O procurador regional da República José Robalinho Cavalcanti, candidato à Procuradoria-Geral da República. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Procurador regional da República em Brasília, José Robalinho Cavalcanti foi presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) entre 2015 e 2019, o que lhe rendeu protagonismo diante dos membros da carreira – mas lhe rendeu também antagonismos. Nesta sexta-feira (24), Cavalcanti foi criticado pelo atual vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, aliado da atual procuradora-geral, Raquel Dodge.

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Cavalcanti foi o segundo dos candidatos à Procuradoria-Geral da República (PGR) entrevistado pela reportagem e a ele foram feitas as mesmas questões que aos demais candidatos. Diante das críticas, contudo, a Gazeta do Povo entrou em contato com o procurador e fez a ele mais duas perguntas.

"Eu tenho uma admiração muito grande pela pessoa de Luciano, mas foi de estranhar como ele falseou a verdade por contar as histórias pela metade desta vez. Uma pessoa elegante como ele citar o meu nome mostra o nível de desespero das pessoas que estão ao redor de Raquel ", afirmou sobre as críticas.

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Ao jornal O Globo, o vice-procurador-geral insinuou que Cavalcanti mudou as regras da lista tríplice para permitir a própria candidatura e afirmou que o procurador priorizou pautas corporativas à frente da ANPR dando as costas à sociedade e expondo Raquel Dodge.

Cavalcanti nega. "A administração de Raquel é que está de costas para a casa, e não é por questões financeiras apenas. O teletrabalho, questões de modernização que ela não adotou", afirma. "O objetivo no final parece ser atacar a legitimidade da lista, para justificar a candidatura de alguém de fora da lista, que a carreira inteira está entendendo ser a Raquel Dodge", avalia.

A eleição para a lista tríplice ocorre no dia 18 de junho. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.

O espaço da Gazeta do Povo está aberto a todos os candidatos à PGR. Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Gazeta do Povo: Considerando a percepção de que as ações penais contra políticos com foro privilegiado avançam mais devagar no STF, o senhor tem propostas para dar mais celeridade e eficiência às investigações conduzidas pela PGR?

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Cavalcanti: As investigações da PGR precisam ser conduzidas com o melhor profissionalismo possível, mas é difícil saber no que mexer: como são investigações normalmente sob sigilo, é difícil saber qual a situação atual de cada uma delas. Em linhas gerais, a PGR tem que ter coordenação com o trabalho de primeira e segunda instância, tem que ser célere nas decisões – porque tem havido notícias de processos que passam muito tempo na mão da PGR; se isso está acontecendo, não poderia estar ocorrendo. Agora, queria fazer uma deferência em favor não da atual PGR, mas de qualquer um: no STF as decisões são mais lentas, a passagem pelo tribunal costuma demorar mais, porque os ministros têm menos tempo para se dedicar exclusivamente aos temas penais e as ações de foro privilegiado em geral são mais complexas. O que eu posso garantir é que eu, como PGR, buscarei eficiência e coordenação dos trabalhos, tanto com a Polícia Federal, quanto com as demais instâncias. Não é para se chegar necessariamente à condenação: se por acaso ao final da investigação for situação de arquivamento, que se arquive. Mas tem que ser dada uma resposta célere. Estruturalmente, jamais uma investigação no STF vai ter a agilidade da primeira instância.

Qual a posição do senhor sobre a legalização do aborto?

A legalização do aborto é um assunto que, prioritariamente, deve ser discutido no parlamento, e não no STF. O que cabe ao Supremo é a eventual discussão sobre a constitucionalidade ou não da legislação que criminaliza o aborto. Essa legislação já tem mais de 80 anos – você chegar à conclusão de que agora ela se tornou inconstitucional? Veja bem, até aí não estou discutindo a conveniência, é uma matéria de estrita legalidade e constitucionalidade. É possível o Supremo, em tese, afastar o artigo por inconstitucionalidade, é possível que algumas situações concretas sejam discutidas – como inexigibilidade de conduta diversa pela mulher –, mas essa matéria é eminentemente legal e deveria ser discutida no âmbito do Congresso Nacional.

