Detendo do Complexo Penitenciário de Piraquara, no Paraná. (Imagem: Albari Rosa / Gazeta do Povo / Arquivo)| Foto: Gazeta do Povo

O crime ganha repercussão nacional e todos ficam atentos ao veredito. Ao proferir a sentença, a dúvida permanece: será que o resultado é justo?  A dosimetria da pena, ou seja, os cálculos para se conseguir uma sentença condenatória, é um tema complexo até para os operadores do Direito. É também um dos principais pontos de reforma e controvérsias nos Tribunais Superiores.

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Foi em um debate dessa natureza, no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-RS), que o ex-deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho, em um dos casos mais emblemáticos do país, conseguiu uma diminuição da pena de 9 anos e 4 meses em regime fechado para 7 anos e 4 meses em regime semiaberto. A decisão foi baseada em equívocos na estipulação da pena. Mesmo condenado por duplo homicídio com dolo eventual, assumindo o risco de matar, embriagado e dirigindo em alta velocidade, a 1ª Câmara Criminal do órgão acatou a apelação feita pela defesa do ex-parlamentar para que a pena fixada no Tribunal do Júri fosse diminuída.

Outro caso de grande repercussão foi o do apresentador Roberto Aciolli, condenado a 5 anos e 6 meses em regime semiaberto por homicídio privilegiado. Alegando legítima defesa após a um assalto, à época, o réu perseguiu e matou com um tiro na nuca o engraxate Paulo Cesar Heider, em dezembro de 1999. O júri, realizado em 12 de fevereiro de 2019 ano, entendeu que o réu foi dominado por uma forte emoção no momento do crime. Aciolli deverá, após esgotados os recursos, usar apenas tornozeleira eletrônica. A defesa do réu comemorou o resultado. Mas para a família da vítima e para a população, será que a justiça foi feita? A fixação da pena foi correta para um assassinato, no primeiro caso citado, homicídio duplo?

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Passo a passo

Para entender melhor como as sentenças condenatórias são feitas, o Brasil adota o critério trifásico, o que significa dizer que são três as fases de fixação da pena. A primeira delas analisa as circunstâncias judiciais: é aqui que o juiz leva em conta se o réu é perigoso, como ele é visto na sociedade, se a vítima colaborou para o resultado, dentre outros pontos. São circunstâncias judiciais a reprovação social do crime, levando em conta a culpabilidade, assim como o passado criminal do réu, sua conduta social, como ele se comporta na sociedade, o estilo de vida, o trabalho, como é visto na família, entre vizinhos e outros grupos sociais. Leva-se em consideração também a personalidade do agente, se é agressivo e se possui distúrbios de personalidade atestados por psiquiatras e psicólogos. Os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime também são analisados nessa fase inicial, para só então se estabelecer uma pena-base, dentro dos parâmetros de máximo e mínimo estipulados para cada crime tipificado no Código Penal.

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A partir daí começa a segunda fase: é a vez da aplicação de agravantes ou atenuantes levando em consideração o que está descrito na lei em rol taxativo. Significa dizer que essa lista não se altera. As agravantes estão dispostas nos artigos 61 e 62 do Código Penal, enquanto as atenuantes podem ser encontradas no artigo 65 do mesmo código. Um exemplo prático: se o crime foi por motivo fútil ou torpe a pena pode ser aumentada. Se no mesmo evento, porém, o agente confessa ou tenta minimizar os danos cometidos à vítima, são questões atenuantes que podem diminuir o montante final da pena. Se o crime é cometido por menor de 21 anos ou até mesmo por idoso maior de 70 anos, as condenações também devem ser reduzidas (é importante salientar que a idade levada em conta é a da data de cometimento do crime). Ao contrário da etapa anterior, aqui os critérios são objetivos – se atendem aos requisitos, devem ser aplicados.

Por fim, na terceira fase, o juiz busca as causas especiais de aumento ou diminuição da pena, presentes em todo o ordenamento jurídico, para estabelecer uma punição definitiva. Essas regras podem estar no próprio Código Penal ou em leis específicas. Foi uma causa de aumento, na terceira fase da dosimetria, que elevou a pena de Alexandre Nardoni, acusado pela morte da própria filha, Isabela Nardoni, para 31 anos de reclusão. Nesse caso, o crime de homicídio doloso foi praticado contra pessoa menor de 14 anos (Isabela tinha 6 anos), acrescendo mais um terço à pena provisória estipulada na primeira e na segunda fase. É aqui que, finalmente, o juiz bate o martelo sobre a condenação do réu.

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Opiniões divididas

O resultado dessa matemática jurídica nem sempre é o esperado pela família da vítima ou população – e não poucas vezes o relato é da sensação de impunidade. A professora de Direito Penal e advogada criminalista Tayana Feres M. Matias considera a dosimetria da pena falível e distante da sua aplicação justa diante da verdade real do processo.

“O relevante é o que o agente fez e não quem ele é. Quando permitimos a adoção de critérios como conduta social e personalidade do agente estamos permitindo passivamente a aplicação do ‘Direito Penal do Autor’. Quer dizer que o sistema está analisando o ‘eu íntimo’ do agente e ele será julgado por quem ele é, e não necessariamente pelo crime praticado”.

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Na opinião da professora, essa apreciação é sensível por esbarrar em padrões morais, costumeiros e aceitáveis socialmente, sendo deixada de lado a observância minuciosa do caso concreto e o contexto do fato praticado e suas razões.

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“Os antecedentes; a conduta social que é feita pela análise do comportamento do agente no âmbito familiar, social, de trabalho, a meu ver são algumas das circunstâncias mais falhas porque é o tal do ‘ouvi dizer que o agente bate na mulher’ pela vizinhança, por exemplo. Esse comportamento poder ter peso, mas, diante a realidade, é uma forma de influência que dá visão ao estereótipo do agente”.

Tayana argumenta que, trazendo para dentro das grades do sistema penitenciário, é “impossível acreditar que o estereótipo do preso não é levado em conta durante o estabelecimento da pena”.

“A maior parte [da população] carcerária tem exatamente os mesmos traços físicos, destacando a cor da pele. E esse ponto tem sim relação com a dosimetria da pena, principalmente quando estamos atribuindo características ao infrator: a conduta social, personalidade, culpabilidade, antecedentes, motivos, circunstâncias e até o comportamento da vítima têm maior relevância na hora de sobrepesar a caneta e aumentar a pena quando o agente tem um estereotipo e pertence a certa classe social”.

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Já para o advogado criminal e mestre em Processo Penal João Rafael de Oliveira o sistema trifásico é adequado à realidade brasileira, até mesmo pela individualização da pena, já que cada participante da ação criminosa vai ter sua participação analisada separadamente, o que é um dos grandes trunfos desta forma de fixação de pena.

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“Cada caso é analisado de forma pormenorizada para dar a resposta adequada ao acusado, ao condenado. É claro que sempre há uma possibilidade de avanço e evolução nesse sentido”, opina.

O especialista alerta que já há discussão doutrinária entre os autores do Direito Penal sobre o tema: “eles sustentam que é inviável ao juiz analisar as circunstâncias judiciais, podendo ter, sim, um ponto de mudança nesse sentido”. Ele lembra, ainda, que algumas penas previstas para determinados crimes soam desproporcionais em relação a outras.

“O crime de adulteração de medicamentos possui pena mínima de 10 anos, enquanto para um homicídio simples, a pena mínima é de 6 anos. Na modalidade tentada, pode-se reduzir a quatro anos, conduzindo o réu para um regime aberto”. Ou seja, essa também deve ser uma preocupação a mais por parte dos legisladores.