A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, em julgamento realizado na terça-feira (6), a condenação do pastor Tupirani da Hora Lores, da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, sediada na zona portuária do Rio de Janeiro (RJ), por praticar e incitar discriminação religiosa. Os ministros consideraram que as declarações de Lores são “islamofóbicas” e incitam o ódio a várias religiões. A ação se arrasta há anos na Justiça.
De acordo com os autos do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 146303, Lores publicou na internet, na condição de pastor, textos e vídeos ofensivos a seguidores de crenças diversas da sua, como muçulmanos, católicos, judeus, espíritas e umbandistas. Em algumas publicações, o réu pedia pelo fim das outras religiões e doutrinas, além de imputar fatos ofensivos aos devotos e sacerdotes. O crime de discriminação religiosa está previsto na Lei 7.716/1989, a mesma que pune o racismo.
Nossas convicções: Liberdade de expressão
Condenado, inicialmente, pela 20ª Vara Criminal da Capital (RJ), a três anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 36 dias-multa, o pastor teve a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direito. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) apenas reduziu a quantidade de dias-multa, mantendo a condenação.
Não satisfeita, a defesa de Lores impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou o pedido. Na decisão, o ministro Joel Ilan Paciornik escreveu que “não se trata apenas de defesa da própria religião, culto, crença ou ideologia, mas sim de um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé diferente à do paciente [autor do Habeas Corpus]”.
No STF, os advogados do pastor apresentaram recurso pedindo o trancamento da ação, sob a alegação de atipicidade da conduta. Segundo a defesa, a condenação ideológica de outras crenças é inerente à prática religiosa, e se trataria de exercício de uma garantia assegurada pela Constituição.
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A Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifestou na ação, citou o julgamento do Habeas Corpus 82.424/RS, conhecido como “caso Ellwanger”, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por incitação à discriminação religiosa contra o povo judeu. Na ocasião, entendeu-se que a liberdade de expressão deve se sujeitar a “limites morais e jurídicos”, não sendo um direito absoluto.
Sobre a conduta do pastor da Igreja Geração Jesus Cristo, a PGR afirmou que “extrapola os limites da razoabilidade e não encontra amparo nos direitos de livre manifestação e liberdade religiosa assegurados constitucionalmente, os quais, vale dizer, submetem-se a limites éticos e jurídicos, jamais podendo ser erigidos à condição de escudo ou blindagem para a prática de ilícitos”.
Divergência
A solução dos ministros que integram a Segunda Turma do STF não foi unânime. Relator do caso, Edson Fachin votou de forma favorável ao réu. Para Fachin, ainda que tenha se tratado de atitude “absolutamente reprovável e arrogante”, o ato não pode ser considerado crime. Segundo o relator, a conduta está inserida no debate entre religiões que decorre da liberdade de proselitismo, essencial ao exercício da liberdade religiosa.
Os demais ministros da Turma – Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello – divergiram do relator. Toffoli, que inaugurou a corrente vencedora, expressou-se no sentido de que as publicações do pastor alimentam o ódio e a intolerância.
Na visão do ministro, caso o Estado não exerça um papel pacificador, vai se chegar a uma guerra de religiões. Para Toffoli, a tolerância religiosa faz parte da construção do Estado Democrático de Direito, entendimento seguido por Gilmar Mendes, que disse se tratar de “um valor que precisamos preservar”.
Já Celso de Mello considerou que houve incitação ao ódio religioso. O ministro, que escreveu que o pastor fez uma declaração “islamofóbica”, dizendo que o islã é uma “religião assassina”, também apontou manifestações contrárias a judeus epregações de iconoclastia [atentado a imagens religiosas].
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“Impende advertir, desde logo, que a incitação ao ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão”, escreveu Mello. Ele ainda afirmou que
pronunciamentos, como os de que trata este processo, que extravasam os limites da prática confessional, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público contra fiéis de outras denominações religiosas, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento, que não pode compreender, em seu âmbito de tutela, manifestações revestidas de ilicitude penal”
Pastor polêmico
A Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo já se envolveu em outras polêmicas além dos textos e vídeos que motivaram a ação que chegou ao STF. Em agosto do ano passado, por exemplo, integrantes da comunidade fizeram uma passeata, na Zona Sul do Rio, contra imigrantes islâmicos. No ato, ostentavam cartazes com mensagens como “meu Deus não é pedófilo; não sou muçulmano” e “Alcorão: escola de assassinos; fora Malomé (sic)”.
A Igreja também tem se posicionado de forma contrária à Justiça brasileira e à própria Constituição, espalhando, também no Rio de Janeiro, pichações com o slogan “Bíblia sim, Constituição não”, além da mensagem de que Jesus Cristo voltará em 2070. Em um culto, Lores teria bradado que “se eu tivesse uma metralhadora, botaria os juízes e promotores em fila”, segundo reportagem da revista Piauí.
A reportagem do Justiça tentou contato com o pastor para esta matéria, mas até o momento não obteve retorno.
* Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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