arbetsdomstolen, surgiu em 1929.

*** Nova Zelândia: Focada na solução amigável de conflitos (assim como acontece, por exemplo, na Espanha, que mantém sua própria Justiça do Trabalho desde 1966), a Justiça do Trabalho local existe desde 1874 e, até 1973, foi o órgão responsável por definir os reajustes do salário mínimo no país – uma decisão que, no Brasil, é proposta pelo Executivo e aprovada pelo Legislativo.

*** África do Sul: Durante a presidência de Nelson Mandela, o país criou em 1995 as cortes de trabalho, cujas decisões podem ser encaminhadas para a Corte de Apelação.

*** Índia: Antes de chegar aos tribunais especializados, cada caso é avaliado por um comissário, que entra em contato com as duas partes em busca de um acordo. Se o entendimento não for possível, a ação é distribuída e julgada – um caso de assédio, por exemplo, será levado para a Justiça comum.

*** Israel: Cinco tribunais regionais julgam os casos, e os envolvidos podem recorrer a um tribunal nacional. A estrutura é semelhante à da França, com um juiz eleito ao lado de dois juízes, um indicado pelos empregados e outro pelos patrões.

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*** Argentina: “Na América Latina, vários países têm a Justiça do Trabalho como um órgão autônomo. É o caso de Argentina, México, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Uruguai, Peru e Venezuela”, lista o professor Paulo Sérgio João, mestre em direito social pela Universidade Católica de Louvain e professor da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas. A prática é, de fato, recorrente no continente. O Chile eliminou sua justiça trabalhista durante a ditadura de Augusto Pinochet, em 1981, e retomou a prática em 2005. No caso argentino, a Justiça do Trabalho foi uma criação do presidente Juan Perón, na década de 1950.

*** Estados Unidos: Não existe uma Justiça do Trabalho. Os desentendimentos entre patrões e trabalhadores são solucionados pela Justiça comum, seguindo regras determinadas em cada uma das 50 unidades da federação. Mas isso não significa que o país desestimule os empregados a buscar seus direitos: existe uma verdadeira indústria legal voltada para questões trabalhistas. “O caso americano tem uma questão cultural própria, as práticas trabalhistas deles são muito diferentes”, afirma o professor Paulo Sérgio João. Lá é comum, por exemplo, que um único empregado mova ações coletivas em nome de centenas e até mesmo milhares de colegas.

Justiça do Trabalho: influência marxista e difícil de desestruturar

Não seria fácil acabar com a Justiça do Trabalho, como sugeriu o presidente Bolsonaro.

É necessário propor uma emenda constitucional, que precisa ser aprovada por comissões especiais do Congresso Nacional e da votação favorável de dois terços da Câmara e do Senado. Todo esse esforço para alterar o artigo 111 da Constituição, que descreve e organização do sistema Judiciário e prevê a existência de uma estrutura legal voltada especificamente a questões trabalhistas.

A Justiça do Trabalho teve início em 1941 e sua existência provoca polêmica desde pelo menos a década de 1990, quando foi apresentada uma proposta para o encerramento de suas atividades. “O problema é que existe na Justiça do Trabalho uma cultura voltada para o marxismo, que pressupões a luta de classes e a exploração”, afirma, por exemplo, Alexandre Sansone Pacheco, Professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas em São Paulo) e doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Você só cresce na carreira se seguir essa cartilha, se aderir à ideia de que os trabalhadores são sempre vítimas”.

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Já para o advogado Paulo Sérgio João, mestre em direito social pela Universidade Católica de Louvain e professor da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas, essa é uma ferramenta bem estabelecida, há muitas décadas, de defesa de um público vulnerável diante do poder dos empresários. “A Justiça do Trabalho é muito importante, ela nasceu próxima do trabalhador. É uma instituição de apoio, de suporte, de esperança para os trabalhadores em geral”, ele afirma. “O fim da Justiça do Trabalho não eliminaria os litígios, que seguiriam para algum outro órgão. O problema é a mudança cultural, a supressão de um órgão de defesa dos trabalhadores”.