Contadora em uma escola na Indonésia, Nuril Maknun enfrentava assédios constantes do diretor da instituição, seu chefe. No serviço, ele costumava dar detalhes de sua vida sexual à funcionária e a pressionava para que tivessem um caso. Fora do horário do expediente, ligava para Nuril e continuava com seus monólogos obscenos.
“Aquele tipo de conversa era tão comum que eu não consigo sequer enumerar quantas vezes aconteceram”, afirmou a contadora. “Eu disse a ele ‘você precisa se consultar com um psiquiatra’”.
Após meses de assédio, ela decidiu gravar uma das ligações do chefe para ter uma prova de seu comportamento. O resultado: além de perder seu emprego, Nuril foi parar na cadeia. Ao mesmo tempo, a carreira do assediador deslanchou.
O caso de Nuril, que aguarda análise da Suprema Corte da Indonésia, tornou-se um exemplo bastante público de como o país falha em proteger as mulheres de assédio sexual. Ativistas pelos direitos das mulheres afirmam que abordagens indesejadas de cunho sexual e comentários obscenos, de homens para mulheres, infelizmente são comuns nos escritórios indonésios, sendo que as funcionárias não têm muito o que fazer.
“Nós não temos leis suficientes de proteção às mulheres e que deem conta desse tipo de assédio”, diz a ativista Tunggal Pawestri.
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Nuril, que tem 40 anos e três filhos, cresceu em Lombok, uma ilha predominantemente muçulmana a Leste de Bali. Em 2010, ela conseguiu um emprego temporário no setor de contabilidade da escola Seven Mataram. Ela conta que os problemas começaram em 2013, com a chegada de Muslim, então o novo diretor da instituição.
Em abril, ele passou a conversar com Nuril utilizando termos obscenos, tanto pessoalmente quando por telefone. Muslim lhe deu detalhes sobre suas aventuras sexuais com outra funcionária e perseguiu a contadora para que ela tivesse um caso com ele. Ao mesmo tempo, passou a impressão a outras pessoas, incluindo o marido de Nuril, de que eles realmente estavam se encontrando. Para se proteger, ela decidiu gravar uma das ligações que Muslim fez para ela, em agosto de 2013.
A ligação, segundo Nuril, foi como todas as demais: o chefe lhe deu detalhes sórdidos sobre sua vida sexual. Ela mostrou a ligação para seu marido e uma colega. Meses depois, uma professora que ficara sabendo a respeito da gravação copiou o arquivo do celular de Nuril enquanto ela estava em outra sala. A contadora disse que, inicialmente, menos de 12 pessoas ouviram o áudio.
Muslim só soube da existência do arquivo mais de um ano depois. Ele ofereceu estender o contrato temporário de trabalho de Nuril se ela deletasse a gravação – o que não impediria a circulação das cópias, mas tornaria mais difícil para ela ajuizar um processo contra ele. Quando a funcionária se recusou, Muslim a demitiu.
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A reportagem não conseguiu falar com o diretor, mas seu advogado, Asmuni, afirmou que seu cliente foi a verdadeira vítima no caso. Segundo ele, Nuril violou a lei e mereceu o que lhe aconteceu.
“Homens também precisam ser protegidos”, disse. “Ela é uma ingrata que não sabe qual é seu lugar”.
Três meses após demitir Nuril, Muslin foi à polícia e acusou a mulher de difamação. Ela foi interrogada mais de uma dúzia de vezes antes de ser presa, em março de 2017. A promotoria acabou processando a contadora por distribuição de material obsceno, e não difamação. Ela passou dois meses em uma prisão de Lombok. No julgamento, professores da escola onde ela trabalhava depuseram no sentido de que eles, e não Nuril, distribuíram a gravação.
“Ela gravou a ligação para sua própria proteção”, disse o advogado de Nuril, Joko Jumadi. “Ela manteve a gravação em segredo por muito tempo. E mesmo quando o arquivo vazou, não foi ela quem o distribuiu”. Já Muslim alegou que não estava descrevendo sua vida sexual na ligação, mas fantasias com uma atriz pornô americana.
Processo sem fim
O júri considerou Nuril inocente, mas a saga não acabou aí: na Indonésia, os promotores podem apelar do veredito. E levaram o caso à Suprema Corte, onde os juízes – sem audiência – reverteram a sentença em novembro, considerando Nuril culpada pela distribuição de material pornográfico por meio eletrônico.
O painel de três juízes a condenou a seis meses de cadeia e ao pagamento de uma multa equivalente a R$ 130 mil, quantia que, para sua família, é uma fortuna. Se o valor não for pago, a pena de prisão aumenta em três meses.
“Fiquei muito chocada porque todas as testemunhas foram bem claras, dizendo que não fui eu que divulguei o material”, diz Nuril, engolindo o choro.
O resultado do julgamento gerou uma comoção pública. Tanto que o presidente da Indonésia, Joko Widodo, que concorre à reeleição em abril, deu a entender que pode anistiar Nuril se a Suprema Corte rejeitar sua apelação final, na qual o advogado da contadora acabou de dar entrada.
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“Se a revisão do caso não se provar justa, ela pode então pedir clemência ao presidente. Uma vez feito o pedido formal, poderei então agir”, afirmou Joko aos repórteres.
Já o escritório do promotor-geral, Muhammad Prasetyo, deixou claro que qualquer punição ficará em suspenso até a decisão da apelação.
Por outro lado, Muslim parece ter sofrido consequências profissionais mínimas do episódio. Depois que as gravações vieram a público, ele perdeu o cargo de diretor, é verdade... para ganhar uma posição ainda mais alta no governo de Mataram, a capital da província de Lombok.
“Ele está saudável, aproveitando a vida. É respeitado pelo governo, que vai mantê-lo no cargo, ou seja, continua no poder”, resume Asmuni, seu advogado.
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