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A estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, ingressou na quinta-feira (30) com um novo pedido para obter na Justiça autorização para interromper a gravidez. Depois de a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, negar nesta semana uma liminar com pedido semelhante, a estudante apresentou habeas corpus preventivo em São Paulo, para não ser punida se levar adiante a intenção de interromper a gestação.

Grávida de sete semanas, Rebeca afirma não ter condições emocionais, psicológicas e econômicas de ter a criança. A estudante cria sozinha dois filhos, de 6 e 9 anos. No pedido feito à Justiça, a advogada de Rebeca, Gabriela Rondon, argumenta que a penalização do aborto representaria uma violação ao direito à saúde e um perigo à saúde mental da cliente.

A ideia é obter um salvo-conduto. “A penalização representaria uma coação injusta. O Código Penal já prevê o aborto terapêutico, nos casos de ameaça à vida da gestante. O que estamos propondo é uma interpretação mais ampla”, disse a advogada.

Reação pró-vida

A apresentação de um pedido de autorização de aborto para uma mulher de 30 anos, mãe de dois filhos, pelo PSOL e o Anis – Instituto de Bioética que foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi classificada de “oportunista” por juristas pró-vida. A ação seria apenas mais uma tentativa de forçar o tribunal a tomar uma decisão sobre processo que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, protocolado em março desse ano, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, cuja relatora é a ministra Rosa Weber.

À petição, a defesa da gestante Rebeca Mendes da Silva Leite acrescentou um vídeo com um depoimento no qual a estudante alega não ter dinheiro nem condições emocionais para levar a gravidez até o fim. Ela conta ter duas crianças, de 9 e 6 anos, receber pensão alimentícia do pai das duas crianças, que também é responsável pela atual gestação. Diz trabalhar em um emprego temporário e que, por isso, em fevereiro de 2018, estará desempregada. 

 

“Se já é difícil para uma mulher com filhos pequenos trabalhar em nosso país, é impossível uma mulher grávida conseguir um trabalho para qualquer atividade que seja. Seremos três pessoas passando necessidades, não conseguindo pagar meu aluguel sem ter dinheiro para comprar comida e com toda essa dificuldade ainda terei um bebê a caminho (...) eu poderia ter ido até a Praça da Sé com R$ 700 e comprar o remédio para abortar (...) O medo do procedimento não funcionar e acarretar má-formação ou o remédio causar uma hemorragia causando a minha morte e, ser levada para um hospital e chegando lá ser levada para delegacia. Não quero ser presa e muito menos morrer. Não parece ser justo comigo. Não estou grávida de 4 ou 5 meses, estou grávida de dias apenas”. 

 

Com o caso, o PSOL e a Anis tentam justificar a alegação feita na ADPF 442, de que seria inconstitucional utilizar o Código Penal, que é de 1940, depois da Constituição de 1988. O Código Penal prevê que o aborto é crime, não sendo penalizado apenas em dois casos, quando a gestação é resultante de um estupro ou existe risco de vida para a mãe. Para eles, quando a Constituição explicita o direito à vida no artigo 5º, o conceito de vida precisa ser relativizado e, nesse caso, o direito à vida do feto não teria peso suficiente diante das dificuldades financeiras da protagonista dessa história. Para os autores da ADPF 422, o embrião seria apenas uma “criatura humana intraútero”.

Os juristas pró-vida lamentam a ação do PSOL por vários motivos. O primeiro é que uma dificuldade financeira não deveria ser apresentada como mais importante e suficiente para ferir o direito à vida. Depois, analisam como uma arbitrariedade determinar que a vida começa apenas depois da 12ª semana de gestação. Interpretam ainda como um “aborto jurídico” a atitude de querer resolver o assunto no Poder Judiciário, já que o tema é delicado, precisa de discussão, da aprovação da população, e 11 homens eleitos por um presidente não teriam a legitimidade para julgar esse assunto e sim os parlamentares, 513 deputados e 81 senadores, eleitos pelo povo - ou inclusive um plebiscito. Além disso, lembram que a mulher em questão poderia ter evitado a gravidez, pois há muitos métodos disponíveis para isso, inclusive para os mais pobres. 

 

“Os autores da ação utilizam uma situação de fragilidade humana para poder continuar questionando o assunto e colocar o STF na parede para uma sentença pontual”, afirma Angela Martins, doutora em Filosofia do Direito e professora visitante de Harvard. “Hoje existe a curadoria de nascituros, por meio do Estado e de outras ongs, nacionais e internacionais, entidades religiosas e outras que recebem essas crianças para adoção; matar nunca é meio de combater qualquer mal e, por outro lado, não seria condizente com a nossa Constituição que protege a vida de modo incondicional”, continua. 

 

Caso o STF conceda a permissão para o aborto nesse caso, seria aberto um precedente perigoso que poderia liberar na prática o aborto em qualquer circunstância, diz Regina Beatriz Tavares, Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), doutora em Direito Civil pela USP. Para ela, o STF tem assumido um protagonismo permissivo, contrário aos desejos da maioria da população, acionado por ativistas. Segundo rege a Constituição, afirma, a decisão sobre em qual momento o ordenamento jurídico deveria garantir a proteção da vida não está nas mãos do tribunal e sim da população, por meio dos seus representantes, lembrando que no Brasil não existe um Tribunal Constitucional para fiscalizar o STF, como ocorre em outros países. 

 

“Essa matéria deveria ser trabalhada dentro do congresso nacional, nós não podemos ser representados em termos legislativos por um tribunal formado por onze pessoas, que sequer foram eleitas pelo povo”. Como exemplo desse protagonismo, ela lembra o voto do ministro Luís Roberto Barroso, em uma turma do STF, em uma questão referente à prisão de médicos em uma clínica de abortos, ao incluir no texto que o aborto deveria ser permitido no país até o terceiro mês.

A relativização da vida, na opinião de Flávio Henrique Santos, presidente da ADFAS, em Pernambuco, seria inconstitucional e um risco para o resto da população. “Nesse caso, haveria ainda mais uma pergunta a ser feita: o estado de pobreza e miserabilidade pode autorizar o estado a matar pessoas? Essas deficiências econômicas poderiam, por exemplo, justificar higienizar a sociedade, aprovar genocídios porque as pessoas não conseguem sobreviver? Pelo contrário, não seria mais adequado impulsionar o Estado a colocar ações profundas de mudança econômica para que a sociedade tenha uma vida digna? Está havendo uma grande inversão de valores; uma vida inocente não pode ser ceifada por argumentos tão desprovidos de fundamento”.

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