Existe uma compreensão equivocada do que se pode entender por “gratuidade” em universidades públicas. Assim como em outras instituições de titularidade estatal, as universidades oferecem cursos e outros serviços de forma gratuita aos usuários (os alunos). Estes submetem-se a processos seletivos e, uma vez aprovados, matriculam-se e seguem o curso sem fazer desembolsos. Mas, atenção: isso não significa dizer que os cursos são gratuitos.
Afinal, há grandes despesas a serem arcadas por alguém, que não são os próprios alunos. O seu estudo superior é financiado por outras pessoas, que não eles mesmos ou sua família (como se dá nas universidades particulares). Desde a limpeza e higienização até os professores, passando pelos servidores que fazem a universidade funcionar de verdade, existe volume significativo de verba paga por alguém, que dela está ausente. Mas, de quanto dinheiro estamos falando?
De bastante dinheiro. Bastante mesmo. As universidades federais custam muito caro. Por exemplo, o orçamento da Universidade Federal do Paraná – UFPR para 2018 foi de R$ 1,478 bilhão: quase um bilhão e meio de reais! Se pensarmos que uma cidade do porte de Maringá teve, para o mesmo ano, o orçamento de R$ 1,624 bilhão, já podemos começar a compreender o volume de dinheiro envolvido. A partir daí, podemos calcular o custo por aluno matriculado.
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Segundo estimativas divulgadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), com dados coletados de 2009 a 2016, a UFPR gastou R$47.851,00/ano, por aluno, em 2016. São R$3.987,58 ao mês, portanto. A depender do período analisado, ela ocupa o 9º ou 10º lugar nacional entre as maiores despesas na média por aluno. Já o professor Rodrigo Kanayama, em seu blog Dinheiro Público, calculou o custo por aluno, em 2015, na UFPR, em R$48.641,05/ano – ou R$4.053,42/mês. São essas as cifras.
Se fizermos raciocínio às avessas, o que se passa é o fato de que os alunos da UFPR recebem “salário” mensal de aproximadamente R$4.000,00 (quatro mil reais), para assistir às aulas, fazer pesquisas e, sobretudo, estudar. Na medida em que usufruem dos serviços e da infraestrutura daquela universidade que é considerada uma dentre as cinco melhores do país sem qualquer desembolso, não será demais afirmar que esse valor é percebido mensalmente por eles. O dinheiro que eu não gasto é incorporado ao meu patrimônio. Logo, e ao contrário daqueles que precisam pagar para estudar, os alunos da UFPR são pagos para estudar. Muito bem remunerados, diga-se de passagem.
Claro que esses dados podem conter fragilidades e nuances, com custos diversos entre cursos diferentes (Medicina e Direito geram despesas não-equivalentes), mas é para isso que servem as médias: a fim de que tenhamos a noção geral do assunto. O que consolida a noção geral em uma só: os alunos custam caro nas universidades federais. Precisam se conscientizar disso e desenvolver os melhores esforços para honrar a sua remuneração. Tal como se espera dos professores: pontualidade, atualização, leitura e publicações, respeito, interesse, etc., são itens básicos para a convivência universitária.
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Talvez o detalhe mais sensível, porém, está no terceiro ausente: de onde vem todo esse dinheiro? Qual é o perfil médio daquele que paga essa conta? Quem está cumprindo essa obrigação que o contrato social traz a todos nós?
O primeiro dado é de conhecimento instintivo: quem paga a conta – essa e tantas outras – é o contribuinte, aquele que recolhe impostos e contribuições. O Estado brasileiro é típico Estado Fiscal, cuja principal fonte de receita é a tributária. Por conseguinte, somos todos nós que pagamos o ensino superior dos nossos conterrâneos. Nós investimos no futuro do Brasil, também por meio da educação. Mas quem, dentre nós, paga proporcionalmente mais impostos? São os mais pobres.
No caso brasileiro, quem ganha menos não domina os instrumentos para pagar menor carga tributária. Os impostos de consumo e aqueles retidos na fonte, sobretudo, são implacáveis. Em contrapartida, as isenções e alíquotas beneficiam os mais ricos. Quem paga mais impostos são aqueles que recebem até três salários mínimos (em 2014, 79% da população recebia até esse teto e arcava com 53% da arrecadação tributária nacional). Muito embora haja variações e debates a respeito, quem tem rendimentos mais elevados consegue maior proteção – e arca, proporcionalmente, com menor carga tributária.
Estes dados necessitam de algum refinamento, bem como da estratificação federal e destinação tributária. Todavia, dificilmente se afastarão do fato de que são os mais vulneráveis, os menos favorecidos pela sorte e pelas circunstâncias, que arcam com a remuneração dos estudantes das universidades públicas. O que exige uma boa dose de humildade e reconhecimento: quem paga o custo do ensino público são pessoas que dificilmente conseguiriam ingressar nas universidades públicas. Justamente em respeito ao esforço delas – que acordam cedo, trabalham de sol a sol e têm uma vida bem mais árdua – que precisamos dar o melhor de nós nas universidades públicas, que gratuitas não são.