O constrangimento de ter publicada a conversa por telefone com Andrea Neves, irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), está sendo visto de forma positiva pelo jornalista Reinaldo Azevedo. Depois do susto, ele diz que as “coisas estão indo muito bem” e que está “ótimo”. Em entrevista por telefone ao Justiça & Direito, o blogueiro, que até o início desta semana trabalhava na Veja, contou que se sente feliz por ter unido pessoas de diferentes vertentes políticas em sua defesa. Por outro lado, ele lamenta a divulgação do diálogo, que seria, mais do que uma ofensa à sua dignidade pessoal, um desrespeito a uma garantia prevista na Constituição. Na opinião dele, o fato representa ameaça a todos os jornalistas.
Na tarde de terça-feira (23), o site Buzz Feed publicou o conteúdo da gravação de uma conversa entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves. O jornalista, que tem criticado a operação Lava Jato, pediu demissão da revista Veja e da rádio Jovem Pan no mesmo dia. Durante a conversa, ele contou que já tem “novos empregadores” em vista.
A interceptação da conversa, que foi feita pela Polícia Federal na noite de 13 para 14 de abril, tinha sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como parte das investigações contra Andrea. De acordo com o jornal Folha de São Paulo, o bate-papo divulgado estava num lote de 2.200 gravações entregues pela assessoria de imprensa do STF a jornalistas na semana passada, depois de o ministro Edson Fachin levantar o sigilo sobre o conteúdo. Especialistas ouvidos pelo Justiça & Direito apontaram a ilegalidade do procedimento.
Na entrevista, Azevedo novamente fez críticas à Lava Jato e classificou como “bandido” quem se empenhou para que justamente o áudio em que ele aparece fosse divulgado, coisa de “gente que está querendo usar o combate à corrupção para se impor”. Confira a íntegra da entrevista:
Bom dia, Reinaldo, tudo bem?
Eu estou ótimo. É verdade. As coisas estão indo muito bem. No fim das contas, por mais penoso que seja, até desagradável, o fato é que a reação de solidariedade das pessoas, unindo todo mundo, todo o espectro ideológico - mesmo as pessoas que odeiam o que eu penso, e eu acho legítimo que elas odeiem, porque eu também odeio o que muita gente pensa -, mesmo essas pessoas perceberam que [o ocorrido] não é uma agressão a mim, mas é uma agressão a uma garantia constitucional.
Que agressão?
É uma agressão à lei, que obriga o juiz a mandar destruir as interceptações e transcrições que não digam respeito ao processo, ao sigilo da fonte e, nesse caso, mais do que isso, agora todos os jornalistas passaram a correr riscos ao falar com suas fontes. Isso ficou patente de uma forma inequívoca para gente que vivia me atacando – e cada um tem a sua posição – e agora está percebendo que assim não pode ser. Da direita à esquerda, passando pelo centro, isso ficou muito evidente. Felizmente, também a reação do mercado contratante de mão de obra jornalística foi muito positiva. Em breve as pessoas ficarão sabendo onde estarei, como será.
Então você já tem um novo empregador?
Novos empregadores (risos). Mas não tenho ainda, porque ainda não decidi, mas, graças a Deus, as pessoas me procuraram, por apreço ao meu trabalho e à minha independência, e isso continuará a ser assim. Eu tenho uma satisfação intelectual em relação a isso que decorre do seguinte: eu apontava características totalitárias, autoritárias na Lava-Jato, via isso com muita clareza, com muita precisão e até me chocava que alguns amigos liberais não vissem.
Como assim?
Quando eu digo os amigos liberais é porque, de algum modo, a esquerda condescende com esse tipo de comportamento desde que, no caso dela, seja em defesa da causa. Então, em defesa da causa, a gente pode ser autoritário, porque a causa está acima de tudo. “O pior autoritarismo é a injustiça”. “A pior violência é a desigualdade”. Pronto, aí então, em nome da justiça, você faz qualquer coisa. Esse é o pensamento da esquerda. O pensamento liberal, não. O pensamento liberal-conservador tem um molde institucional e, se as coisas fogem desse molde institucional em uma democracia, você está cometendo violações. Cada violação suscita uma nova. Sempre que você transgride a lei para fazer justiça, você não só não faz justiça, como abre a perspectiva de uma injustiça nova. O fato é que essa crítica que eu vinha fazendo à Lava jato, evidentemente, despertava o ódio de muita gente porque não era uma crítica oriunda de um cara de esquerda.
Não dava para te chamar de “petralha”...
