Quando se fala em Direito do Consumidor, o comum é pensar em atos diretamente ligados à compra e venda de produtos, como direito de desistência, condições de entrega, vícios e defeitos daquilo que foi adquirido. Um ponto importante, entretanto, costuma ser esquecido, mas não passa imune ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e aos tribunais. Trata-se da segurança do consumidor nos estabelecimentos comerciais.
A advogada Andressa Jarletti, que já integrou a Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PR, explica que, ao contrário do Código Civil, em que a regra é a responsabilidade subjetiva, no CDC é a responsabilidade objetiva que reina. Isso significa que, para responsabilizar um fornecedor por algum problema que o cliente tenha em decorrência da relação de consumo, não é preciso demonstrar dolo ou culpa - nas modalidades da imprudência, negligência ou imperícia. Basta que haja dano e nexo causal, que é o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido.
O artigo 14 do Código prevê que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
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Isso significa que sempre que o consumidor sofrer um atentado contra a sua segurança, como um assalto, num estabelecimento comercial, o empresário será responsabilizado, tendo que indenizar o cliente por danos morais e materiais? Como o Direito não é uma ciência exata, a resposta mais prudente é: nem sempre. Andressa esclarece que o CDC admite excludentes à responsabilidade objetiva, sendo uma das hipóteses a culpa exclusiva do próprio consumidor ou de terceiro.
“E como fica nessa situação de assalto ou algo parecido? Há decisões em sentidos diferentes. Algumas reconhecem a responsabilidade dos fornecedores e outras que entendem que é ato de terceiro. Na prática, depende muito da atividade que é desenvolvida pelo fornecedor”, afirma a advogada.
Segundo Andressa, em relação aos bancos, entende-se que assaltos são um risco próprio da atividade, então é comum que se reconheça o dever de indenizar. Outro caso em que se reconhece a responsabilidade do fornecedor é quando o estabelecimento oferece estacionamento aos clientes e o carro do consumidor é alvo de furto ou de colisão. Aquelas plaquinhas de “não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo”, portanto, não são válidas.
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“O Código de Defesa do Consumidor reconhece como nulas as cláusulas em que o fornecedor tenta se eximir de sua responsabilidade. É uma tentativa de eliminar a responsabilidade que é inerente ao serviço prestado ao consumidor. Do ponto de vista jurídico, esses avisos não têm validade”, afirma a advogada.
Decisão de 2018 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) mostra que esse é o entendimento dos tribunais, no sentido de que se o estabelecimento comercial “transmite a ideia de ter condições seguras para os clientes realizarem compras, fator que serve para captação destes”, ele deve, portanto, “responder pelos danos ocasionados no espaço disponibilizado”. A Corte determinou o pagamento de danos morais e materiais pelo roubo ocorrido no local.
Como agir
Caso o consumidor seja alvo de um atentado à sua segurança num estabelecimento, a orientação é de que primeiro se tente resolver a situação administrativamente, formalizando uma ocorrência junto ao próprio fornecedor. Ter provas da situação, como fotos - no caso de um carro que teve o vidro quebrado no estacionamento, por exemplo - são importantes. A dica que a advogada Andressa Jarletti dá é que de que essa reclamação sempre seja feita por e-mail/escrito, para facilitar a comprovação, pois é difícil que numa reclamação por telefone o consumidor receba a gravação ou algum documento comprobatório do registro.
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Caso a empresa não resolva o problema nesse primeiro contato direto, o próximo passo é registrar uma reclamação no site consumidor.gov.br. De acordo com Andressa, alguns juízes têm exigido que, antes de entrar com processo, o consumidor tenha tentado resolver o problema por meio da plataforma. A resolução dos problemas por meio do site costuma ocorrer em até uma semana, a contar da data do registro da reclamação.
“Essa plataforma é monitorada pelo sistema nacional de defesa do consumidor, que gera números, indicativos. As reclamações feitas no site permitem traçar um perfil dos fornecedores pelas autoridades de defesa do consumidor, que verificam quais são os fornecedores que cooperam para resolver problemas e quais não o fazem”, diz a advogada, que aponta que a via judicial deve ser utilizada apenas em último caso.
Estabelecimentos prevenidos
Diretor do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Paraná (Sindesp), Fernando Henrique Ribas diz que os estabelecimentos devem se prevenir para evitar esse tipo de problema. A recomendação é que os comércios que têm estacionamento próprio, e o oferecem como diferencial aos consumidores, façam um seguro que cubra furtos de veículo, a fim de ressarcir qualquer prejuízo material que o cliente sofra.
Já os estabelecimentos em que assaltos são considerados riscos próprios da atividade, como as instituições financeiras, a recomendação é de que se invista na contratação de vigilantes, para proteger os clientes. Ribas afirma que, dentro da área privada, a vigilância pode estar armada. Segundo ele, apesar de não ser barato - no Paraná, atualmente, um vigilante armado custa em torno R$ 5.400 ao mês, em horário comercial - tem seu custo-benefício.
“Também é importante que os empresários que contratam o serviço sempre confiram se a empresa de vigilância é legalizada, se ela tem autorização da Polícia Federal (PF), que é o órgão responsável pela fiscalização, para exercer a atividade”, afirma, orientando que se peça à empresa a apresentação do alvará expedido pela PF, de acordo com o que prevê a Lei 7.102/1983, que regula esse tipo de atividade.
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