“Até que a morte os separe”. Ninguém se casa pensando em separação ou divórcio, porque o casamento é um compromisso de vida de importância especial para as pessoas e para o direito. Não por acaso, a Constituição Federal diz, em seu artigo 226, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e, logo em seguida, traz as regras gerais sobre o assunto. Mas as sociedades modernas têm permitido o divórcio – o Brasil, desde 1977 – para os casos em que o casal não vê outra alternativa.
O divórcio ainda gera muitas dúvidas e, por isso, o Justiça & Direito preparou este especial sobre o tema, reunindo conteúdo produzido anteriormente e contando com a ajuda das advogadas Fernanda Pederneiras e Diana Geara, especialistas em Direito de Família.
Qual o primeiro passo?
Divorciar-se sempre exige a ajuda de advogado, mesmo no caso do divórcio extrajudicial, que é feito nos cartórios. Por isso, o primeiro passo é consultar alguém da área, para ter clareza sobre os direitos de cada parte, se o processo poderá mesmo ser feito no cartório ou exigirá uma sentença da Justiça.
Diana destaca que esse não é momento para correria: “Quando você casou, você esperava passar a vida com aquela pessoa. Não custa nada ter um pouco de prudência e sensibilidade com o outro nesse momento difícil”, diz. “E às vezes a pessoa sai de casa, deixa os documentos lá e depois não tem nada para entregar ao advogado e ajudar a entrar com a ação”.
Separação ou divórcio?
Até 2010, era preciso estar separado de fato por dois anos e judicialmente por um ano antes de realizar o divórcio. Desde a Emenda Constitucional 66, é possível divorciar-se desde logo. Mas a separação não desapareceu: uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevê, segundo Fernanda, que “a separação judicial permanece como instituto jurídico à disposição dos cônjuges. Diante disso, os casais poderiam, então, optar pelo divorcio ou pela separação judicial”.
“O divórcio dissolve de forma definitiva o casamento. Já a separação coloca fim aos deveres decorrentes do casamento (artigo 1566 do Código Civil), bem como ao regime de bens”, explica Diana. “Mas a separação deixa a possibilidade de restabelecer a sociedade conjugal a qualquer tempo, sem necessidade de novo casamento”, completa.
Divórcio consensual ou litigioso?
Nem sempre divórcio precisa significar dor de cabeça, audiências e pilhas de documentos. “Não havendo nenhum motivo grave, como agressões físicas ou psicológicas e desvio de patrimônio, o mais aconselhável é realizar um divórcio consensual, isto é, tentar um acordo com o cônjuge para que a finalização do casamento seja amigável”, explica Fernanda.
Por meio do acordo o próprio casal poderá construir e definir o que entende mais adequado para o regime de guarda e convivência com os filhos, valor da pensão alimentícia e a forma de partilhar os bens. Os custos financeiros e o desgaste emocional são significativamente menores em comparação ao divórcio litigioso”, diz a advogada.
Se o casal tiver filhos menores ou incapazes que dependem deles, o Ministério Público deve supervisionar o acordo, que deverá ser chancelado por um juiz. Nesse caso, “o divórcio consensual tem que ser realizado perante uma das varas de família. Após a chancela do Ministério Público, o acordo deve ser homologado pelo juízo de família”, explica Fernanda.
O divórcio litigioso ocorrerá sempre que houver discordância entre as partes e não for possível chegar a um acordo, o que leva uma delas a acionar a Justiça. “O processo se inicia com o pedido formulado por uma das partes em juízo para a decretação do divórcio e definição dos demais direitos pertinentes àquela relação familiar: partilha de bens, pensão alimentícia, guarda e convivência dos filhos, entre outros”, afirma Fernanda.
Mesmo nesse caso, a Justiça primeiro tentará fazer com que as partes cheguem a um acordo. “Pelo Código de Processo Civil, todas as ações de família são iniciadas por uma audiência de conciliação/mediação. Caso não ocorra um acordo, ao final haverá uma decisão do juiz colocando fim ao litígio e julgando os pedidos das partes”, diz a advogada.
