É folclórico, porém verdadeiro, o sentimento que se abate sobre a maioria da população brasileira de que o ano — especialmente prejudicado pelo evento da Copa do Mundo e das eleições gerais — só começa mesmo após o carnaval.
Nada há de pejorativo contra aqueles que buscam exaurir suas emoções nos festejos de Momo, ficando apenas algumas observações para que a festa possa ser usufruída em sua plenitude sem que a lei, a integridade física ou a moral alheia sejam violadas, ainda que involuntariamente.
De fato, não são poucos os comportamentos de parte dos foliões, talvez impulsionados por doses etílicas mais generosas, que extrapolam os limites da ética e da harmonia essenciais ao convívio social.
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Não há dúvida de que mediante maior conscientização da população, podem e devem ser evitadas situações indesejadas e prejudiciais ao direito de outrem que se repetem ao longo dos anos durante o carnaval — em locais públicos e privados, de grande concentração de pessoas e grupos familiares que buscam aproveitar com a alegria típica da época, os trios elétricos, as bandas carnavalescas, os desfiles de escolas de samba e os bailes espalhados por clubes das cidades.
O flerte e o galanteio, evidentemente, estão liberados. Faz parte da festa, desde que mantido o respeito pelos acompanhantes, namorados ou cônjuges da pessoa galanteada. Contudo, a lei — aplicável a qualquer pessoa e a qualquer tempo — não tolera condutas exacerbadas e abusivas, previamente definidas pelo ordenamento jurídico como antissociais. A eficácia da legislação, a pretexto de relevar as consequências originadas pela liberação dos freios morais dos foliões mais afoitos, não admite mitigação.
Não raro, nos deparamos com a violência perpetrada especialmente contra as mulheres que, sob a ótica obscura de olhos machistas, estão, no período do carnaval, disponíveis e dispostas a satisfazer seus instintos irrefreáveis e mais primitivos.
Ledo engano. Trata-se de comportamentos que a lei qualifica como contravenção penal e até mesmo os tipifica como crime, aplicando-lhes penas mais gravosas.
Constranger uma mulher a um beijo lascivo ou passar a mão em suas partes íntimas — a caracterizar a satisfação de um fim libidinoso notabilizado pelo abuso, força e violência — são condutas tratadas pelo Código Penal como delitos contra a dignidade sexual, cujos resultados são severamente punidos em seu artigo 213, que prevê pena de reclusão de seis a 10 anos de cadeia.
Mais grave ainda se a vítima for menor de 18 ou maior de 14 anos, com pena aumentada para reclusão de oito a 12 anos.
Não raro, nos deparamos com a violência perpetrada especialmente contra as mulheres que, sob a ótica obscura de olhos machistas, estão, no período do carnaval, disponíveis e dispostas a satisfazer seus instintos irrefreáveis e mais primitivos.
Sem chegarmos ao extremo do estupro, podem ocorrer ainda aquelas situações em que, após o casal passar a noite de folia — regada a álcool — pulando juntos, se beijando e se abraçando – com alteração da consciência da mulher, o homem conclui que tudo caminha para um desfecho de sexo, sendo que o estado alterado de sua parceira — a prejudicar sua livre manifestação de consciência e vontade — pode desaguar no crime de violação sexual mediante fraude, punível com reclusão de dois a seis anos.
A famosa “encoxada”, os “esfregões”, o toque desrespeitoso, o lançamento de bomba d’água sobre a camiseta da mulher para expor-lhe a silhueta dos seios, além do estado de embriaguez que cause escândalo, também não ficam fora do alcance da lei; e embora estejam sujeitos a sanções mais leves, são qualificados como contravenção penal (importunação ofensiva ao pudor), puníveis com multa e prisão simples de 15 dias a três meses, na forma dos artigos 61 e 62 do Decreto-Lei 3688/41.
Não podemos esquecer também daqueles que, como se tudo estivesse liberado no carnaval, abandonam os hábitos essenciais de higiene e passam a urinar, por suposta comodidade, nas ruas e locais públicos, sem qualquer cerimônia, expondo a todos seus órgãos genitais, de forma gratuita e indiscriminada, em detrimento do pudor da coletividade: tal conduta pode ser enquadrada como ato obsceno, punível com a pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, conforme o artigo 233 do Código Penal.
Vamos desfrutar da maior festa popular nacional com alegria, mas com moderação, sem ferir a dignidade alheia ou desrespeitar o direito do outro, torcendo para que os foliões possam se conscientizar a fim de modificar sensivelmente esse comportamento socialmente desconforme.
*Adib Abdouni é advogado criminalista e constitucionalista.
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