Pois é. Essa crítica doía muito neles porque eu era um cara de direita. Me chamaram de “petralha”. Alto lá, essa palavra é minha (risos). Como é que o cara que criou a palavra “petralha”, que criou a palavra “esquerdopata”, como é que ele tem a coragem de dizer que o juiz Sergio Moro, ao ouvir o Lula, desrespeitou o devido processo legal? Vamos por partes. Eu poderia estar errado, pode ser que o Sergio Moro não tivesse desrespeitado [o devido processo], mas ainda assim eu tenho o direito de dizer. Eu tenho o direito de dizer e de ser contestado. O direito de dizer que o Sergio Moro errou eu tenho. Mas o que se está querendo criar no país é a impossibilidade de você fazer qualquer críticas a esses [da Lava Jato]. E isso é inaceitável. Se o Procurador-Geral [da República, Rodrigo Janot] não está satisfeito com a matéria que eu fiz lembrando que a filha dele é advogada de duas empreiteiras e há uma incompatibilidade aí, já que elas estão fazendo acordo de leniência com o Ministério Público. E ele questiona o Gilmar [Mendes], em um caso ali sim improcedente, soltam centenas de horas de gravação...
Mas quem levantou o sigilo foi o ministro Fachin.
O ministro Fachin errou ao não mandar destruir o material não pertinente, claro. Mas pelo vazamento não acho que seja o Fachin o responsável. Alguém avisou “sabe esse filho da mãe que está criticando a Lava Jato? Aqui, olha ele aqui falando com a Andrea Neves, a presidiária”. Primeiro, quando eu estava falando com a Andrea, eu nem sabia que ela era investigada. E ainda que fosse, eu não poderia falar? Mais ainda: eu estou incidindo em um crime ali? Há ali alguma conduta eticamente suspeita para um jornalista? Nada. Nós jornalistas só falamos com pessoas decentes, por acaso? Muitas vezes, em uma conversa com uma fonte, você faz considerações que você nem pensa. Não é como o Joesley, que confessa crime para incriminar o presidente. É inacreditável que isso tudo tenha vindo a público dessa maneira. Isso tudo para quê? Para me intimidar? O resultado foi o contrário. Eu jamais senti tamanha solidariedade, porque, em razão do que eu penso - e eu sei que eu não sou uma pessoa suave na divergência, e acho legítimo que as pessoas reajam, fiquem bravas, mas dentro da lei. E isso tudo foi feito para quê? Para tentar estabelecer uma proximidade entre mim e a Andreia. Eu nunca vi a Andrea. Eu nunca vi a Andrea. Nesse dia, ela tinha me ligado, depois eu liguei para ela. E tem até coisas engraçadas...
Coisas engraçadas?
Tem uma conversa que eu vou tornar pública, mesmo sem falar com ela. Ela me pergunta na Páscoa: “Você está trabalhando?”, e eu respondo “Não, estou na praia” e brinquei: “Praia é uma coisa que vocês mineiros não conhecem, vou falar o que é praia”. E mandei uma foto na hora do lugar em que eu estava. Aí ela me manda assim: “Posso te mandar uns tapetes de rua de São João Del Rey? Para você ver o que é Páscoa” e eu perdi, não li o “de rua”, e achei que ela estava querendo me mandar algum tapete de presente. Aí eu disse “Não, Andrea, melhor não. Você me manda um tapete e vão achar que estamos cometendo um crime”. Aí ela respondeu que não entendeu, que estava perguntando se podia mandar foto de tapete de rua, que é feito de serragem, de flor e tal. Aí eu mandei um áudio rindo, dizendo para ela “Olha a que estágio chegamos”. É isso. Esse é o Reinaldo indecente (risos). Se eu fosse fazer sacanagem, não ia ser por telefone, hoje você fala com uma multidão o tempo inteiro. Eu nunca falo nada que coloque a outra pessoa em dificuldades: eu tenho conversas com fontes, só. Mas nunca esperava que a coisa fosse me colher com tanta rapidez e tanta violência. Por outro lado, faz sentido: eu estava tão certo sobre quem eles são que eles resolveram me provar isso.
Existe o argumento de que, em casos tão excepcionais como os que a Lava Jato investiga, o interesse público prevalece sobre os demais. Como você vê isso?
Esse raciocínio é necessariamente totalitário. Você entrega para a opinião pública decidir quem está certo e quem está errado. É o mesmo que o linchamento. Se o interesse público é o valor que anula todos os outros valores, então a gente cria um comitê de salvação nacional de defesa do interesse público e pronto. Mas, no caso, qual é o interesse dessa conversa? Mas quem divulgou? Eu quero saber quem. O ministro tinha acabado de liberar tudo, mas já saiu logo o destaque da minha conversa. Como? Houve uma seleção. É coisa de bandido e de gente que está querendo usar o combate à corrupção para se impor. O [Bernardo] Bertolucci tem uma frase que eu vivo citando: “O fascismo começa caçando tarado”. Quem não entender direito a frase vai achar que o Bertolucci está defendendo os tarados. A questão não é essa. Sob o pretexto de caçar tarados, a gente não instaura o fascismo, porque uma coisa é coibir os tarados, outra coisa é invadir a casa das pessoas para saber se elas são taradas, submetê-las a teste. Submetê-las até, como o [Deltan] Dallangnol diria - porque ele quer o teste aleatório de honestidade - ao “teste aleatório de taradice” para ver se a pessoa cede. Isso é fascismo. Evidentemente, isto é exatamente o que os jacobinos achavam na fase do terror da Revolução Francesa: não existe nada superior ao interesse público, nem a lei.
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