Divórcio Extrajudicial
Se o casal não tiver filhos menores ou incapazes dependentes, o divórcio não precisa passar por um juiz. Desde 2007, existe a possibilidade de se fazer o divórcio no cartório. “O divórcio extrajudicial pode ser realizado quando houver acordo entre os cônjuges e não houver filhos menores de idade ou incapazes envolvidos”, explica Fernanda.
“Ele tem a mesma validade e eficácia que uma sentença judicial e deve ser elaborado e assinado por advogados em conjunto com as partes”. O advogado é especialmente importante para garantir que ambos os cônjuges conheçam seus direitos e verificar na escritura do cartório as formalidades necessárias segundo a lei. Resumindo, para que possa ser feito o divórcio extrajudicial:
- Deve haver acordo entre os cônjuges;
- Não pode haver filhos menores ou outros incapazes;
- Deve haver a assinatura de pelo menos um advogado.
Quanto custa?
Os custos de um divórcio extrajudicial são em geral menores do que os dos procedimentos judiciais, mas dependem de cada caso. “As custas e taxas variam de acordo com o valor econômico da causa (partilha de bens, pensão alimentícia). O imposto dependerá da forma como a partilha de bens for realizada. Quanto aos honorários, vai depender da complexidade da causa e dos critérios utilizados pelo advogado contratado”, resume Fernanda.
Porém, é possível ter uma referência. De acordo com a tabela de referência da OAB-SP, por exemplo, se não houver bens a partilhar, os honorários do advogado saem por no mínimo R$ 2.126,85. Se houver bens, a Ordem dos Advogados prevê um mínimo de 6% do que ficou com o cliente ou, se não houver, um mínimo de R$ 4.253,68. No divórcio extrajudicial, vale a mesma regra, porém o valor mínimo a ser recebido pelo advogado fica em R$ 2.126,85.
Os cartórios também cobram pelos seus serviços. São as “taxas processuais” ou, na linguagem técnica, os emolumentos cartoriais. Para quem assina a escritura num valor de até R$ 995, a taxa do cartório, no estado de São Paulo, custa hoje R$ 232,88, podendo chegar a R$ 42.830,39 para escrituras com um valor a partir de R$ 22.953.204,01.
Mas ninguém é obrigado a ficar casado só por não ter dinheiro para arcar com as custas judicias ou as taxas do cartórios e os custos de advogados. Para esses casos, existe a justiça gratuia.
“Basta que a parte declare – por meio de petição nos divórcios judiciais e pessoalmente ao escrivão nos divórcios extrajudiciais – não possuir condições para arcar com as custas sem comprometer o sustento próprio e da família”, explica Diana.
“Contudo, tanto o juiz da causa como escrivão podem solicitar que as partes comprovem a hipossuficiência. Nas ações litigiosas, pode uma parte impugnar a gratuidade deferida em favor da parte contrária”, ressalva a advogada. Por isso, fica o alerta da advogada: “é um benefício que, por razões óbvias, só deve ser utilizado com prudência e por quem realmente precisa”.
Como ficam os filhos?
Se o casal tiver filhos menores de idade, o acordo ou a sentença do juiz deverá prever questões de guarda, convivência e pensão alimentícia. “A guarda compartilhada deverá ser em regra aplicada, mas nunca sem a necessária avaliação do contexto familiar, com foco nas necessidades específicas da criança ou do adolescente, bem como na aptidão dos pais”, diz Diana.
“Na regulamentação da convivência entre pais e filhos, deverá ocorrer uma análise do caso concreto, vislumbrando sempre o melhor interesse da criança e do adolescente. Tal equilíbrio, por certo, não significa a divisão matemática de metade do tempo com cada genitor”, completa.
E a pensão?
Pensão alimentícia é um dos assuntos que mais despertam dúvidas. O Justiça & Direito já preparou um especial com tudo sobre o assunto: confira aqui. Desde logo, é importante destacar que, se o casamento está chegando ao fim e for o caso de divórcio, o pedido de alimentos para o ex-cônjuge deve aparecer já no pedido do divórcio, antes da partilha dos bens. Caso haja filhos do relacionamento que é alvo a ação de divórcio, é possível cumular o pedido de alimentos às crianças no mesmo processo de separação.
Para calcular o valor da pensão, o juiz deve levar em conta uma série de fatores: as despesas necessárias para atender o padrão de vida anterior da criança, os ganhos do genitor que vai pagar a pensão e os ganhos do outro cônjuge.
