A piada é velha: o sujeito chega para a namorada e pergunta: “Quer casar comigo?”, ao que ela responde um sonoro “Não!”, e eles vivem felizes para sempre. No dia dos namorados os pombinhos se esquecem ainda mais dos perrengues da vida para trocar presentes, juras de amor eterno, e curtir um filme debaixo dos edredons. Mas o dia seguinte sempre chega e nem sempre é só alegria. No Brasil, se o seu namoro terminar, você corre o risco de ser confundido com um companheiro em união estável e ter de dividir seus bens.
Leia também: As diferenças entre união estável e “namoro qualificado”
De acordo com a lei brasileira, basta para constituir uma união estável a convivência de fato que seja pública, duradoura e tenha o objetivo de constituir família. Mas a lei não prevê um tempo mínimo de convivência e a jurisprudência brasileira tem entendido que é possível haver união estável entre companheiros que nem moram juntos.
Na prática, fica fácil confundir um namoro com uma união estável: num dia vocês estão felizes para sempre e no outro se separam. Um dos dois fica fulo da vida com o término e resolve acionar a Justiça, alegando que vocês eram companheiros em união estável, e pede metade de todos os bens adquiridos durante o namoro. E agora?
Qual a diferença?
De acordo com a advogada Regina Beatriz Tavares, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), a intenção de constituir família é a principal diferença entre namoro e união estável. “O ponto principal está na constituição ou não de uma relação de família, numa relação familiar, que seja igual à do casamento, uma relação de marido e mulher. Essa figura de ‘como se casados fossem’ mostra a existência de uma união estável”, afirma.
A advogada sempre foi contrária à tese de que pudesse haver união estável entre pessoas que moram separadas, a não ser que houvesse um motivo forte para isso, como uma das pessoas trabalhar em outra cidade ou os filhos de um dos companheiros não se dar bem com o outro.
Essa, no entanto, não foi a opção da jurisprudência brasileira. “O problema está exatamente no fato de, como a lei não exige que se more junto, muitas vezes namorados são confundidos como companheiros. Namorados moram em casas separadas, e companheiros muitas vezes também”, diz Regina Beatriz. Num dia você está namorando, no outro, vira companheiro.
Dificuldades práticas
Nada na lei impede que existam namoros de muitos anos e uniões estáveis bem recentes. “O juiz não está no coração das pessoas para saber quais são as reais intenções”, afirma a advogada.
A existência de troca financeira às vezes é apontada como um critério para diferenciar namoros de uniões estáveis. Mas que casal de namorados nunca juntou cofrinhos? E quem nunca viajou junto? Ou comprou utensílios juntos? Fica difícil imaginar que casais de namorados mantenham um livro de contabilidade para garantir que não exista confusão financeira entre os patrimônios.
“O tempo, a aquisição bens, trocas financeiras como pagamento de uma viagem, uma ajuda em compra de supermercado. Quantas vezes isso não acontece? Isso tudo se torna um conjunto de fatos que confunde o namoro com uma união estável para o juiz de direito”, resume a advogada.
Mas há certos indícios que podem reforçar a tese de que o que existe entre o casal é uma união estável, e não um namoro. “A aquisição de um imóvel de maneira conjunta é um indício de prova da existência de união estável. Um carro pode ser considerado também. Afinal de contas, uma troca financeira desse tamanho pressupõe um comprometimento maior. Muitas pessoas compram imóvel para um dia constituir família”, afirma Regina Beatriz.
A sete palmos
Uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil, acabando assim com tratamento diferenciado entre as regras de herança para casamentos e união estável, complicou ainda mais situação. Se você – bate na madeira – vier a falecer e o seu namorado entrar na Justiça alegando que vocês viviam em união estável, ele pode ter direito não só à metade dos bens adquiridos conjuntamente, mas virar herdeiro dos bens particulares e concorrer com seus filhos. Pode isso, produção?
Solução
Para resolver esses problemas todos e dar segurança aos apaixonados, que não costumam pensar nesse tipo de coisa, Regina Beatriz recomenda assinatura de uma declaração de namoro. “O melhor meio de prova é a chamada ‘declaração de namoro’, que [os dois] declarem, junto com duas testemunhas que os conhecem, que a união é de namoro, e não de união estável”, explica.
A declaração pode ser feita por um documento particular ou assinada em cartório. Declarando-se apenas namorados, os apaixonados garantem que não pretendem constituir uma família e a relação não gera efeitos jurídicos – os famigerados direitos e deveres.
Regina Beatriz destaca que o ideal é renovar a declaração de seis em seis meses, com auxílio de um advogado especialista em direito de família, para garantir que o casal continua namorando, e não está em união estável. Mas ela faz uma ressalva: “A declaração tem que refletir a verdade da situação, sem má fé. Não adianta fazer essa declaração se o que existe é realmente uma união estável”. Nada de fazer a Kátia Cega nesses casos.
Deixe sua opinião