A recente sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que durou mais de nove (nove!) horas no julgamento de um só caso, trouxe vários alertas à comunidade jurídica. Talvez o mais importante deles seja a necessidade de refletirmos a propósito da eficiência na prestação jurisdicional. Neste julgamento, a missão pode ter sido cumprida, mas o funcionamento da máquina foi um fracasso. Afinal, quando apenas um processo – conhecido publicamente e sem teses inéditas – instala sessão que leva juízes, ministério público, advogados e partes à exaustão, numa sequência desumana de sustentações e leituras de votos, existe algo a ser aprendido.
Claro que é fácil falar, eis que eu não estava sentado na cadeira dos ministros, não sou advogado no processo, tampouco tinha sobre meus ombros tamanha responsabilidade. Todavia, é justamente ao estranho que se franqueia a visão diferenciada do problema (fora do olho do furacão), que não é novo nem inédito, mas está em expansão.
Todos sabemos que, já há alguns anos, temos julgamentos inacreditavelmente longos. A minha sensibilidade é a de que, se não agirmos a respeito – anotem isso –, o problema só vai crescer e se multiplicar. Qualquer hora dessas será normal que um único processo tome toda a pauta de julgamentos do dia, semana, mês ou semestre (prejudicando todas as demais pessoas que necessitam do acesso à Justiça). Não ficaremos somente cansados, mas impedidos de receber a prestação jurisdicional.
Se bem refletirmos, porém, fato é que advogados e Ministério Público contribuem para que tal descalabro aconteça. Ao fazermos petições extensas, estamos implicitamente requerendo decisões ainda mais compridas. Ao rechearmos nossas peças com a gordura das citações quilométricas, pedimos que sentenças e acórdãos nasçam com obesidade mórbida. Quem dá o primeiro lance define como será a partida – e isso cabe a advogados e ao Ministério Público.
O nosso sistema processual exige do juiz esforço de análise de todos e cada um dos argumentos – inclusive os mais estapafúrdios e desbaratinados, sob pena de nulidade da decisão. Mais: tal exame também deve ser feito nas razões do ex-adverso e naquelas do ministério público. Tudo enfrentado às minúcias, num exaustivo trabalho de leitura, síntese descritiva e aplicação da lei, jurisprudência e doutrina. Vivemos, portanto, uma história sem fim inicial que tende a se transformar noutras histórias infinitas.
Nos meus 30 anos de advocacia, já fui forçado a ler petições com mais de duzentas páginas (quando cheguei na centésima, não lembrava da primeira!). Tive de contestar ações com narrativas desconexas e amontoados de fatos e citações. Já precisei recorrer de acórdãos com dezenas e dezenas de páginas, muitos unânimes, mas com votos paradoxalmente díspares no mesmo sentido. Como se não bastasse, mea culpa, mea maxima culpa, já assinei petições longas (mas nenhuma com mais de 50 páginas: o teto do escritório é 20). Todos estamos enrascados nessa loucura: advogados a exercer o mandato; ministério público a cumprir deveres funcionais e juízes que não podem deixar de decidir. Mas milagres não acontecem.
Logo, se pretendemos conferir alguma eficiência à Justiça, precisamos parar de reclamar e começar a agir. Quais contribuições eu ousaria compartilhar? Só três.
A primeira é o compromisso de petições curtas. Concisão é a chave do êxito. A tentação do “Ctrl+C - Ctrl+V” há de ser banida. As longas citações acabam por revelar preguiça, desconhecimento ou insegurança. Impedem a compreensão da causa, sobretudo em processos digitais, que não possibilitam contato táctil (o folhear é terapêutico). Além de cansar a todos, peças imensas dão à luz contrarrazões e decisões ainda maiores.
O que importa dizer que há de haver limites: quem sabe o máximo de vinte páginas para as peças-chave (inicial, contestação, apelações e contrarrazões) – o que já é um exagero, convenhamos. As demais, nunca além da décima. Peças curtas são apostas em sentenças e acórdãos com dimensão proporcional. Escrever bem, afinal de contas, é escrever pouco.
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A segunda sugestão é a de que magistrados sejam breves em suas decisões, sobretudo colegiadas. Além do número de páginas, que tal limite de tempo para a leitura? Trinta minutos – o dobro dos advogados – não está bom? Que tal se os votos que acompanhassem o do relator, ainda que devido a razões diversas, não pudessem ser lidos, mas apenas acrescentados, por escrito, como anexos? O mesmo se diga dos divergentes: trinta minutos para o primeiro, sem possibilidade de leitura daquele(s) que o acompanha(m).
Isso traria algumas vantagens: não haveria convergências divergentes (que impedem o conhecimento da razão de decidir) e se imporia o respeito à ordem dos julgamentos. Inibiria arroubos e tornaria despicienda a elaboração de votos longuíssimos. Se acompanha o relator com lastro em motivos diversos, ótimo: é uma faculdade que assiste aos julgadores. Mas isso não pode corromper a razão de ser do colegiado.
A terceira sugestão é a de que tais diretrizes sejam objeto de formalização de pactos republicanos entre Poder Judiciário, advocacia e ministério público. Apenas sugestões e convencimento democrático, sem sanções: soft law, para tornar nossa vida mais fácil. Poderia haver acordos de cavalheiros entre OAB federal, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). De igual modo, as seccionais da OAB celebrariam pactos semelhantes com as corregedorias de justiça e do ministério público. Tudo isso seguido de campanhas públicas, cursos de como escrever pouco nas escolas da advocacia, da magistratura e das promotorias, para culminar – este é um sonho – em faculdades que ensinem a redigir de modo conciso.
Se pensarmos bem, quando as pessoas usavam máquinas de escrever, as manifestações eram breves. Os acórdãos do Supremo Tribunal Federal não ultrapassavam trinta páginas, mesmo nos casos mais complexos - e assim a Justiça era prestada. Os computadores, processadores de texto, correção automática, internet e transmissões ao vivo facilitaram em muito a nossa vida. Mas trouxeram efeitos perversos, que hoje impedem a prestação jurisdicional eficiente. Precisamos nos conscientizar disso e tomar medidas que permitam que a Justiça chegue a todos, de modo igualitário. Escrever e falar pouco já é um primeiro passo.
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