Mas uma eventual descriminalização irrestrita do aborto, até um período da gestação, pelo Supremo Tribunal Federal, o senhor entende razoável?

Não, primeiro porque não vejo inconstitucionalidade patente na legislação, que já tem mais de 80 anos. Poderíamos discutir alguns temas específicos. Segundo, não entendo corretas argumentações de que o bem jurídico constitucional da escolha da mulher [estaria sendo violado], porque, por mais respeito que eu tenha com a questão social feminina, não acho que o aborto seja uma questão de escolha. Existe ali na conceituação legal uma vida em potencial que não se confunde necessariamente com o corpo da mãe. Existe ainda uma questão complexa sobre o início da vida. Para mim, falar em vida potencial ainda no útero é possível, mas não desde a concepção. Se você considerar que qualquer punhado de célula é vida no conceito legal, você chegaria à conclusão de que não poderia fazer transplantes, porque as pessoas que estão com morte cerebral não poderiam fazer transplantes, porque tampouco poderia ser atingido aquele bem jurídico enquanto houver sustentabilidade [da vida] por aparelhos. Isso é uma discussão muito complexo, por isso acho que o melhor caminho para ela é o Congresso Nacional.

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O senhor enxerga algum ponto inconstitucional na Reforma Trabalhista?

Eu não me lembro de ter visto isso em detalhes, mas algumas considerações feitas pela PGR não considerei corretas. Sobre a sucumbência [pagamento dos cursos do processo por quem perde]: havia a previsão de que não havia gastos de sucumbência, o que permitia qualquer tipo de alegação, a pessoa perdia o processo e não era taxada. O caminho deveria estar no meio termo. Ao inverter por completo, permitindo em toda situação a punição, levando em conta a incerteza inerente a todo processo, você pode ter prejudicado o acesso da população à Justiça do Trabalho. Também alguns graus de exigência às gestantes, as certidões, aquilo foi um erro. Mas são questões pontuais, que não mexem com a estrutura da Reforma Trabalhista. Na espinha dorsal da reforma, se meritória ou não, não vejo inconstitucionalidade de uma forma geral.

O senhor entende cabível alguma medida jurídica para combater o que se tem chamado de “fake news”?

Acho que você tem que tomar muito cuidado com o rumo dessa discussão, por conta da liberdade de expressão. Vamos colocar em dois passos para deixar bem claro o que eu penso. Do ponto de vista de geração da informação e de notícias, qualquer tipo de censura prévia ou de acusação de que aquilo é falso é extremamente complicado. Uso como referência o assunto recente, em que respeitosamente discordo da decisão do ministro Alexandre de Moraes, alegando que a reportagem do Antagonista era “fake news”. O conteúdo principal da história era que um determinado documento existia, e, porque o documento havia não havia ainda sido entregue à Procuradoria, chamar aquilo de “fake news” é exatamente o tipo de situação que não podemos admitir. Com todo respeito ao ministro, ainda bem que houve um recuo ali. Mas há um segundo passo e aqui acho que o direito pode agir: no uso de informações falsas para atacar pessoas – e os mecanismos de calúnia, difamação e injúria existem há muitos anos –, mas também na manipulação do campo democrático. É inegável que informações falsas podem ser divulgadas de maneira até científica. Isso é um problema estudado, que as democracias estão enfrentando e que pode e deve ser discutido. Mas não se pode tolher a liberdade de informação e expressão. É preciso encontra um equilíbrio.

Mas nesse aspecto de manipulação da informação, o senhor entende que já há medidas jurídicas disponíveis ou seria o caso de pensar em legislação específica?

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A Justiça Eleitoral tem mecanismos, normas e resoluções que permitem avançar um pouco mais no controle dessas informações durante o processo eleitoral. Isso pode ser melhorado, mas você já tem um cabedal. Mas podemos ir muito mais longe do que o processo eleitoral. Embora o episódio eleitoral seja fundamental, a democracia vai além disso. A manipulação como um todo da opinião pública para pressionar o Congresso, o Executivo, neste ou naquele momento, com base em informações falsas, é algo que uma legislação séria pode responsabilizar, sem que com isso se atente contra a liberdade de expressão e de imprensa. Senão estaríamos acabando com um pilar fundamental da democracia, por conta de uma questão que, por mais importante que seja, é menor. É um desafio dos novos tempos, mas que deve ser enfrentado pelo direito e pela PGR.

