O presidente Jair Bolsonaro causou polêmica ao publicar, nesta terça-feira (5), em seu Twitter, um vídeo com cenas obscenas ocorridas no carnaval paulistano. Nas imagens, um homem toca suas partes íntimas e, logo em seguida, abaixa-se para receber, na cabeça, um jato de urina – ato conhecido como golden shower (“chuveiro dourado”, em tradução livre). O episódio aconteceu no Blocu, bloco do carnaval de rua de São Paulo (SP).
Ao compartilhar o vídeo, a intenção de Bolsonaro era fazer uma crítica aos excessos dos foliões durante aquela que é a maior festa do país. A publicação, entretanto, suscitou indagações em relação à criminalização tanto dos atos praticados pelos jovens que aparecem nas imagens quanto ao compartilhamento pelo presidente.
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Para Gustavo Scandelari, professor de Direito Penal e advogado do Escritório Professor René Dotti, a conduta dos foliões poderia, hipoteticamente, ser enquadrada em dois dispositivos do Código Penal. O primeiro seria o artigo 233, que regula a prática do ato obsceno em lugar público. Caso fique comprovado que havia menores de 14 anos no local e que os homens do vídeo tinham conhecimento disso, eles poderiam ser investigados pelo crime do artigo 218-A, que criminaliza a prática de ato libidinoso na presença de menores.
A lei penal prevê que o ato obsceno é punido com detenção, de três meses a um ano, ou multa. Já o ato libidinoso na presença de menores tem pena mais grave: reclusão, por um período que pode variar de dois a quatro anos. Ainda, segundo Scandelari, o fato de os homens terem ingerido bebida alcoólica não os eximiria da responsabilidade, a não ser que comprovassem que o consumo não foi voluntário.
Já a conduta do presidente, em tese, poderia ser enquadrada no artigo 218-C, que criminaliza a divulgação de conteúdo íntimo sem a autorização de quem está sendo exposto.
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“É uma legislação recente, instituída em 2018, cujo objetivo foi coibir a prática de revenge porn, quando são expostos na Internet fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento deles”, explica o advogado.
Scandelari salienta, no entanto, que, enquadrar o presidente neste dispositivo seria possível apenas se fosse aplicada uma interpretação extensiva da lei, haja vista que “pode-se entender que, ao protagonizar a cena em local público, os jovens consentiram tacitamente caso fossem filmados”, o que afastaria o crime em questão.
Já o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni afirma que Jair Bolsonaro, ao ser investido no cargo de presidente, abre mão de algumas de suas liberdades pessoais, haja vista que passa a ter de trabalhar em prol da sociedade brasileira.
“A opinião do presidente tem o condão de gerar repercussão social. Ele possui assegurado seu direito de liberdade de expressão, mas carrega o dever e a responsabilidade com o país em primeiro lugar. Assim, precisa ter uma cautela maior para evitar eventuais danos à imagem do Brasil”, opina.
A publicação foi repercutida pela mídia internacional, tendo sido alvo de matérias em jornais como New York Times e Washington Post.
Ato obsceno na mira do STF
Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação, com repercussão geral, que questiona a constitucionalidade do artigo 233 do Código Penal, que tipifica como crime a prática de ato obsceno em local público, aberto ou exposto ao público. Trata-se do Recurso Extraordinário (RE) 1093553, que tem como relator o ministro Luiz Fux.
O julgamento foi motivado por recurso contra a absolvição de homem flagrado masturbando-se em via pública no Rio Grande do Sul. Na ocasião, foi reconhecida a atipicidade da conduta – ou seja, o fato não é considerado crime. O Ministério Público do estado é o autor do RE.
A discussão sobre é que haveria violação ao princípio constitucional da reserva legal por se tratar de um dispositivo excessivamente aberto, sem determinar de forma taxativa quais atos obscenos seriam passíveis de criminalização.