Depois de 123 anos de disputas judiciais, por tribunais já extintos e leis revogadas e caducadas, a família da princesa Isabel Cristina e do Conde d’Eu não deve receber indenização pela perda do Palácio das Laranjeiras, no Rio, muito menos o prédio deixará de ser público, de posse e propriedade da União.
Em sessão monótona que durou quatro horas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – só o voto do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira levou quase três horas – a Quarta Turma da corte confirmou nesta quinta-feira (6) que o prédio é de domínio da União e decidiu que a família real brasileira não será ressarcida pela perda do imóvel. O voto foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo, Marcos Buzzi e Isabel Galloti.
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O ministros entenderam que o prédio foi adquirido com recursos públicos apenas para habitação da princesa Isabel, não sendo uma propriedade dada como dote.
Nem a presença de um legítimo herdeiro da Coroa Brasileira, o advogado Gabriel de Orleans e Bragança, quebrou o tédio do julgamento. “Temos razão no pleito e vamos recorrer”, disse ele. “Os decretos da época previam que se só extinguia o dote se não existissem herdeiros”, comentou.
Detalhe: a família real usou um dote da Nação brasileira (portanto, recursos do Tesouro Nacional) para casar com Pedro Henrique de Orleans e Bragança, o Conde d’Eu, e o perdeu quando a República foi proclamada, em 1889.
“O imóvel era destinada à habitação da família real”, ressaltou Marcia Dantas, da Advogacia Geral da União (AGU). “É como se o presidente Michel Temer, ao deixar o governo em 1 de janeiro de 2019, pudesse exigir indenização por deixar o Alvorada”.
História
Os plebeus brasileiros voltaram a entrar nos luxuosos ambientes íntimos do Palácio das Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, no comecinho do mês passado: o ensolarado sábado, dia 10 de novembro, marcou a reabertura do lugar depois de três anos de reformas e restaurações. Já os nobres brasileiros da família Orleans e Bragança, que tentam há 123 anos fazer o mesmo, podem até voltar lá, mas como turistas, não donos.
A briga da Família Real na Justiça contra a União pelo Palácio Guanabara começou em 1895.
A construção, anterior ao casamento e localizada no bairro de Laranjeiras, zona sul carioca, foi adquirida com o dote da princesa e reformada. O casal, inclusive, comprou terrenos limítrofes que foram anexados à residência. Na época, o local era conhecido como Paço Isabel.
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Ainda que em dezembro de 1889 um decreto tenha banido a Família Real do Brasil, o advogado Dirceu Alves Pinto afirmou, em matéria para a Gazeta do Povo em 2017, que a tomada do palácio ocorreu somente durante a Revolta da Armada, que perdurou entre 1893 e 1894. Na ocasião, unidades da Marinha brasileira – que, dizem, estavam amparadas por monarquistas - rebelaram-se contra o governo de Marechal Floriano Peixoto. Segundo o jurista, uma das providências tomadas pelo Ministério da Guerra do então presidente foi a invasão do palácio, “que foi saqueado, inclusive”, guardado na época por um representante da princesa Isabel no Brasil, pois os Bragança estavam exilados na Europa.
Alves Pinto atua nos dois processos que envolvem o Palácio Guanabara e os herdeiros da Família Real, representando o Ramo de Petrópolis, descendentes de Dom Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança, primogênito da princesa Isabel. Os integrantes do Ramo de Vassouras, herdeiros de Dom Luís Maria Filipe de Orléans e Bragança, também são parte.
A primeira ação, do século XIX, em que Conselheiro Ferreira Viana atuou como advogado da princesa Isabel, foi julgada improcedente em 1897. O juiz responsável era Godofredo Xavier da Cunha, genro de Quintino Bocaiúva. Para quem o nome não passa de logradouro, é preciso lembrar que Bocaiúva foi um dos civis mais importantes no processo de instauração da República no Brasil. Ainda que tenha sido interposto recurso, o processo ficou parado durante muitos anos e foi considerado desaparecido.
Em 1955, os netos da princesa Isabel ajuizaram uma ação reivindicatória. Se a primeira se tratava de uma ação possessória – num jeito simples de falar, pedia somente o direito de uso do palácio –, a segunda trata da propriedade do imóvel. Em primeira instância, a Justiça entendeu pela prescrição, que é a perda da proteção jurídica em relação ao direito pelo decurso do tempo. O já extinto Tribunal Federal de Recursos (TRF), porém, acolheu recurso da Família Real e deu seguimento ao imbróglio.
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Alves Pinto contou que alguns anos depois do ajuizamento da segunda ação, o primeiro processo, lá de 1895, foi encontrado nas entranhas do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivado indevidamente, e acabou sendo reaberto, levando ao julgamento desta quinta-feira (6), com a perda da ação pela família real.