Qual a posição do senhor sobre o tema da doutrinação em sala de aula, na Educação Básica, e sobre o Escola Sem Partido?

O debate sobre educação está gerando muito mais calor que luz. Os opositores do Escola sem Partido falam muito em liberdade de cátedra, mas eu certamente não acho razoável falar em liberdade de cátedra para professores da educação básica, essa liberdade de falar o que quiser. Até pela terminologia, a liberdade de cátedra existe para defender professores universitários na produção de novos conhecimentos. Você tem no Estado, portanto, a possibilidade de orientar currículos – isso existe em qualquer lugar no mundo e é razoável. Você orientar professores e dizer “não faça isso” é perfeitamente legítimo.

O PGR vai ter que enfrentar a questão jurídica – mas não tem por que entrar na questão política de governo –, mas o fato é que alguns defensores do Escola sem Partido partem do outro extremo: o professor nada pode falar em sala de aula, porque seria doutrinação. Eu não vejo o problema nesse grau. Falar sobre a realidade dentro da sala de aulas, ensinar os alunos a ter espírito crítico e buscar informações, em qualquer lugar do mundo isso é essencial, porque no mundo moderno as pessoas precisam estar interligadas para ter noção da realidade, isso não significa doutrinação.

Alguns dizem: mas você acharia razoável um professor doutrinando pela esquerda, pela direita, por qualquer doutrina razoável no Ensino Fundamental? Não, isso não é razoável, isso deve ser discutido, só não acho que seja um problema no grau colocado. O grande problema da educação é qualidade. Essa discussão é que deve ser feita e uma educação de qualidade passa por um debate qualificado. O professor não pode usar sua função, que é sempre uma posição de superioridade, para impor o debate, mas ele pode e deve estimular os alunos a ter senso crítico e discutir a realidade. Isso é perfeitamente possível de ser feito sem qualquer tipo de doutrinação de esquerda ou de direita.

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O senhor entende cabível a restrição, em algum grau, das imunidades parlamentares formais e materiais previstas pela Constituição Federal?

Não. A imunidade parlamentar da forma como está na Constituição está muito bem colocada. Quem cresceu na época da repressão da ditadura militar, entende muito bem. É necessário que o parlamentar tenha a imunidade de suas opiniões e votos. É um dos pilares fundamentais da democracia, junto com a liberdade de imprensa. Agora, sou contra o foro privilegiado, não só dos parlamentares, mas do Ministério Público e do Executivo. Em uma democracia consolidada como o Brasil, com um Poder Judiciário técnico, todos os cidadãos são iguais perante a lei. Isso não se confunde com a imunidade parlamentar.

O foro privilegiado não faz bem ao país e ao próprio STF, que já melhorou muito isso [com a decisão que restringiu o foro]. O presidente [Bill] Clinton, nos Estados Unidos, chegou a responder por perjúrio perante um juiz federal, sem qualquer ameaça à democracia. No máximo, você pode garantir para as “famosas 15 pessoas”, porque constituem os órgãos chaves das instituições brasileiras: o presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, o Procurador-Geral da República e os 11 ministros do Supremo. Seria tolerável, mas não o ideal.

O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade proposta de reforma da Previdência?

A alíquota progressiva é inconstitucional, e isso falo com base em decisões judiciais. A contribuição previdenciária é um tipo de tributo que tem vinculação com o benefício. Ao falar que a contribuição previdenciária será progressiva, isso pode soar bem, mas isso é uma característica do imposto de renda, que é um imposto geral que provoca redistribuição da sociedade. A contribuição previdenciária tem outro fim, que é o vínculo com o benefício você vai receber. O que você está dizendo é que você vai pagar mais por um benefício, em termos relativos, porque o outro não está pagando. Isso é no mínimo questionável juridicamente.

