Rebelião na Penitenciária de Cascavel (PR).| Foto: Aílton Santos/Jornal O Paraná/Arquivo

Algum tempo atrás, quando ocorreram diversos motins em estabelecimentos prisionais brasileiros, afirmou-se que as facções criminosas vinham se institucionalizando progressivamente. O objetivo seria deter, cada vez mais, um poder quase que absoluto, pelo menos nas comunidades onde atuam e no âmbito de certas penitenciárias, com o objetivo de aprimorar o seu controle sob aquelas instituições e se sobrepor definitivamente ao Estado brasileiro. 

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Na ocasião, reforçou-se o fato de que tais facções estariam estendendo os seus tentáculos, sob múltiplas faces e interfaces, notadamente em segurança, de modo a sofisticar os seus instrumentos. Utilizariam, para tal, não só tecnologia avançada, como também recursos humanos especializados. 

Hoje, as assertivas encontram eco nas ações ainda mais audaciosas e escancaradas dessas facções. Algumas chegam ao ponto de disponibilizar aos seus membros e colaboradores a mais ampla proteção jurídica propriamente dita.

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O leque se amplia para questionar o ambiente, rotina de trabalho e comportamento de servidores públicos penitenciários, como suporte para o planejamento de metas cada vez mais ambiciosas e inteligentes, no sentido de capturar o Estado e o substituir. Tal substituição se daria, inclusive, com políticas afirmativas informais voltadas a proporcionar, no mínimo, um bem estar às comunidades carentes, como assistência à saúde, educação e à alimentação básica, desde que se submetam aos seus ditames. 

Observe-se que a intenção é, sobretudo, operacionalizar um controle efetivo interno e externo, sobre as instituições estatais, sob os mais diversos aspectos. 

Trata-se realmente de organizações criminosas extremamente sofisticadas, tanto no que se refere à quantidade e qualidade das armas de fogo portadas, quanto a respeito da preocupação em cooptar pessoas para o seu ‘exército’.

O círculo de poder daquelas facções sugere um crescimento geométrico daqueles tentáculos, tendendo a obstaculizar quaisquer políticas governamentais, até porque os recursos financeiros e tecnológicos estatais são relativamente inferiores aos recursos daquelas organizações criminosas. 

Afora essas questões já exaustivamente exploradas, há que se curvar ao fato de que a “fiscalização e supervisão” do que se passa internamente nos presídios brasileiros deveria ser a tarefa constante do Estado, ainda mais em tempos de “defesa dos direitos humanos”. 

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Ao contrário, o que se constata no atual contexto é um conjunto harmônico e organizado de atos sequencias e lógicos que detectam todos os problemas internos, organizacionais e comportamentais, respectivamente, das prisões e de seus agentes, que são pouco a pouco enquadrados pelas facções de cada estado ao seu modus operandi - os quais se sobrepujam na ausência e leniência estrutural que acomete os Poderes Públicos. 

De um lado, o vácuo crônico e crescente de ações estatais destinadas a administrar e proteger os direitos da população prisional e a promover a sua ressocialização. De outro, o descaso com relação à disponibilização de políticas que venham a satisfazer as necessidades básicas das comunidades carentes. Esses fatos contribuem significativamente para o fortalecimento das facções, sendo esse exatamente o ponto fora da curva que alimenta paulatinamente o poder dessas organizações.

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Ademais, o sistema prisional brasileiro transformou-se em um celeiro fértil para a reprodução de criminosos em grande escala, em razão do significativo número de presos e das consequentes condições precárias de cada unidade prisional. 

Tomando como pressuposto o fato de que muitos são mantidos em reclusão, a despeito da real necessidade da sanção, relativamente às alternativas que poderiam ser utilizadas e que evitariam a reincidência em novos e mais graves crimes, as facções se retroalimentam justamente desse tipo de política que, ao invés de educar, estimula aqueles jovens a participar de modo definitivo das organizações criminosas. 

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Ao se eternizar essa condição de acomodação, tanto da parte do Estado, quanto da indiferença de outras instituições informais que integram a sociedade civil, há que se antever no médio prazo o total domínio daquelas facções, por razões lógicas e racionais: 

- A presença efetiva de ações de planejamento, organização, execução e controle das organizações criminosas; 

- O sofisticado nível de aprimoramento técnico dos membros que integram as diversas hierarquias das organizações; 

- A facilidade de cooptação de pessoas e de membros representativos de instituições estatais; 

- O constante aperfeiçoamento de metas para a satisfação de seus objetivos organizacionais; 

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- A busca incessante da eficiência e eficácia quanto a seus objetivos; 

- O acesso frequente aos benefícios e a sua contraprestação em serviços, no que diz respeito às comunidades que integram as suas cercanias. 

Conforme se pode depreender, o que se denomina “organização criminosa” do ponto de vista jurídico e social é plenamente explicada e justificada do ponto de vista administrativo. As organizações criminosas são administradas com a maior seriedade e responsabilidade, não apenas em relação a sua estrutura interna, mas quanto aos seus objetivos de curto, médio e longo prazo. 

Cada passo é cuidadosamente estudado e planejado para dar certo! Não se admitem erros ou incompetência - até porque, cada meta é circundada a um determinado objetivo, que por sua vez é equacionado pela sua natureza, a um determinado prazo. 

Quando a questão é delimitada do ponto de vista conjuntural (curto prazo), estabelecem-se primeiramente as metas que são alcançadas numa sequência lógica, até chegar ao objetivo pretendido. 

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No caso de um objetivo de natureza estrutural, ou seja, de médio a longo prazo, as ações são meticulosamente planejadas e executadas com absoluta cautela e precisão, dignas de uma grande organização. 

Tamanha forma de organização só poderia ser desenvolvida graças à operacionalização de políticas governamentais declaradamente aleatórias e à omissão proveniente da falta de interesse na solução de problemas de natureza pública e que demandariam uma forte atuação do Estado, por meio de suas instituições. 

Diante do atual contexto de incertezas e insegurança pública, a sociedade civil enfrenta um grave dilema: a inevitável constatação do aumento da violência urbana deflagrada. A violência ocorre não apenas pela falta de educação que levaria à diminuição da desigualdade social e econômica, como, principalmente, pela crescente atuação das facções. Os tentáculos tendem a se tornar mais fortes à medida em que são alimentados pelo crescente número de criminosos presos e pelos próprios agentes públicos que convivem diariamente com as mazelas de um sistema prisional de alta periculosidade, em que a lei é burlada diariamente para que se possa sobreviver. 

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É preciso reconhecer a inevitável falência do Estado brasileiro, sob múltiplos aspectos: o Poder Executivo se encontra perdido diante de tantas irregularidades e denúncias. O mesmo ocorre com o Poder Legislativo, totalmente desacreditado e repleto de disfuncionalidades que acabam desembocando no Poder Judiciário, acarretando uma superjudicialização da política e, ao mesmo tempo, uma crescente politização da Justiça, conforme se tem testemunhado em eventos recentes. 

Nessa teia de graves problemas, as atividades-fim do Poder Executivo e do Poder Legislativo estão relegadas a um papel secundário, impossibilitando estratégias de planejamento e execução de políticas de médio e longo prazo que poderiam impulsionar o desenvolvimento social, econômico e político, por meio de ações de natureza educacional. Essas ações seriam voltadas para a diminuição da desigualdade e da violência, além de contribuir para a conscientização dos deveres e direitos dos cidadãos. 

Vera Chemim é advogada constitucionalista.