O Decreto 9.785/2019, que ampliou o acesso ao porte de armas de fogo no Brasil nesta semana, virou motivo de controvérsia. A medida foi questionada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, e se tornou alvo de duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) após ser editada pelo presidente Jair Bolsonaro. A acusação é de afronta à Constituição Federal.
Juristas discordam sobre a constitucionalidade do decreto, que facilitou o acesso a armas para determinadas categorias e profissões, como caminhoneiros, advogados, jornalistas e políticos eleitos. A medida também modificou regras para caçadores, atiradores esportivos e colecionadores.
Alguns juristas alertam que o poder do presidente da República de regulamentar o decreto de porte de armas não pode exceder os limites definidos em lei. Para outros, não há anormalidades em relação à Constituição.
Veja o que juristas dizem sobre o decreto de porte de armas
- “É inconstitucional. Só lei pode obrigar ou proibir condutas. Quando uma lei proíbe, só outra lei – ou uma emenda constitucional – pode criar exceções. Jamais um decreto. No Brasil, um decreto não pode criar direitos e deveres novos, que não estão previstos em lei”, opina o professor de Direito Constitucional do mestrado da Universidade Positivo (UP), Carlos Strapazzon.
- “O que o presidente fez foi regulamentar a matéria do Estatuto do Desarmamento. Não me parece que existe inconstitucionalidade no tema. Nem tudo que nós discordamos ofende a Constituição. Por certo, as políticas de governo agradam setores e desagradam outros”, diz o fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito, Flavio Pansieri.
- Para o especialista em Direito Penal Gustavo Scandelari, o decreto foi genérico ao abranger várias categorias e disciplinou os requisitos. “Não houve uma exclusão dos requisitos exigidos [para o porte] que continuam, como teste psicológico e aptidão técnica. É errado dizer que o porte foi flexibilizado. O que se fez foi presumir a necessidade de porte de maneira obscura.”
- “O decreto que regulamenta o Estatuto do Desarmamento é ilegal, uma vez que expande as hipóteses de autorização para porte de arma de fogo e, com isso, extrapola os limites do poder regulamentar”, pondera a advogada Adriana Inomata, doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Decreto de porte de armas é alvo de questionamentos
A oposição foi ao STF para barrar o decreto. Na quarta-feira, a Rede Sustentabilidade ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido liminar para suspender a eficácia do decreto e a declaração de inconstitucionalidade. “Vale destacar que o decreto não foi divulgado à imprensa nem por ocasião da cerimônia de assinatura”, acusa o partido na justificativa da ação no Supremo. A íntegra do decreto veio a público no dia seguinte.
Nesta sexta-feira (10) foi a vez do PSOL ajuizar uma ADI alegando que Bolsonaro feriu o artigo 84 da Constituição, que dá ao presidente da República o poder de expedir decretos, ao estabelece uma nova regulação para o porte de armas.
A relatora designada para analisar o caso no Supremo é a ministra Rosa Weber. Nesta sexta, ela deu prazo de cinco dias para o governo federal prestar explicações sobre o decreto de porte de armas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), viu inconstitucionalidades no decreto e admitiu que ele pode ser sustado pelo Legislativo se não for modificado. Para Maia, o governo terá de rediscuti-lo ou "acabará com uma decisão da Câmara ou do Judiciário".
Em nota técnica, o Senado afirma que o decreto extrapolou o poder de regulamentar em pontos específicos. No documento, os parlamentares citam a “efetiva necessidade do porte em decorrência de exercício de atividade profissional, de risco ou de ameaça à sua integridade física”. Outro ponto alvo de questionamentos é sobre o fato do decreto conceder o porte de arma de fogo geral e irrestrito aos colecionadores e caçadores, presumindo, de forma absoluta, que tais categorias cumprem o requisito de “efetiva necessidade”.
Para técnicos da Câmara, “a lei é clara no sentido de que deve haver demonstração efetiva da necessidade do porte, devendo cada caso concreto ser analisado pelo órgão competente”. A flexibilização foi estendida para 19 categorias, entre elas políticos, caminhoneiros e moradores de área rural.
Em nota, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestou sobre o tema. A entidade diz que “promoverá estudos e análises sobre os aspectos jurídicos envolvidos no decreto que flexibiliza o porte de armas”. Embora a OAB seja parte legítima para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a assessoria de imprensa informou que a entidade ainda vai aguardar os resultados dos estudos para tomar qualquer decisão.
Cumprindo agenda em Curitiba nesta sexta, o presidente Jair Bolsonaro desdenhou da opinião de especialistas sobre o decreto do porte de armas. "Muitos se dizem especialistas em segurança pública, mas, se jogar uma traque de são-joão, caem no chão", afirmou, citando que o decreto "respeita a vontade popular".
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