Na segunda semana de janeiro, pela primeira vez em 25 anos, Ruth Ginsburg não apareceu para trabalhar. O motivo foi sério: dias antes, a ministra da Suprema Corte americana, de 85 anos, passou por uma cirurgia para retirar boa parte de seu pulmão esquerdo, onde estavam alojados nódulos malignos.
A operação aconteceu no dia 21 de dezembro, semanas depois de Ruth cair, em novembro, e quebrar três costelas. Foi graças à fratura que os médicos descobriram o câncer em estágio inicial. Os republicanos acompanham essas notícias com grande ansiedade: a possível aposentadoria de um ícone democrata poderia aumentar ainda mais a influência conservadora no Judiciário dos Estados Unidos.
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Há relatos de que o presidente Donald Trump já pensa em nomes para o cargo, com base em uma lista de possíveis indicados que ele divulgou, no site oficial da Casa Branca, em novembro de 2017. Hoje, dos nove ministros que compõem a Suprema Corte, cinco já são considerados conservadores.
Caso Ruth se afastasse, a conta mudaria de forma avassaladora: seis contra três, uma maioria confortável que duraria por muitos anos. No fim de dezembro, o comentarista político conservador Bill O’Reilly chegou a celebrar a doença de Ruth em sua conta do Twitter. De forma polêmica, ele indicou que a nomeação de outro ministro para o a Suprema Corte era inevitável e comento: “más notícias para a esquerda”. Mas Ruth Ginsburg não parece disposta a se aposentar.
Três cirurgias
O cargo é vitalício, mas é bastante comum que ministros muito idosos ou doentes se afastem – muitos também se retiram durante a gestão de um presidente da mesma linha política, para garantir que o sucessor tenha pensamento parecido. Atualmente, quatro ex-ministros estão vivos: Sandra Day O’Connor, David Souter, John Paul Stevens e Anthony Kennedy, que solicitaram a aposentadoria em, respectivamente, 2006, 2009, 2010 e 2018.
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Trump indicou dois nomes porque teve a chance de repor a vaga de Kennedy e também a de um ministro que faleceu, em 2016 – Antonin Scalia, um conservador com quem Ruth Ginsburg mantinha uma forte relação de amizade, apesar das discordâncias no trabalho. No segundo caso, no ano passado, o presidente precisou comprar uma briga enorme para emplacar o nome de seu favorito, Brett Kavanaugh, acusado de abuso sexual, faro depois desmentido pela própria mulher que o acusou.
Durante a gestão de Barack Obama, parte dos democratas acreditava que Ruth deveria ter se afastado, para dar lugar a um ministro de mesmo perfil. Na época, como agora, ela garante que não se vê longe do trabalho. Ao contrário, neste período em que está afastada das sessões, tem recebido as anotações e as gravações para acompanhar cada caso e apresentar seu voto normalmente.
Quem espera a saída da ministra pode mesmo se frustrar. Ela já operou de um câncer de cólon, há vinte anos, em 1999, e, entre uma sessão e outra de quimioterapia e radioterapia, não perdeu nenhum dia de trabalho sequer. Dez anos depois, em 2009, foi submetida a uma nova cirurgia, desta vez para lidar com um câncer no pâncreas. Foi nessa época que alguns democratas pediram sua saída. Mais uma vez, ela voltou à ativa. Dizia que precisava do emprego para se sentir ativa – reforçou o argumento em 2010, depois da morte de seu marido, o advogado a professor Martin D. Ginsburg, com quem foi casada por 56 anos e com quem teve dois filhos.
Ícone pop
Ruth Ginsburg é um ícone pop como nunca antes um ministro da Suprema Corte havia sido. Sua imagem está em camisetas e canecas. É conhecida no país pelo apelido “Notorious R.B.G.” (o B. vem de Bader, seu nome do meio), em referência ao rapper The Notorious B.I.G.. Uma conta de Tumblr produz memes frequentes sobre a juíza, que é citada até mesmo em um filme como Deadpool 2, quando o personagem principal considera chamá-la para participar de seu grupo de super-heróis. Um documentário chamado RBG, que descreve sua trajetória, foi apresentado no festival de Sundance de 2018, e o início de sua carreira é retratado no filme On the Basis of Sex, lançado também no ano passado e com a atriz Felicity Jones no papel da ministra.
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Nascida em 1933, filha de um imigrante ucraniano judeu, a ministra nasceu com o nome Joan Ruth Bader. Quando sua mãe, Celia, percebeu que havia muitas Joan na mesma classe da escola, pediu que a professora a chamasse pelo nome Ruth. Celia queria que a filha estudasse – ela mesma era bastante estudiosa, mas não pode cursar o ensino médio porque sua família preferiu que seu irmão tivesse a chance. A mãe de Ruth morreu em 1950, vítima de câncer. Em 1956, sua filha se tornou uma das nove alunas, entre 500 homens, da Faculdade de Direito de Harvard.
Ao longo da carreira, a futura ministra se tornou famosa por sua luta por direitos iguais para homens e mulheres. Como advogada, ela atuou em dezenas de casos em que buscava mudar o Judiciário americano nesta direção. Ela defendeu desde o direito de homens viúvos receberem pensão de suas esposas até a definição da mesma idade mínima para homens e mulheres ingerirem bebidas alcóolicas. Antes de se tornar a segunda ministra da Suprema Corte mulher da história, por indicação do presidente Bill Clinton, em 1993, ela havia assumido, em 1980, um posto na Corte de Apelações de Washington.
Ruth já é a quarta ministra mais velha a ocupar o cargo desde a fundação da corte, em 1789, e cita com frequência o exemplo de John Paul Stevens, que só se aposentou aos 90 anos. Independentemente de quando se aposentar, ela já colocou seu nome na história do país.
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