O Registro Nacional de Exonerações (NRE, da sigla em inglês), projeto de universidades norte-americanas dedicado a analisar casos de reversão de condenações criminais, publicará em breve a segunda parte de um levantamento, feito a partir do seu banco de dados, sobre todas as condenações injustas conhecidas nos Estados Unidos, desde 1989. O NRE antecipou alguns dados:
– Os 2.265 presos injustamente no período, somando todos os anos de condenação, permaneceram 20 mil anos atrás das grades. Isso é uma enorme quantidade de potencial humano desperdiçado;
– Em artigo que será publicado, Jeffrey Gutman, professor de Direito da Universidade George Washington, analisou as indenizações devidas àqueles que foram condenados injustamente. Para arcar com as condenações ilícitas, os governos estaduais e municipais pagaram US$ 2,2 bilhões em indenizações. O valor equivale ao gasto que os americanos fazem todos anos para tratar problemas de indigestão.
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Obviamente, isso não chega nem perto do custo total despendido com as condenações injustas. Para calcular isso, seria necessário verificar quanto custa investigar, condenar e aprisionar a pessoa errada; os efeitos que a condenação indevida teve sobre aquela pessoa, sua família e comunidade; e supor quais são os possíveis crimes que o verdadeiro culpado cometeu depois que as autoridades prenderam o suspeito errado. Outros dados:
– Mais da metade desses presos nunca foram indenizados;
– Nos estados com leis que preveem indenizações a pessoas presas por equívoco, os injustiçados recebem, em média, US$ 69 mil por ano na prisão. Aqueles que processam fazem melhor: eles ganham em média mais de US $ 300 mil por ano que passaram atrás das grades. Mas o resultado de um processo judicial é muito menos previsível;
– Entre os estados que têm leis prevendo a indenização, Gutman classifica o Mississippi como o mais generoso, embora para receber pagamento, aqueles que foram presos injustamente devem renunciar ao direito de processar o Poder Público por danos civis. Mas os estados dirigidos por democratas, em média, pagam cerca de 50% a mais aos antigos presos do que aqueles comandados por republicanos;
– A raça é um fator importante nesse sistema. Os negros são mais propensos a ser condenados erroneamente – eles representam 12% da população, mas 46% dos presos por engano.
Coletivamente, representam 56% dos anos de vida perdidos para a prisão. Os negros presos injustamente também passam mais tempo na prisão antes de serem libertados e liberados do processo (10,7 anos versus 7,4 anos para os brancos) e recebem indenizações menores quando deixam o sistema prisional (em média, US$ 42 mil a menos por ano de encarceramento);
– Ao contrário do que se espera, presos que eram inocentes, mas que confessaram falsamente o crime por algum motivo, tiveram uma taxa mais alta de vitória nos processos judiciais.
Muitos dos estados com leis de indenização se recusam a pagar ex-presos que confessam falsamente, com a justificativa de que eles mesmos contribuíram para a própria condenação. Se é verdade que os júris têm maior probabilidade de se pronunciar contra o Estado e conceder mais dinheiro quando descobrem como tais confissões foram obtidas, talvez tais regras rígidas sejam equivocadas.
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É impossível saber quantas pessoas são erroneamente condenadas nos Estados Unidos. Dado que cada estado faz a documentação de forma diferente, também é difícil contabilizar todos que foram soltos após o erro ter sido detectado. Como o NRE admite em seu relatório, “há muitas exonerações de anos passados que não conhecemos – continuamos a encontrá-las quando temos tempo para olhar – e a grande maioria das falsas condenações nunca é reconhecida”.
Também vale a pena ressaltar que, embora os US$ 2,2 bilhões pagos certamente tenham sido importantes quem os recebeu, esse número provavelmente não impedirá futuras condenações injustas. O dinheiro quase sempre vem de tesourarias públicas ou, pelo menos, de seguradoras municipais, não das autoridades públicas responsáveis.
Para uma verdadeira dissuasão da prática, precisaríamos de uma responsabilização consistente de agentes policiais e promotores, cuja má conduta envia pessoas inocentes para a prisão. A polícia é protegida por imunidade qualificada. Os promotores estão protegidos por imunidade absoluta, mesmo nos casos em que se demonstrou que eles cometeram má conduta flagrante, com evidência de fraude.
Em alguns estados, como o Tennessee, a última palavra sobre um caso de exoneração penal é do governador, o que efetivamente politiza a decisão. Alguns estados (novamente, como o Tennessee) a indenização por condenações injustas não é hereditária. Uma vez que a pessoa injustamente condenada morre, os cheques param de chegar. Isso é errado por muitos motivos, mas aqui estão dois importantes: 1) todo ano em que o Estado nega ou adia o reconhecimento de uma prisão injusta é um tempo que o Estado ganha para não ter de pagar indenização; 2) a lei presume que as famílias e filhos de pessoas presas injustamente não foram prejudicados pela condenação.
No final, tudo o que podemos realmente dizer é que, apesar de US$ 2,2 bilhões serem muito dinheiro público, trata-se de uma quantia distribuída de forma desigual, que provavelmente não trará muitaa mudanças e deveria ser um pouco maior.
* Radley Balko escreve e edita “The Watch”, um blog que cobre as liberdades civis e o sistema de justiça criminal norte-americano. Foi repórter investigativo do Huffington Post e escritor e editor da revista Reason. Seu livro mais recente é “The Cadaver King and the Country Dentist: A True Story of Injustice in the American South”, sem tradução para o português.
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