Uma proposta polêmica que mexe com os direitos dos menores infratores está em tramitação na Câmara dos Deputados. De autoria do parlamentar Cajar Nardes (Pode-RS), o Projeto de Lei (PL) 6433/2016 tem como objetivo autorizar o uso de armas de eletrochoque contra adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. A matéria já foi aprovada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Casa.
O texto de Nardes modifica tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) quanto o Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003). Pela proposta, a arma poderia ser utilizada contra “internos não-cooperativos” – desarmados, portando armas brancas ou armamento de fogo – que apresentem condutas como descontrole emocional, tentativa de suicídio ou que possam colocar outras pessoas em risco. A arma de eletrochoque também caberia no caso de condução de interno perigoso, a fim de prevenir possíveis fugas.
A proposta também prevê, “como último recurso em defesa da vida de eventual vítima sob seu domínio, de terceiro não envolvido ou de agente, se não for aplicável outra forma de controle em menor nível de força”, o uso de arma de fogo contra o jovem. Nesse sentido, o Estatuto do Desarmamento passaria a permitir que agentes públicos executores de medida socioeducativa, conhecidos como agentes socioeducadores, tivessem o porte de arma de fogo, fora do serviço e também nos estabelecimentos.
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Na justificativa do projeto, o deputado aponta que “em muitas ocasiões, tratando com adolescentes mais perigosos que certos delinquentes adultos, referidos profissionais ficam refém da proibição de uso de armas que os protejam e às demais pessoas que convivem nos estabelecimentos de internação”. Ainda, na visão de Nardes, “os órgãos de defesa dos direitos humanos, mormente os dos adolescentes, muitas vezes num discurso reducionista, se esquecem dos direitos dos agentes socioeducadores”.
Relator da matéria na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, o deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG) concordou com a proposta em sua integralidade, afirmando que “a legislação protetiva do menor infrator está completamente divorciada da realidade que se impõe à sociedade brasileira como um todo”. O parlamentar também escreveu que os agentes socioeducativos “merecem” meios de proteção que considera adequados para o exercício da função.
O PL 6433/2016 tramita em caráter conclusivo nas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, de Seguridade Social e Família e de Constituição, Justiça e de Cidadania. Nesses casos, a apreciação no plenário da Câmara é dispensada, a não ser que haja recurso por parte de 51 deputados ou que o texto seja rejeitado por uma das comissões. Na primeira delas, a matéria foi aprovada, enquanto na Comissão de Seguridade Social e Família houve requerimento pela realização de audiência pública sobre o tema, que deve ocorrer somente no ano que vem.
Pela Resolução n. 6/2013 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), armas de baixa letalidade, como é o caso das de eletrochoque, não devem ser utilizadas por agentes do Poder Público contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.
“Presídio para adolescentes”
Professora e coordenadora do curso de Pós-Graduação em Psicologia Jurídica do Unibrasil, Mayta Lobo analisa o projeto com olhar crítico. Para ela, o texto reforçaria a lógica da violência pela violência, algo que na realidade atual não funciona. “Deixar o sistema socioeducativo mais parecido com o sistema penitenciário só faria sentido se esse fosse um modelo, o que não é. Querem levar para os adolescentes algo que sequer funciona com adultos”, opina.
Mayta, contudo, diz não tratar o tema de forma alienada, como se os adolescentes fossem ingênuos. A professora, que já trabalhou em centro de socioeducação, sabe que muitos jovens que chegam a esses lugares apresentam nível alto de periculosidade, tendo cometido atos graves. O grande problema, segundo ela, é que esses adolescentes vêm de um ciclo muito grande de abandono, por parte da família, sociedade e, principalmente, pelo Estado.
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“Eles não conhecem a responsabilização, porque ninguém nunca se comprometeu com eles antes. Só que aí, quando se descomprometem com a lei, eles conhecem o Estado, mas um Estado punitivo”, afirma. “Aí você pega um adolescente em formação, sobre o qual ninguém nunca se responsabilizou, pune com violência e espera que ele saia de lá ressocializado?”.
A solução, na opinião da professora, seria que o Estado enxergasse na situação uma “oportunidade” para reparar o que não foi feito. Se não foram asseguradas ao jovem educação, saúde e moradia adequadas anteriormente, por exemplo, o centro de socioeducação poderia se destinar a isso. Outro ponto trazido por Mayta é o da Justiça restaurativa, com participação mais intensa tanto da vítima quanto do agressor, que deve refletir sobre o ato que cometeu. Mais do que a responsabilização, esse meio de resolução de conflitos busca a verdadeira reintegração social. Saiba mais sobre o tema aqui e aqui.
“Eu vejo esse projeto [das armas de eletrochoque] de forma crítica, mas ao mesmo tempo não de forma ingênua, de que basta a conversa. É preciso ter a consciência de que centros de socioeducação são ambientes perigosos, em que é preciso, também, proteger os agentes. Mas não imagino que o olhar do Estado para com os funcionários se limite a conhecer um equipamento. Não acredito que isso proporcione bem-estar aos agentes. É preciso pensar com outra lógica”, finaliza.
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