O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento sobre o pedido de equiparação de supostos atos de homofobia ao racismo, questão em julgamento na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no Mandado de Injunção (MI) 4733. No início da sessão, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, já abriu os trabalhos informando que os votos seriam colhidos apenas a partir de quinta-feira (14).
A criminalização da homofobia é vista como mais uma bola dividida, sensível à Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e a parlamentares conservadores. Ministros do Supremo minimizaram o poder da bancada, mas evitaram comentar outros atritos recentes com o Poder Legislativo.
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Na tarde de ontem (12), a FPE reuniu-se com o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, para pedir o adiamento do julgamento, mas teve o pedido negado. A principal preocupação dos parlamentares é com um dos pontos da ação, que pede não só a declaração de omissão do Congresso Nacional, mas a equiparação de supostos atos de homofobia ao racismo, criminalizando, em decorrência disso, a discriminação por “orientação sexual” e “identidade de gênero”.
Antes da sessão desta quarta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski declarou, quando perguntado sobre a posição da bancada evangélica, que "o Supremo não se submete a pressões". O ministro Edson Fachin, relator de uma das ações, quando perguntado se o julgamento pode aumentar a temperatura dos atritos, negou haver interferência entre os poderes. “Eu sou relator de um Mandado de Injunção e o Mandado de Injunção está na Constituição. Portanto, o Supremo está julgando o que está na Constituição”, afirmou.
Na saída da reunião de terça, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) afirmou que a bancada evangélica errou ao perceber tarde demais que a ação estava na pauta do tribunal, e que a principal preocupação dos deputados é com o ativismo judicial e com a liberdade de expressão e religiosa daqueles que consideram as “condutas homossexuais” erradas. O deputado afirmou, ainda, que a ação foi pautada por pedido explícito do decano (membro mais antigo) do tribunal, ministro Celso de Melo.
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O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que esteve no Supremo hoje para audiência com o ministro Roberto Barroso, relator do caso em que Eduardo é acusado pela PGR por ameaças à jornalista Patrícia Lelis, também minimizou os desgastes entre os poderes. "Não acredito [em desgaste]. Tem de esperar qual vai ser a decisão que vai sair aqui do STF. Mas não acredito nesse desgaste não", declarou.
O que aconteceu nesta quarta-feira
Na sessão desta quarta-feira (13), apenas os relatórios dos ministros Celso de Melo e Edson Fachin, progressistas em questões de costumes, foram lidos. Houve ainda manifestação das partes do processo e dos amici curiae (amigos da Corte). Nove advogados falaram na sessão. A ADO 26 e o MI 4733, assinadas pelo mesmo escritório de advocacia, pedem que o STF reconheça omissão do Legislativo por não ter elaborado legislação criminal que puna todas as formas de homofobia e de transfobia. Não há consenso sobre o que esses termos designam.
No relatório da ADO 26, primeira manifestação a ser lida em plenário, o ministro Celso de Melo destacou que o PL 122, que tramitou no Senado entre 2006 e 2014, depois de aprovado na Câmara, foi incorporado ao projeto de novo Código Penal, sem prazo para ser votado.
“Esse adiamento do exame e da votação da proposição (...) constituiria, segundo os autores da ação, a prova mais evidente do retardamento da apreciação”, disse o decano do tribunal. Melo, entretanto, ressaltou, fazendo menção a projetos no Congresso, que o Senado negou omissão no caso.
Já no relatório do MI 4733, Fachin lembrou que, na primeira ocasião, a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pelo não cabimento da ação, posição que foi acatada o relator original da ação, ministro Lewandowski. No entanto, em face de recurso contra a decisão, a PGR mudou de posição e o tribunal aceitou receber para julgar o MI, tendo a relatoria passado às mãos de Fachin. Em sua nova posição, a PGR pede que o tribunal dê “interpretação conforme” à Constituição ao conceito de raça, para que abranja a supostas discriminações homofóbicas e transfóbicas.
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O primeiro a falar foi Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, em nome do PPS e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), autores dos processos. A exposição do advogado centrou-se em mostrar que, mesmo no Direito Penal liberal, em que o Direito Penal fica reservado apenas aos casos mais graves, a criminalização da homofobia seria correta.
“A Constituição exige a criminalização do racismo, da violência contra a mulher, para proteger os grupos raciais minoritários, as mulheres. Entendemos que, quando a Constituição exige a criminalização da homofobia, ela o faz para proteger a população LGBTI em seus direitos fundamentais”, disse. “Discurso de ódio não é protegido pela liberdade de expressão. Ninguém quer condenar e prender padres ou pastore por dizerem que a homossexualidade ou sei lá o que é pecado. O que nós somos contra é o discurso de ódio”, disse ainda.
“A lei antirracismo fala em raça, cor, etnia, procedência nacional e religião. Ora, ora, quem está querendo privilégios aqui? São religiosos fundamentalistas que não querem que a mesma criminalização que lhes protege seja garantida à população LGBTI”, afirmou o advogado.
O segundo a falar foi André Mendonça, que fez sua primeira sustentação oral no STF como advogado-geral da União (AGU). Mendonça começou destacando que há uma série de políticas públicas para a proteção de pessoas LGBT, e afirmou que não há omissão inconstitucional atribuível ao Congresso Nacional, uma vez que não existe comando constitucional expresso que exija a criminalização da homofobia.
“Mesmo se a criminalização for considerada legítima segundo os padrões constitucionais, ela não é obrigatória”, defendeu.
Mendonça destacou ainda que apenas o Poder Legislativo pode criar leis criminalizando condutas e que nem mesmo Medidas Provisórias podem tratar de questões de matéria penal. A AGU defendeu que o texto constitucional exige a criminalização específica apenas do caso de racismo – para outros casos de preconceito, a Constituição exigiria apenas uma “punição”, sem especificar a forma, de acordo com o artigo 5º, inciso XLI.
