| Foto: Reprodução/ Pixabay

Cerca de 59,9 milhões de brasileiros – ou 39,5% da população do país com idades entre 18 e 95 anos – possuem contas em atraso ou estão com o nome negativado, segundo informações divulgadas pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) no último mês de novembro. É direito do credor cobrar dívidas, mas é preciso ter em mente que a prerrogativa deve ser exercida com cautela e respeitando o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

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“Cobrar uma dívida, enviar uma notificação ao devedor para avisá-lo dos débitos, não é ilegal. O problema é quando a barreira do exercício regular do direito é ultrapassada e começa-se a agir de maneira contrária à lei”, alerta Antônio Carlos Efing, professor universitário e presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PR. 

Pela legislação, três modalidades de cobrança podem ser consideradas ilegais: a cobrança indevida – quando se cobra aquilo que não se deve –, a abusiva e a vexatória. No primeiro caso, o fornecedor deve fazer a devolução do direito em dobro, enquanto nos outros dois, ainda que o consumidor esteja mesmo inadimplente, a conduta pode render condenação ao pagamento de indenização por danos morais e até detenção, além de multa, em casos mais graves, para quem a praticar.

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O CDC traz, no caput de seu artigo 42, que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”. Já o artigo 71 proíbe a utilização, ao cobrar uma dívida, “de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”. É esse último dispositivo que traz a hipótese de detenção de três meses a um ano, mais multa, para quem constranger o devedor. 

Numa busca pelo site Reclame Aqui, por exemplo, é possível encontrar diversos relatos de consumidores, em relação a empresas como bancos e escritórios terceirizados de cobrança, a respeito de episódios constrangedores. Relatos de ligações excessivas e em horários e dias inadequados, como nas manhãs de finais de semana e feriados, além do envio de mensagens a parentes e até a colegas de trabalho e vizinhos, não são difíceis de encontrar. Esse tipo de atitude, afirmam especialistas, é ilegal. 

“Ninguém diz que as empresas não podem cobrar os devedores. Obviamente podem, mas seguindo preceitos legais. O que os credores precisam evitar é a ‘tortura psicológica’, que muitas vezes fazem. O direito do consumidor protege essa exposição do consumidor ao ridículo”, diz o advogado Renato de Mello Almada, especializado em direito civil. Segundo Almada, a vedação ao abuso na cobrança de dívidas encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana, garantido pela Constituição Federal. 

Como agir? 

A orientação de Antônio Carlos Efing ao consumidor que se sentir lesado com esse tipo de prática é de, antes de tudo, contatar a ouvidoria da própria empresa credora para realizar uma reclamação, anotando e guardando o número do protocolo. Outra opção, aponta o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PR, é registrar o ocorrido na plataforma consumidor.gov.br, onde será instaurado um procedimento administrativo para que o fornecedor saiba que sua atitude é incorreta. 

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No caso de não surtir efeito, pode-se acionar a Justiça para pleitear a indenização por danos morais. De acordo com Renato de Mello Almada, a tendência dos tribunais, desde que fique demonstrada nos autos a abusividade por parte do credor, é de conceder as indenizações. Nesses casos, é preciso dar atenção especial à prova, que pode ser testemunhal e/ou documental – recomenda-se fazer uma ata notarial em cartório de mensagens recebidas via e-mail, SMS ou WhatsApp, por exemplo. 

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“Se você realmente foi constrangido, sentiu-se ameaçado e consegue demonstrar que o ato teve uma repercussão em sua vida, como estresse e angústia, o correto é que o Judiciário conceda a indenização”, aponta Efing, que lembra que a ação pode ser proposta tanto contra a empresa credora quanto contra escritórios terceirizados que efetuam a cobrança, por se tratar de uma situação com responsabilidade solidária. 

Ao analisar o caso de uma loja de móveis e eletrodomésticos que cobrava a dívida de um cliente em seu local de trabalho, por exemplo, o desembargador Marcelo Cezar Müller, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), anotou que “os demandados poderiam promover a cobrança de seu crédito mediante o emprego dos meios legalmente previstos, inclusive judicialmente, não autorizando o fato de autora estar inadimplente (...) que fosse ela submetida a sofrimento e vergonha ao ser cobrada no seu local de trabalho, diante de clientes e colegas de trabalho, configurando-se a ocorrência de fato do serviço e o dever de indenizar” (Apelação Cível n. 70052872413, de 2013)

No mesmo sentido entendeu o juiz Marcos Vinícius Schiebel, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), ao julgar ação ajuizada por uma mulher que era cobrada por meio de mensagens de texto excessivas enviadas não somente a ela, em dias e horários inconvenientes, mas também a familiares. 

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“Em que pese ser direito do credor cobrar sua dívida, a legislação prevê meios adequados para tanto, sendo evidente o constrangimento sofrido em razão de insistentes mensagens devidamente comprovadas, que extrapolam o limite da razoabilidade, bem como falta de respeito não autorizada pela existência de débito, e ameaças abusivas e temerárias”, anotou o magistrado no acórdão (Recurso Inominado n. 0013714-30.2015.8.16.0018, de 2016).

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