“O critério para o cálculo dos alimentos aos filhos é o trinômio necessidade x possibilidade x proporcionalidade. Verifica-se quais são as despesas necessárias para a manutenção da criança ou do adolescente – considerando a idade, gastos com saúde, educação, moradia, alimentação e lazer –, avalia-se a renda dos genitores e, consequentemente, em atenção à capacidade financeira de ambos, a proporção com que devem contribuir para o sustento do filho”, resume Fernanda.
Em entrevista ao Justiça & Direito, o professor Carlos Dipp, da Faculdade de Direito do Centro Universitário Unibrasil, explicou que, em matéria de pensão, seja para os filhos, seja para o ex-cônjuge, todo acordo deve ser homologado pela Justiça para valer. “Necessariamente, mesmo tendo sido feito um acordo entre as partes, esse acordo precisa ser chancelado por um juiz para que possa ter validade”, explicou Dipp.
Como ficam os bens?
Depois dos filhos, a maior preocupação dos casais que se separam é com os bens. Para saber como será a partilha desses bens, é preciso ver qual foi o regime patrimonial escolhido quando os cônjuges se casaram. E se essa escolha não foi feita conscientemente, a lei escolhe pelos pombinhos apaixonados (que, na hora de contrair matrimônio, muitas vezes não pensam no assunto, muito menos em divórcio): será adotado o regime da comunhão parcial de bens, ou, em casos muito especiais, a separação de bens, quando ela é obrigatória.
“O Código Civil prevê que os casais, ao constituírem família por meio do casamento, podem escolher o regime patrimonial que irá pautar a relação: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação convencional de bens, participação final nos aquestos, ou ainda, um regime com características próprias”, explica Fernanda. “No entanto, na prática, os casais habitualmente pouco refletem sobre o regime a ser escolhido, e adotam o regime patrimonial previsto como legal – comunhão parcial de bens, salvo nas exceções em que há obrigatoriedade da separação de bens”.
Para conhecer melhor a partilha de acordo com cada um dos regimes legais, você pode conferir a série de artigos do professor Carlos Dipp que o Justiça & Direito publicou sobre a comunhão parcial, a comunhão universal, a separação convencional e a participação final nos aquestos.
E se der briga depois?
Na hora do divórcio, os cônjuges engoliram o orgulho e conseguiram fazer um acordo amigável. Deu briga depois. O juiz determinou um valor alto de pensão, mas um dos genitores perdeu. A guarda das crianças foi organizada de uma forma, mas começou a dar errado. O que fazer nesses casos?
“O direito de família cuida de situações concretas e íntimas e muitas coisas podem mudar nessas relações. Se algum acordo estiver sendo descumprido, é possível entrar com ação de cumprimento de sentença ou do acordo. Se algo mudou na situação dos divorciados ou das crianças, é pode entrar com revisional de alimentos ou revisional do acordo, por exemplo”, explica Diana. “Em direito de família, mudando alguma situação fática, sempre pode haver novas decisões judiciais”, resume a advogada.
E se eu me arrepender do divórcio?
Não é difícil que em meio às brigas, com a cabeça quente, os cônjuges resolvam se divorciar, diante das facilidades que hoje a lei coloca à disposição das pessoas. Mas às vezes acontece de os ânimos esfriarem, o amor esquentar novamente e os ex-cônjuges voltarem a juntar as escovas de dentes. Legalmente, isso é possível?
“Tendo sido decretado o divórcio, a reconciliação deverá ocorrer por meio de novo casamento, que se sujeitará às novas regras estabelecidas pelas partes, como por exemplo um novo regime de bens. No caso de ter sido decretada apenas a separação judicial, o casal poderá requerer a retomada do casamento por meio de requerimento ao juiz”, explica Fernanda. “Pode-se optar ainda por constituir uma união estável, que não exige as burocracias do casamento”, diz ainda.
Aliás, se você estiver pensando em união estável, pode conferir o que você precisa saber sobre o tema nestes textos: 12 coisas que você quer (ou precisa) saber sobre casamento e união estável e STF igualou a herança. Ainda existe diferença entre casamento e união estável?.
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