“Você vai morrer no Departamento Penitenciário”. Essas foram as palavras que eu, como juíza, dirigi a Bobby Bostic, em 1997, quando o condenei a um total de 241 anos na prisão por ter participado de dois roubos a mão armada, com apenas 16 anos de idade.
Bostic e mais um amigo, de 18 anos, roubaram um grupo de seis pessoas que estavam distribuindo presentes de Natal para famílias carentes em St. Louis, nos Estados Unidos. Dois tiros foram disparados. Uma bala pegou uma das pessoas de raspão, mas ninguém ficou ferido de forma grave.
Depois, os dois roubaram outra mulher — que disse ter sido tocada pelo cúmplice de Bostic antes de ser liberada. O dinheiro roubado dela foi usado para comprar maconha. Bostic quis ir a julgamento, mesmo com tantas indícios de provas contra ele. Foi considerado culpado.
Ele então me escreveu uma carta para tentar explicar suas ações. Mas não demonstrou, na minha visão da época, arrependimento o suficiente. Eu disse a ele:
“Você é o sujeito mais estúpido que já passou por esta corte... você fez suas escolhas. Agora vai ter que viver com as consequências, e morrer com isso... a data da sua liberdade condicional fica marcada para o ano de 2201. Ninguém nesta sala vai estar vivo em 2201”.
Pensei que estava punindo Bostic pelos seus crimes. Olhando para o passado, percebo que estava o condenando pelo que ele tinha feito e também por sua imaturidade.
Agora estou aposentada, e me arrependo profundamente pelo que fiz. A ciência descobriu tanta coisa sobre o desenvolvimento do cérebro humano nestes mais de 20 anos desde que proferi a sentença. O que aprendi (tarde demais) é que o cérebro das pessoas jovens não é estático; eles estão em processo de amadurecimento. Garotos da idade dele são incapazes de medir riscos e consequências da mesma forma que um adulto faria.
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Um sem-número de pesquisas científicas mostram que os jovens têm uma maturidade e senso de responsabilidade menor que o dos adultos porque eles ainda estão crescendo. E, por esse mesmo motivo, eles têm maior capacidade de melhorar.
Talvez isso não seja nenhuma surpresa. Nós, enquanto sociedade, reconhecemos que crianças e adolescentes não podem e não devem agir como adultos. É por isso que até uma determinada idade você não pode votar, se alistar no exército, participar de um júri ou comprar cigarros e bebidas alcoólicas.
Os próprios tribunais começaram a adequar a lei à noção da sociedade de que crianças são diferentes (e devem ser tratadas de outra forma). No julgamento Graham v. Florida, em 2010, a Suprema Corte se embasou em estudos sobre a mente ao determinar que a Constituição dos EUA proíbe jovens que não tenham sido acusados de homicídio de serem condenados a uma sentença perpétua sem liberdade condicional. É “cruel e incomum”, determinaram, que um jovem que não seja réu por homicídio “morra na prisão sem nenhuma oportunidade real de conseguir a liberdade”.
Estes jovens precisam de uma oportunidade para mostrar que cresceram e estão reabilitados. Eles não podem ser excluídos para sempre da sociedade por algo que fizeram antes mesmo do seu cérebro ter se desenvolvido por completo.
A maior parte das cortes nos EUA interpreta que esta decisão de 2010 da Suprema Corte proíbe sentenças como a que eu determinei para Bostic. Tecnicamente, não o condenei a uma “vida sem condicional”. Mas a verdade é que ele só vai poder pleitear uma condicional aos 112 anos de idade. O que significa que irá morrer na prisão, e não faz diferença se ele conseguiu se reabilitar ou amadurecer, conforme ficou mais velho.
Hoje penso que este tipo de sentença é tanto ignorante como injusta. Mas cortes de Missouri e de muitos outros estados ainda permitem este tipo de decisão. E os juízes de Missouri mantiveram a minha sentença.
Esta semana, a Suprema Corte dos EUA vai decidir se irá ou não julgar o caso de Bostic. Caso isto se confirme, eles irão debater se a sentença dele está de acordo com a Constituição. Acredito que a corte deveria pegar este caso e dar a Bostic a chance que eu lhe neguei: de provar que mudou, e que não merece morrer na prisão por algo que fez aos 16 anos de idade.
É errado impor uma sentença perpétua, sem condicional, a uma criança que não cometeu assassinato — seja em uma sentença por um ou por vários crimes.
Eu puni Bostic por ser imaturo. Condenar jovens como ele a uma vida na prisão sem chance de ver a liberdade, independente de eles amadurecerem com o tempo, é algo injusto, desleal e, pela decisão da Suprema Corte de 2010, inconstitucional.
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*Evelyn Baker é juíza aposentada do estado de Missouri, nos Estados Unidos.
Tradução: Naiady Piva
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