Chácara, final de semana, nada para fazer. Um tio, então, sugere ao sobrinho uma brincadeira de tiro ao alvo em latinhas de cerveja vazias. A arma não é de pressão, mas um revólver calibre 38. O impacto do tiro faz o menino dar um pulo para trás e errar feio a mira. Todos riem e o processo se repete. A cena não é incomum, e muita gente já presenciou – ou conhece alguém que tenha presenciado – situação do gênero. Mas será que ensinar uma criança a atirar não pode ter consequências legais, mesmo que o adulto tenha posse e porte legais de arma?
Por incrível que pareça, a resposta é não. Professor de Direito da Criança e do Adolescente na Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Tomasevicius Filho explica que só existe crime quando há previsão legal. Nesse caso, não existe no Código Penal (CP), tampouco no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), disposição a respeito de ensinar criança a atirar. O que a legislação proíbe é a venda de armas, munições e explosivos a esse público.
Acontece que a proibição, lembra Tomasevicius, existe até para adultos, já que o Estatuto do Desarmamento prevê que somente maiores de 25 anos poderão adquirir armamento, se observada uma série de outros critérios. Revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil também não podem conter “ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios” de armas e munições, conforme o ECA.
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A inexistência de previsão legal para a atitude, contudo, não significa que ela deva ser estimulada. “Não é crime os pais ensinarem a atirar, mas para quê?”, questiona a diretora de formação humana de uma escola de Curitiba, Lélia Cristina de Melo, acrescentando que vê a atitude como desnecessária.
“Ensinar o filho a usar uma arma que pode lesar ou até matar uma pessoa, dependendo da personalidade da criança, pode ter alguma interferência [na formação]”, afirma Lélia.
A doutora em psicologia Célia Maria Ferreira da Silva, por sua vez, ressalta que se a lei não proíbe a prática, os possíveis danos precisam ser analisados do ponto de vista psicológico. Célia lembra ainda que, além dos fatores genéticos, o ambiente em que a criança está inserida é crucial para definir sua agressividade.
Segundo a psicóloga, ninguém espera que as famílias sejam perfeitas, mas sim que ofereçam condições para que as crianças fortaleçam condutas afetivas a aprendam a ser empáticas a respeitar a dor do outro, sem pensar em si próprio. Ela afirma que é praticamente impossível criar uma criança completamente isolada de um contexto de violência, uma vez que o assunto é temática frequente em noticiários e produtos audiovisuais, como filmes e seriados. “Mas outra coisa é incentivar, falar que tem que bater nos outros, que não pode levar desaforo para casa”, exemplifica.
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E armas de brinquedo?
As estudiosas fazem uma ressalva em relação às armas: quando envolvem brincadeiras de criança, que, muitas vezes, incluem pegar em armas. De acordo com Lélia, quando se trata de uma brincadeira, não necessariamente se instiga a violência, pois os pequenos costumam reproduzir a realidade de forma lúdica. Célia reforça a ideia, afirmando que o fato de uma criança brincar de tiro no âmbito do faz de conta não significa que ela alimente um desejo real de aprender a atirar.
“Brincadeiras com armas de brinquedo não são nocivas, fazem parte do espírito competitivo”, acredita a educadora. A doutora em psicologia acrescenta que o que deve ocorrer é a família ter uma atitude de respeito ao desenvolvimento da criança, sem estimular a agressividade, “porque toda criança tem uma agressividade, dependendo da idade”.
Importante salientar que desde o advento da Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, é vedado fabricar, vender, comercializar e importar brinquedos que imitem armas de fogo de forma tão fiel que possam ser confundidos com armamento real.
Colaborou: Mariana Balan.
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