Um cidadão condenado pela Justiça deve e pode participar de eleições? Deveria ser autorizado a disputar cargos eletivos, ou mesmo votar? Com a decisão do ex-presidente Lula de registrar ainda hoje sua candidatura à Presidência da República, apesar de estar preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, essas perguntas ganham uma relevância gigantesca. Afinal, mesmo condenado em segunda instância a 12 anos de prisão, Lula ainda lidera as pesquisas de intenção de voto. A decisão final sobre o seu caso, a ser apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem o potencial de mudar os rumos do Brasil nos próximos quatro anos. Mas, e em outros países? Como funciona?
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Na Grécia Antiga, não havia dúvidas: certos crimes, como aceitar suborno, condenavam o cidadão à pior pena possível, a morte civil. A pessoa perdia seu maior direito, o de participar das decisões da comunidade. Esse ainda é o conceito que norteia, por exemplo, as democracias do Reino Unido e as de boa parte dos estados norte-americanos. Os ingleses vêm sendo pressionados pela Corte Europeia de Direitos Humanos a autorizar que seus detentos votem; em suas eleições mais recentes, o país descumpriu a orientação. O mais curioso é que a lei britânica determina que um primeiro-ministro que seja sentenciado a pena de prisão menor que um ano pode continuar no cargo – uma situação que, na prática, nunca aconteceu.
Em países como Dinamarca, Finlândia, Espanha, Suécia, Suíça e República Checa a tendência mais recente é de aceitar que os presos possam pelo menos votar, ainda que Áustria, Bulgária, Hungria e Rússia resistam às mudanças. Existem nações de outros continentes, como Nigéria e Quênia, que alteraram suas legislações recentemente para aceitar a participação de detentos. Na Austrália e no Chile, por outro lado, quem já saiu da cadeia e cumpriu pena continua não podendo votar.
Já nos Estados Unidos, cada estado define suas regras. A maioria deles restringe o acesso ao voto – cerca de 6 milhões de americanos deixam de participar de cada eleição. Em alguns, como Vermont, é possível votar de dentro da cadeia. Já na Flórida, qualquer cidadão condenado pela lei, mesmo que já tenha cumprido sua pena, precisa de perdão do governador para poder participar de eleições.
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Mas existem exceções, raríssimas, em que presos puderam até mesmo se candidatar. Aconteceu nos próprios Estados Unidos, em 1920: o socialista Eugene Debs estava atrás das grades, e ainda assim disputou a presidência do país.
Um milhão de votos
Debs era líder sindical e concorreu à presidência em seis eleições, em 1900, 1904, 1908 e 1912, além de 1920. Em sua última tentativa, em 1920, recebeu quase um milhão de votos, num universo de vinte e seis milhões de eleitores. Ficou em terceiro lugar. Isso tudo apesar de estar atrás das grades. Havia sido preso depois de discursar, em 1918, contra o alistamento militar obrigatório e a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.
“Os requisitos para qualquer cidadão concorrer ao cargo de presidente dos Estados Unidos da América estão no art. II, seção I, inc. 3, da Constituição da Filadélfia: ser cidadão nato, ter trinta e cinco anos e quatorze anos de residência no país”, descreve, em artigo sobre o assunto, o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Tecnicamente, não há na Constituição ou em leis federais qualquer dispositivo que vede a candidatura de um condenado em cumprimento (provisório ou definitivo) de pena”.
Eugene Debs já havia sido preso, por seis meses, depois de liderar uma greve de trabalhadores ferroviários em 1894. Desde 1901, era filiado ao Partido Socialista da América. Durante o pleito de 1920, estava no presídio federal de Atlanta. O vencedor das eleições, o republicano Warren Harding, comutou a pena do opositor e recebeu Debs na Casa Branca.
Existe um outro caso, bem mais recente: o candidato à presidência da Turquia nas eleições de 2018, Selahattin DemirtaÅ.
4,2 milhões de votos
DemirtaÅ ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2014. No ano seguinte, sobreviveu a uma tentativa de assassinato. Em 2016, foi preso, acusado de manter ligações com um grupo guerrilheiro, o Partido dos Trabalhadores do Kurdistão. Mesmo atrás das grades do presídio de segurança máxima de Erdine, apresentou-se como candidato à presidência mais uma vez, em 2018. Ficou novamente em terceiro, com 4,2 milhões de votos.
Um dos momentos mais curiosos da campanha turca aconteceu quando a emissora de TV TRT transmitiu, de dentro da cela, o discurso de campanha de Selahattin DemirtaÅ – por lá, todo candidato tem esse direito, o de se manifestar na emissora estatal, apresentando suas propostas. O detento vestia um terno preto e denunciou o que chamou de “regime opressivo” do presidente Recep Tayyip ErdoÄan – que, com 52,59% dos votos, venceu a votação, realizada em 24 de junho. DemirtaÅ tem 45 anos e continua preso.
Em outros países, é muito comum que líderes oposicionistas carismáticos sejam condenados ou mantidos atrás das grades em tempo de eleições – é o caso de Alexei Navalny, barrado de concorrer contra Vladimir Putin na votação deste ano por ter sido considerado culpado por corrupção em 2013. Na Bielorrússia, em 2010, sete dos nove concorrentes à presidência foram detidos.
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Quantos votos?
E no Brasil? Um detento pode concorrer? A verdade é que a legislação eleitoral lista uma série de casos em que cidadãos podem votar, mas não podem ser votados: não são elegíveis eleitores com menos de 21 anos (exceto para o cargo de vereador, para o qual são aceitas pessoas maiores de 18 anos), analfabetos e cidadãos não filiados a partidos políticos. Além disso, o candidato precisa passar pelo crivo da chamada Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010, pelo presidente Lula.
Mas presos podem, sim votar, com exceção daqueles que foram condenados sem a possibilidade de recursos. Os detentos provisórios, que aguardam decisão judicial, podem votar, mas o Código Eleitoral só obriga a instalação se seções eleitorais nos presídios e nas cadeias onde houver no mínimo 50 eleitores habilitados.
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