O embate entre Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli sobre a prisão de condenados em segunda instância, na última quarta-feira (19), foi o último dos confrontos de um ano marcado por brigas públicas entre os ministros Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2018, os conflitos entre os representantes da mais alta Corte do país foram de divergências em decisões como a permissão para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dar entrevistas à imprensa a acusações de maldade e pitadas de psicopatia.
Confira: 7 dados que comprovam que o STF não merecia o aumento de salário
Lula foi o tema de várias das discussões. A decisão da então presidente do Supremo, Cármen Lúcia, de antecipar o julgamento do habeas corpus do ex-presidente rendeu a ela críticas de que suas ações estariam desgastando a imagem do tribunal.
Especialistas em direito concordam, avaliando que os confrontos espelham uma divisão interna da Corte, ao mesmo tempo em que a fragiliza. Acompanhe abaixo os principais embates do Supremo em 2018:
Março
GILMAR MENDES X LUÍS ROBERTO BARROSO
Durante uma sessão, Gilmar acusou Barroso de tentar “dar uma de esperto” para conseguir aprovar sua tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Foi cortado pelo colega, que pediu que Gilmar, que classificou como “uma pessoa horrível”, o deixasse de “fora desse seu mau sentimento”.
“O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, acrescentou, em frase que viralizou na internet.
MARCO AURÉLIO MELLO X CÁRMEN LÚCIA
Dias após interromper a sessão do habeas corpus de Lula porque tinha que viajar, ocasião em que sacou do bolso um bilhete aéreo para o Rio de Janeiro, Mello afirmou que a presidente da corte, Cármen Lúcia, errou ao antecipar o julgamento. “O desgaste para o tribunal está terrível”, afirmou. Em junho, ele voltou a criticar Cármen, dizendo que nunca vira “manipulação de pauta como esta”.
Setembro
RICARDO LEWANDOWSKI X LUIZ FUX
Na manhã do dia 28 de setembro, Lewandowski autorizou o ex-presidente Lula a conceder entrevistas, entre elas uma conversa com a colunista da Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo. Na noite do mesmo dia, Fux suspendeu a decisão do colega, acrescentando que se a conversa com a jornalista já tivesse sido realizada, não poderia ser publicada. Fux atendeu a um pedido de suspensão de liminar formulado pelo partido Novo, adversário do PT nas eleições.
Dezembro
MARCO AURÉLIO MELLO X DIAS TOFFOLI
Às vésperas do recesso, Mello suspendeu a possibilidade de se prender condenados em segunda instância, caso do ex-presidente Lula, antes do trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de interposição de recursos. Em meio aos rumores de que a tendência era de que a decisão fosse cassada por Toffoli, que preside a corte, Marco Aurélio declarou que a liminar só poderia ser contestada pelo plenário e que a “autofagia é péssima” para o tribunal. Horas depois, o presidente do STF cassou, de fato, a liminar, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Imagem fragilizada
Especialistas em Direito ouvidos pela reportagem avaliam que essa “briga” interna no STF a respeito da prisão após condenação em segunda instância espelha uma divisão no tribunal e fragiliza a sua imagem na sociedade. Marco Aurélio analisou pedido feito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCdoB) na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54. A questão será apreciada de forma definitiva em 10 de abril pelo STF.
Coordenador do Projeto Supremo em Números e professor da Escola de Direito do Rio da FGV, Ivar Hartmann considerou correta a suspensão da liminar por Toffoli. Para o professor, a decisão de Marco Aurélio era fragrantemente ilegal.
“Não é permitida uma decisão liminar, individual, nesse tipo de processo, uma ADC. Esse é um problema muito comum no STF”, diz. “E mesmo que fosse permitida, um ministro não pode contrariar a jurisprudência do Plenário. A cCrte já se manifestou quatro vezes no sentido de liberar a prisão após condenação em segunda instância”.
Leia também: Acúmulo de ações faz do STF um dos tribunais mais lentos do mundo
Professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Modesto Carvalhosa também criticou Marco Aurélio são afirmar que “a decisão monocrática fere todos os princípios constitucionais e o próprio regimento do STF”.
Em 2016, ao julgar um habeas corpus, o STF fixou o entendimento de que tribunais de segunda instância podem executar a pena mesmo quando o condenado tem o direito de recorrer a tribunais superiores. A decisão foi tomada com a margem de 6 votos a 5. No ano passado, Gilmar Mendes, que havia votado a favor das prisões, anunciou que mudou de ideia. O entendimento, entretanto, prevaleceu durante o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pela Corte, em abril deste ano.
A advogada Flávia Rahal, professora da FGV-SP, afirma que a atual situação é de insegurança jurídica. A demora em pautar a própria ADC 54 demonstraria o cenário.
“A demora em pautar uma ação dessa relevância faz com que, às vésperas do recesso, haja uma decisão dessa magnitude”, afirmou ela, que concorda com o teor da liminar de Marco Aurélio. “Sempre acreditei que não é possível presumir a culpa de quem ainda não tem o trânsito em julgado”.
Deixe sua opinião