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Fernando César Cunha, advogado-geral do Senado, negou haver omissão da Casa em discutir o tema. Cunha destacou que os homossexuais, como todas as pessoas, já são protegidos pela lei penal em vários casos e que a criação de um tipo penal específico contra a discriminação por “orientação sexual” ou “identidade de gênero” está em discussão no PL 236/2012, o projeto de Novo Código Penal. “Não se pode substituir a lei por uma sentença”, resumiu.
Falaram ainda, na condição de amici curiae, o Grupo Gay da Bahia, o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual (GADvS), o Grupo Dignidade - Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), todos a favor das ações. Contra os pedidos, falaram a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e a Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida. Durante a exposição dos amici curiae, apenas seis dos onze ministros estavam no plenário.
Quem encerrou as manifestações do dia foi o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia. Com um discurso emocionando, citando a Bíblia, Maia manifestou a atual posição do Ministério Público Federal (MPF), que se posicionou a favor dos pedidos principais da ação. “Que esse tribunal tenha a coragem”, gritou Maia.
O que pedem as ações
Como a Constituição prevê a criminalização do racismo (artigo 5º, inciso XLII) – o que de fato foi feito pela Lei 7.716/1989 – as ações pedem que o tribunal declare o Congresso omisso e fixe um prazo para que os parlamentares editem uma lei com esse teor e, na falta dela, pedem “a inclusão da criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente), das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima” na lei de 1989.
Se o Supremo não aceitar esse argumento, as ações pedem que o tribunal pelo menos a considerem a homofobia “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, pois o artigo XLI ao artigo 5º da Constituição prevê que a lei deverá punir essas condutas. Nesse caso, o Supremo poderia declarar o Congresso em mora, mas não determinar que os crimes previstos na Lei 7.716/1989 abrangem também condutas homofóbicas.
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As ações fundamentam o pedido em um caso célebre que o STF julgou em 2003. O Habeas Corpus (HC) 82.424-4, que cuidou do “caso Ellwanger”, considerou o antissemitismo uma forma de racismo para fins da aplicação legal. Naquela ocasião, seguindo o voto do então ministro Maurício Corrêa, o tribunal apontou que a genética estabelecera que não havia diferenças biológicas relevantes entre os seres humanos, que seriam, em essência, todos iguais.
Isso permitiria, segundo os autores da ação, que a homofobia fosse equiparada ao racismo na aplicação legal. "As ações partem deste entendimento para afirmar que “a homofobia e a transfobia constituem espécies do gênero ‘racismo’, na medida em que racismo é toda ideologia que pregue a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro”.
“Todas as formas de homofobia e transfobia devem ser punidas com o mesmo rigor aplicado atualmente pela Lei de Racismo, sob pena de HIERARQUIZAÇÃO DE OPRESSÕES [destaque no original] decorrente da punição mais severa de determinada opressão relativamente a outra”, argumenta ainda o PPS.
Tramitação e reações no Congresso
Paulo Vecchiatti, advogado das ações, afirmou em sua sustentação que o fato de o tema tramitar no Congresso não o exime da omissão. Para o advogado, o Congresso criminaliza “tudo”, mas se recusa a criminalizar a homofobia por oposição da bancada religiosa. O mais importante projeto tratando da criminalização da homofobia esteve em pauta no Congresso entre 2001 e 2014, até ser apensado ao projeto de Novo Código Penal.
O pleito ganhou relevância nacional durante a tramitação Projeto de Lei (PL) 122/2006. De autoria da então deputada Iara Bernardi (PT-SP), em 2001, o projeto foi aprovado na Câmara em 2005 e tramitou no Senado – primeiro avulso, depois apensado à proposta de novo Código Penal – por mais oito anos até ser arquivado. A proposta inicial previa apenas a imposição de sanções administrativas, a exemplo do que já fazem alguns estados, a discriminação contra homossexuais e transexuais.
Em 2005, no entanto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, acolheu o relatório do deputado Luciano Zica (PT-SP), prevendo a modificação justamente da Lei 7.716/1989, que passaria punir, além dos crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião e origem, também os resultantes de discriminação ou preconceito de “gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência”.
O projeto acabou enfrentando forte oposição da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que temia que a redação ampla e genérica do projeto pudesse avançar sobre a liberdade de crítica a condutas homossexuais e à ideologia de gênero. A relatora do PL na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), a então senadora Marta Suplicy, que estava no PT de São Paulo, chegou a propor uma ressalva às manifestações religiosas, mas foi criticada por ativistas LGBT.
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Pela proposta da senadora, o artigo 20 da lei 7.716/1989, que “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”, além de passar a proteger a orientação sexual e a identidade de gênero, passaria também a prever que a previsão “não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé, fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.
Os deputados da FPE avaliam que a postura do STF será crucial para determinar o ritmo da tramitação do PL 4.754/2016, que inclui entre os crimes de responsabilidade dos ministros do STF, previstos na Lei 1.079/1950 a hipótese de “usurpar competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo”. O PL tramitou em 2016 sem fazer muito barulho, mas chegou a receber um parecer favorável do deputado Marcos Rogério (DEM-GO), em setembro daquele ano, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada, o deputado João Campos (PRB-GO) sinalizou neste sentido. "Vamos ter a grande oportunidade de ver se todo esse discurso [de moderação do presidente do STF] caminha para um comportamento menos ativista e, se não houver harmonia entre o discurso e aquilo que vai acontecer, nós vamos ter de dar um tratamento mais célere a este projeto de lei”, declarou. Muitos deputados e da base aliada do presidente Jair Bolsonaro (PSL) consideram o projeto urgente e prioritário.
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