Entra em vigor nesta terça-feira (21) a nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/ 2017), em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a migração do ponto de vista da segurança nacional.
Embora a nova lei seja considerada um avanço, entidades de direitos humanos advertem que o decreto de regulamentação, publicado no Diário Oficial, desvirtua a lei.
LISTA: Confira alguns pontos polêmicos do decreto
Diversos artigos do decreto de regulamentação são alvo de crítica da Defensoria Pública da União (DPU) e de organizações de defesa dos direitos dos migrantes.
“O decreto tem aspectos claramente contrários à própria Lei de Migração, como a previsão de prisão do migrante que será deportado, quando o artigo 123 da lei expressamente proíbe privação de liberdade por razões migratórias”, diz Camila Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos.
“A lei é um grande avanço e o decreto, com hierarquia inferior, não pode deturpá-la. O governo Temer não pode desconsiderar a construção do texto da lei, que se deu com ampla participação social por anos.”
A DPU encaminhou um documento pedindo 47 modificações. Uma das mudanças pedidas que não foram feitas se refere à regulamentação da reunião familiar de solicitantes de asilo político - pelo artigo 177 do decreto, os familiares precisam estar em território nacional. Na maioria das vezes, no entanto, solicitantes de asilo político chegam ao país sozinhos, em fuga.
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Visto humanitário
O decreto adia a regulamentação dos vistos e autorizações de residência por motivos humanitários, que eram grandes inovações da Lei de Migração. No artigo 36, o texto determina que um “ato conjunto dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho definirá as condições, prazos e requisitos para emissão do visto.”
“Quando o decreto remete para atos complementares interministeriais, isso pode atravancar a lei, não é simples reunir vários ministérios e chegar a um consenso -e essas são questões urgentes, veja por exemplo o caso dos venezuelanos”, diz Gustavo Zortea da Silva.
Até hoje, apenas haitianos e pessoas afetadas pela guerra da Síria foram beneficiadas por vistos humanitários. A nova lei abria caminho para sistematizar a concessão desse tipo de visto.
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Em março, uma resolução do Conselho Nacional de Imigração ampliou o acordo de residência do Mercosul a cidadãos de países fronteiriços não pertencentes ao bloco, o que inclui os venezuelanos. O acordo permite residência temporária por até dois anos.
Mas muitos dos mais de 30 mil venezuelanos que entraram no Brasil desde o início da crise no país vizinho não se candidataram à autorização de residência, por causa da exigência de apresentação de documentos em que conste sua filiação.
Segundo Asano, a filiação não consta no documento venezuelano de identidade, e muitos venezuelanos têm medo de ir até o consulado para requerer uma declaração consular. Por isso, eles entram com pedido de refúgio, que não exige documentação – mas a decisão pode levar anos e não há garantia de concessão.
Segundo as entidades, esse é um dos motivos da urgência de regulamentação de vistos e residência por motivos humanitários, o que ainda não foi feito pelo governo federal.
As entidades criticam também o que consideram falta de transparência na elaboração do decreto. Segundo o padre Paolo Parise, coordenador da Missão Paz, entidade que acolhe refugiados, o prazo da consulta pública do decreto foi exíguo e a data da audiência pública foi comunicada em cima da hora. “Diferente da Lei de Migração, que teve ampla participação da sociedade civil”, diz.
Pontos polêmicos do decreto
O que diz o decreto: é necessário ato conjunto dos ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e do Trabalho para definir as condições, prazos e requisitos para emissão do visto.
Críticas: pode levar a enorme atraso na concessão do visto.
O que diz o decreto: para o direito de reunião familiar do asilado político, exige que os familiares encontrem-se em território nacional.
Críticas: muitas vezes, pela própria natureza do asilo, os solicitantes vêm ao país sozinhos.
O que diz o decreto: estabelece que serão cobradas taxas para emissão de cédula de identidade de imigrante.
Críticas: portaria do Ministério da Justiça já havia isentado os refugiados das taxas, uma vez que eles, normalmente, não têm dinheiro.
* O artigo 312 do Decreto, porém, afirma que as taxas não serão cobradas para integrantes de grupos vulneráveis e aos indivíduos em condição de hipossuficiência econômica.