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Aí você entra no problema das alíquotas. O Código Tributário Nacional diz, no artigo 5º, que os tributos não se caracterizam pelo seu nome ou pela destinação – o que identifica o tributo é sua natureza jurídica, ou seja, a base de cálculo, a forma como ele é cobrado. Muito bem: se você tem um tributo que incide sobre a renda e é progressivo, isso não é contribuição previdenciária, isso é imposto de renda. Então, na prática, você está cobrando dois impostos de renda. Com isso, as alíquotas ficam absolutamente não razoáveis e a possibilidade ser declarada a inconstitucionalidade por confisco cresce.

Outro item de duvidosa constitucionalidade, e aparentemente o Congresso já está percebendo, é a desconstitucionalização no grau que aconteceu. Não é inconstitucional tirar isso ou aquilo, mas nesse grau não parece razoável.

O senhor tem alguma proposta concreta de mudança na estrutura e na gestão do Ministério Público?

Tenho várias, inclusive do ponto de vista tecnológico. Os processos são eletrônicos hoje, mas o Ministério Público tem acompanhado a estrutura dos juízos. Acho que isso não faz mais sentido. A advocacia pública já se organiza de outra forma. O Ministério Público Federal tem que estar presente em todas as áreas no sentido finalístico, tem que cumprir suas missões, mas tem que admitir o trabalho à distância, tem que criar formas de trabalho setoriais. Hoje, nossas estruturas de trabalho acompanham os juízes, nós temos ofícios junto a cada juiz para cada um dos temas, sempre com distribuição geográfica.

A minha ideia é que você comece a executar por áreas temáticas. Por exemplo, você poderia ter ofícios ambientais que cuidassem da Amazônia inteira, que tem problemas muito semelhantes. Mesmo que geograficamente o procurador estivesse em Belém, Manaus ou Macapá, ele poderia cuidar de situações que estão em todos os lugares. Quando precisar se deslocar, ele se desloca e resolve os problemas perante o juiz com processo à distância, no chamado teletrabalho. Isso é uma mudança fundamental estrutural, porque permitirá ao Ministério Público executar mais funções e melhor, com menos recursos. Nós ainda temos um MPF do século 20.

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Outra vertente é que o MPF é muito ausente dos debates nacionais. É muito mais comum encontrar ministros do STF presidindo comissões para apresentar propostas de lei ou em funções consultivas. Isso é um contrassenso, porque o juiz tem que se manter mais neutro. O Ministério Público, não. Mas isso tem acontecido porque o MPF tem estado ausente do debate com o Congresso, com o Executivo, nas políticas públicas, e nós temos muito a contribuir. Não cabe a nenhum membro do Ministério Público tomar posição políticas de governo, isso quem decide é o governante. Mas se a política afeta direitos, o Ministério Público pode muito bem apresentar sugestões e colaborar nas políticas de Estado. Não há nenhum problema de o Procurador-Geral manter contatos de alto nível com diferentes lideranças políticas.

Quais são os perfis que o senhor buscará para os ocupantes dos seguintes cargos: vice-procurador-geral da República, vice-procurador-geral eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), secretário-geral, e coordenadores de Câmaras de Coordenação e Revisão?

Cada um desses poderia falar durante uma vida. Sei que existem muitos colegas que atuam em grupos na casa, isso não é nenhum demérito, mas eu não sou uma pessoa de grupos. Não tenho pessoas definidas, muito menos para os cargos privativos de subprocurador-geral da República. Isso é para ser discutido depois.

Sobre o perfil, o vice-procurador-geral tem que ser alguém de confiança do procurador-geral, de muita capacidade técnica, e que tenha experiência nos processos criminais, porque pretendo manter ao vice a atribuição de tocar os processos perante a corte especial do STJ, os processos que dizem respeito aos governadores, desembargadores. Além disso, o vice é conselheiro do Conselho Superior e substitui o procurador-geral.

O secretário-geral é um cargo muito importante, ainda mais para fazer uma transformação estrutural na casa. Acrescento a isso que nós estamos com dificuldades muito grandes do ponto de vista orçamentário, e as soluções têm que ser criativas para enfrentar isso. Então, preciso de um SG que conheça profundamente a matéria orçamentária e que concorde comigo na necessidade de fazer essas mudanças estruturais, dialogando com a casa.

