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Membros da Federação Sul-Africana de Sindicatos, em marcha pela Cidade do Cabo durante greve geral, seguram cartaz onde se lê “sim para a expropriação de terras sem compensação”. | Mujahid Safodien/ AFP
Membros da Federação Sul-Africana de Sindicatos, em marcha pela Cidade do Cabo durante greve geral, seguram cartaz onde se lê “sim para a expropriação de terras sem compensação”.| Foto:

Quando o Parlamento da África do Sul aprovou, por 241 votos a 83, projeto para alterar a Constituição do país a fim de permitir que terras improdutivas de brancos sejam expropriadas sem nenhum tipo de compensação, o jornal The Guardian, equivalente britânico do The Washington Post, foi discreto ao noticiar o fato. Mesmo agora, as menções à medida no site do veículo têm sido feitas apenas indiretamente.

É possível apenas supor quais seriam as razões para tal discrição, e poderia supor-se que, dada a longa história de interesse do jornal por assuntos sul-africanos, uma medida com potenciais efeitos catastróficos a longo prazo, e mesmo a curto prazo, deveria ser considerada de alguma importância. O projeto, se realmente vier a ser aplicado, causaria uma crise similar ao que ocorreu no anão Zimbabwe [após ter lançado mão de medida similar], sendo a fome evitável somente se 10 ou 15 milhões de sul-africanos conseguirem encontrar um lugar para o qual migrar.

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A moção no Parlamento foi proposta por Julius Malema, antigo membro radical do [partido político] Congresso Nacional Africano (CNA), atualmente líder de um partido dissidente chamado Economic Freedom Fighters (Combatentes da Liberdade Econômica, em português), que recebeu 6% dos votos nas últimas eleições e conta com a mesma proporção de assentos no Parlamento. Eles se vestem todos de vermelho e clamam por uma redistribuição radical de riqueza, como se a economia fosse um ensopado a ser servido em porções. Malema, que, dados os escândalos financeiros ligados à sua pessoa, parece se excluir de seu próprio igualitarismo econômico, disse em 2016 que não pretendia um massacre de brancos – ao menos, não por enquanto.

Ao apresentar o projeto, Malema disse que a expropriação, sem compensação, dos criminosos que tomaram as terras da África era crucial para restaurar a dignidade dos africanos. Como a votação demonstrou, o CNA apoiou a ideia de Malema. E por mais que o novo presidente do país e do partido, Cyril Ramaphosa, tenha dito que não haveria nenhuma apropriação ilegal de terras, ele mesmo já requisitou, no passado, por expropriação sem compensação.

O que acontece é que o partido governante da África do Sul não considera legítimo o atual molde da propriedade de terra do país, pois apenas a ilegitimidade da propriedade poderia justificar uma expropriação sem compensação. Ainda que a medida nunca seja colocada em prática, mesmo assim deverá causar prejuízos à produção agrícola sul-africana.

Quem investiria em uma propriedade que pode ser apreendida ao toque de uma caneta? 

Como se o colapso da produção agrícola não fosse ruim o suficiente, a expropriação sem compensação poderia causar também o colapso dos bancos sul-africanos, com fazendeiros profundamente endividados, com débitos com o governo. E isso se – o que é muito improvável – a redistribuição de terras ocorresse de modo que não fosse grosseiramente corrupto, sem favoritismo político.

Por que o silêncio do Guardian em algo dessa conjuntura? Talvez porque seja uma vergonha em relação à visão de mundo do jornal. Como se pode relatar os desejos quase genocidas, promotores de fome – ainda não realizados, é verdade –, daqueles cujo papel foi, durante tantos anos, de vítima da injustiça?

*Theodore Dalrymple é editor-colaborador do City-Journal e autor de vários livros, incluindo Out Into The Beautiful World.

©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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