Devido ao tratamento hormonal realizado e à mudança em seus documentos, o filho transexual de um militar da Marinha perdeu o direito à pensão que recebia por conta da morte de seu pai, uma vez que é preciso ser filha mulher para fazer jus ao ordenado. Quando começou a receber os rendimentos, ele ainda se apresentava socialmente como mulher.
A perda do direito ocorreu quando o homem, hoje com 54 anos, dirigiu-se à Marinha para recadastramento periódico, exigência àqueles que recebem pensão por morte. Quando as autoridades constataram que no registro do beneficiário constava não só o nome social masculino, mas que seu gênero também estava identificado como tal, a pensão foi cancelada. Ele, então, impetrou mandado de segurança contra o diretor do Serviço de Inativos e Pensionistas do Comando da Marinha (SIPM), a fim de reverter a decisão.
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À Justiça, relatou que quem recebia a pensão era sua mãe, na qualidade de viúva de militar. Quando ela morreu, em 2016, o valor foi revertido em favor dele e de sua irmã. O problema é que enquanto para as filhas mulheres não há idade limite para a reversão, para os homens ela só pode ocorrer até os 21 anos de idade ou até os 24, no caso de estudantes universitários.
O impetrante alegou que, embora tenha nascido com o sexo feminino e tenha vivido durante muitos anos como mulher, identifica-se com o gênero masculino desde a infância, tendo sofrido muito. Pouco tempo atrás, submeteu-se à cirurgia de histerectomia, para retirar o útero, e mamoplastia, com a retirada dos seios. Também realizou tratamento hormonal, mas que não fez cirurgia de redesignação sexual, a chamada “mudança de sexo”. Ele também conseguiu, por meio de outro processo judicial, modificar o nome e o gênero nos documentos pessoais. Em sua defesa, porém, anotou que continua a ser assistido por uma ginecologista, “o que corrobora com o entendimento que ele ainda é biologicamente uma mulher”, devendo, portanto, continuar recebendo a pensão.
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O juiz substituto Frederico Montedonio Rego, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, não acatou a justificativa do impetrante e manteve o cancelamento da pensão.
Entender que o impetrante seria titular do direito à pensão seria considerá-lo, em alguma medida ou para certos fins, como um indivíduo do sexo feminino, o que reavivaria todo o sofrimento que teve durante a vida e violaria sua dignidade, consubstanciada no seu direito – já reconhecido em juízo – a ser reconhecido tal como é para fins jurídicos, ou seja, como um indivíduo do sexo masculino”, apontou Rego. O magistrado também afirmou que no lugar do diretor do SIPM teria tomado a mesma atitude e finalizou afirmando que, ainda que a decisão seja patrimonialmente desvantajosa para o impetrante, ela legitima sua identidade de gênero e sua condição existencial.
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