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Já os coordenadores são nossos corpos técnicos chaves para cada uma das matérias fundamentais. O coordenar tem que ter uma sensibilidade muito grande para conduzir, coordenar, trazer as matérias, discutir com os colegas, tirar da Câmara as diretrizes e coordenar as diretrizes. Nenhuma Câmara tem poder executivo, não pode fazer recomendação, não tem poder de impor um entendimento de um colega, mas elas são fundamentais para que tenhamos unidade, mas elas podem convencer os colegas, apresentando os dados e os argumentos. Então, os coordenadores têm que ter um alto poder dialógico interno, capacidade e respeito da classe.

No campo eleitoral, temos mudanças estruturais também. O eleitoral está passando por uma discussão profunda, é importante que a Justiça Eleitoral de primeira instância passe ter uma participação maior, isso está sendo discutido no TSE, tem que ser discutido com os Ministérios Públicos estaduais. Então, o vice eleitoral tem que ser alguém comprometido com essas mudanças e sensibilidade e firmeza para discutir com todos os agentes.

E a PFDC?

O PFDC tem que ser alguém comprometido com os direitos dos cidadãos e com a tutela coletiva. O papel que o MPF exerceu foi fundamental para construir esse Brasil dos últimos 30 anos, na defesa de direitos humanos, de políticas para a democracia, na questão da educação e de saúde, na defesa de indígenas. Tudo isso é fundamental, mas defendo profundamente a independência funcional como sendo o espírito fundamental do Ministério Público pós-1988.

Mas o que isso tem a ver com a PFDC? A PFDC, nos últimos tempos, infelizmente, toma atitudes sobre determinados processos sem o devido diálogo com o promotor natural do caso. Isso não agrega nada do ponto de vista interno, prejudica e leva a incompreensões inclusive técnicas. Isso vai ser conversado com o próximo PFDC: a atuação é fundamental, mas a PFDC não é um órgão de execução. Ela não pode fazer recomendação, porque ela é preparatória para o inquérito civil público. Se a PFDC não tem poder de entrar com processos, não tem poder para fazer recomendações. Mas ela tem um papel fundamental de ombudsman, de provocar os órgãos, de coordenar atividades dos PRDCs [procuradores regionais dos direitos dos cidadãos] e nisso terá toda força para continuar atuando.

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Eu tenho admiração muito grande por doutora Déborah [Duprat, atual PFDC], mas algumas atitudes dela provocaram esse tipo de problema. Mas não apenas ela: toda a composição atual da PFDC precisa refletir um pouco para a reação dos colegas e da sociedade sobre esse tipo de matéria. Além disso, e aí incluo todos, a orientação do MPF comigo será que nós defendemos as políticas de Estado, mas temos que dialogar e respeitar a posição de quem foi eleito. Com todas as letras: o presidente Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente com determinado programa. Eu posso discordar de algum ponto como cidadão, mas se está dentro dos limites e do razoável, é justo que ele execute. O que não pode é avançar sobre as políticas de Estado, sobre direitos.

Como o senhor responde à acusação que o atual vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maria, fez ao senhor sobre a manipulação das regras da lista tríplice?

Essa acusação, com todo respeito ao Luciano, é um falseamento absoluto da realidade. Para quem conhece a situação, é uma coisa quase esotérica, esquizofrênica, porque é completamente fora da realidade. Vamos colocar como são os fatos. Em nenhuma das tríplices desde 2001 houve restrição a candidatos regionais [segunda instância] e procuradores [primeira instância]. Essa tese levantada pelo Luciano nunca foi aceita por nenhuma diretoria da ANPR e por nenhum Ministério Público do Brasil, exceto os de São Paulo, Minas Gerais e Roraima. Mas nesses três existem leis que dizem expressamente isso. Nós já tivemos no passados candidaturas de procuradores regionais e procuradores. Eu mesmo apoiei a candidatura do Blal [Dalloul] em 2009, quando era procurador em primeira instância.

O aconteceu de fato? Todas as eleições para a lista tríplice eram definidas pelas diretorias [da ANPR]. Eu, quando entrei em 2015, fiz uma proposta de que o Conselho Superior [órgão do MPF] passasse a regular a eleição e a eleição fosse feita pelo colégio de procuradores, ou seja, votariam apenas os procuradores da ativa, associados e não associados [à ANPR]. Isso é outro detalhe que o Luciano não aborda: desde 2009, os não associados à ANPR não votavam. São de 7% a 8% dos eleitores. Dois colegas da carreira, Pablo Carreira e Bruno Calabrich, fizeram a proposta ao Conselho Superior e nós apoiamos. Essa proposta ficou de 2016 a 2019 sem julgamento. Quando chega agora, em 1º de março, em uma sessão extraordinária que não havia sido convocada para isso, doutor Luciano, que era relator do caso, pede para Raquel e coloca o caso para julgamento. Nesse dia, ele diz que o Conselho não pode regular a matéria – eu discordo, mas é a posição dele. E completa com uma esdrúxula observação de que, apesar de ele achar que não se deve regular a matéria, ele dá o recado dizendo que só subprocurador-geral poderia ser procurador-geral.

É uma total inversão da verdade. E quanto ao eleitorado? Aí realmente houve uma mudança. Até 2009, os aposentados não votavam e os colegas não associados [à ANPR] votavam. O entendimento era de que todos os Ministérios Públicos do Brasil que fazem lista consultam todos os membros da ativa, e só os da ativa, porque as listas são institucionais. Em 2009, a diretoria de então toma a decisão, sem consultar ninguém, que a escolha da lista passaria a ser associativa: votam os associados, da ativa ou não. Isso foi muito questionado, mas a diretoria impôs sua decisão e assim ficou. Em 2015, eu propus que isso acabasse. Quando o Conselho decidiu que não podia regulamentar, eu tinha duas opções: a primeira seria me omitir, o que já seria uma decisão, ou a diretoria sozinha decidir o contrário e mudar. Mas o que nós fizemos, e o Luciano não dá esse detalhe, é que para acabar com a discussão, em vez de a diretoria decidir sozinha, decidimos abrir uma assembleia para que os associados, incluindo os aposentados, opinassem. A consulta teve o voto de três quintos da classe, mais de 850 colegas votaram. A mudança não foi feita por mim. A classe decidiu. Quem tentou mudar a regra foi o Luciano.

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Eu tenho uma admiração muito grande pela pessoa de Luciano, mas foi de estranhar como ele falseou a verdade por contar as histórias pela metade desta vez. Uma pessoa elegante como ele citar o meu nome mostra o nível de desespero das pessoas que estão ao redor de Raquel [Dodge, atual PGR]. Eles estão de costas para a carreira e tentando justificar seus atos de qualquer maneira.

E às acusações de corporativismo?

A administração de Raquel é que está de costas para a casa, e não é por questões financeiras apenas. O teletrabalho, questões de modernização que ela não adotou. Quando Raquel fez uma proposta de gratificação para nós, em janeiro, essa proposta implicava em pagamento das mesmas gratificações que estamos pedindo, em relação à simetria com os juízes, Luciano Maia disse que gostaria de fazer o pagamento a partir de fevereiro. Apesar disso, a carreira rejeitou, porque era uma proposta que destruía a independência funcional dos colegas [relembre aqui o que aconteceu]. Uma carreira que rejeita essa proposta, tendo perdido o auxílio-moradia, é uma carreira que é tudo menos corporativista. Infelizmente, não posso deixar de ver nisso um movimento para atacar a lista. Ao contrário do que Luciano falou, a lista está mais sólida do que nunca. Voltou a ser uma lista igual às dos demais Ministérios Públicos do Brasil inteiro, voltou a ser a regra prevista na Constituição, dez candidatos do mais alto nível se apresentam. O objetivo no final parece ser atacar a legitimidade da lista, para justificar a candidatura de alguém fora da lista, que a carreira inteira está entendendo ser a Raquel Dodge.