Lançado em 2012 no Brasil, quando a cultura do compartilhamento engatinhava no país, o Airbnb modernizou a noção de hospedagem. A presença da plataforma em solo brasileiro, entretanto, sempre foi permeada por polêmicas. A primeira delas foi com o setor hoteleiro, que alegava concorrência desleal, já que os anfitriões não estão sujeitos aos mesmos impostos que os hotéis e, consequentemente, podem praticar preços mais agressivos. Agora, chegam à Justiça os imbróglios envolvendo condomínios e anfitriões. Polêmica, a questão está longe de ser pacificada.
Heloise Moreira Jory, advogada do departamento cível do Advocacia Correa de Castro & Associados, explica que a questão central dessa “guerra” é a finalidade do imóvel, visto que as convenções e regimento interno dos condomínios preveem que as unidades se destinam exclusivamente à função residencial. As casas e apartamentos alugados, nesse sentido, submetem-se à chamada Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/1991).
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Em relação ao Airbnb, os condomínios argumentam que se trata de uma hospedagem típica de hotelaria, e não mera locação por temporada (artigo 48 da Lei do Inquilinato), como afirmam costumeiramente os anfitriões. Nesse sentido, o serviço deveria obedecer às regras da Lei 11.771/2008, que dispõe sobre a prática de turismo.
“Essas controvérsias judiciais envolvendo o Airbnb, que a gente tem visto crescer bastante tanto por parte dos condomínios quanto por parte dos proprietários dos imóveis, são relacionadas ao exercício do direito de propriedade. O que se questiona é se o proprietário poderia utilizar o imóvel com essa finalidade [cessão por meio do Airbnb] ou não. Trata-se de um modelo de negócio. Você não está alugando a sua casa para que uma pessoa vá, efetivamente, morar. São locações curtas, que utilizam o imóvel rapidamente”, aponta Heloise.
Segurança
O também advogado Rafael Corrêa da Cunha, que representa seu condomínio em ação, que tramita na Justiça do Paraná, ajuizada por uma vizinha anfitriã do Airbnb, conta que a segurança foi o principal motivo para que a maioria dos moradores do prédio concordasse em proibir esse tipo de hospedagem no local.
“Não adianta nada fazer investimento pesado em segurança, colocar câmera, investir em cerca, circuito interno de televisão, biometria, se você vai ter que abrir a porta da frente para alguém que você não sabe quem é. A abordagem tem que ser feita pelo risco, e não o inverso. Não precisamos esperar o condomínio sofrer um dano para resolver a questão”, afirma o advogado.
Problemas como barulho fora de horário e utilização das áreas comuns do prédio pelos hóspedes também incomodaram os demais moradores, ainda que o anúncio da anfitriã na plataforma contivesse o seguinte aviso: “se o propósito de sua viagem for baladas, festas, shows, bebidas e ‘esquentas’ com amigos, este não é o lugar! O condomínio é extremamente familiar e rígido em relação a certos comportamentos dos moradores, locatários e visitantes (...). As áreas comuns não poderão ser utilizadas pelos hóspedes por determinação do condomínio. O hóspede se responsabiliza pela leitura e adere às regras condominiais bem como às regras da casa aqui descritas”.
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Nesse caso específico, foi realizada uma assembleia onde os moradores decidiram que a anfitriã teria 60 dias para encerrar os contratos travados pela plataforma. Segundo o advogado, a reunião foi apenas para ratificar a norma já prevista tanto na convenção quanto no regimento interno do condomínio, de que o prédio possui natureza estritamente residencial.
Antes mesmo de se encerrar o prazo acordado entre os vizinhos, porém, a anfitriã ingressou na Justiça contra o condomínio. Num primeiro momento, o juízo da 10ª Vara Cível de Curitiba (PR) deferiu liminar para suspender a decisão da assembleia condominial, permitindo que a anfitriã continuasse a oferecer essa modalidade de hospedagem. O condomínio, então, interpôs agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que cassou, por unanimidade, a liminar.
Ao analisar o recurso, o relator, desembargador Clayton Maranhão, afirmou que “parte-se da premissa de que o direito constitucional de propriedade não é absoluto, sobremaneira quando ligado à figura jurídica do condomínio edilício”.
O advogado Rafael Corrêa da Cunha lembra, entretanto, que ainda não houve o julgamento de mérito em primeira instância, mas que o entendimento do tribunal ao analisar o recurso dá uma pista de como o órgão deve decidir a matéria caso o processo suba para a segunda instância.
Como vêm entendendo os tribunais
Por se tratar de uma temática relativamente recente, ainda não há unanimidade na jurisprudência a respeito da hospedagem, em condomínios residenciais, contratada por meio do AirBnb. O que não significa que tribunais regionais não estejam enfrentando a questão.
De acordo com a advogada Heloise Moreira Jory, o que tem sido visto na maioria das decisões dos tribunais é que os argumentos utilizados pelos anfitriões não têm prosperado. Heloísa diz que o entendimento é de que a finalidade residencial para a qual o condomínio foi formado, nos termos da convenção, pode restringir o direito de propriedade. Aqui, o interesse coletivo estaria sobreposto ao individual.
“Como esse direito de propriedade não é absoluto, a limitação que o regimento interno coloca não limita o direito de propriedade, apenas estabelece regras de convivência e segurança para todos os moradores. Como as locações do Airbnb, em princípio, não se destinam exclusivamente para a finalidade residencial, que é o que está previsto na maioria das convenções, os condomínios fazem assembleias para tentar vetar a utilização do Airbnb”, explica, acrescentando que as assembleias devem seguir todas as especificações legais, como convocação, quórum qualificado, votação, etc.
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Mas ela lembra que não se trata de questão pacificada entre os tribunais. No Rio de Janeiro, diz Heloise, várias decisões autorizam essa modalidade de hospedagem justamente por se tratar de uma cidade turística, com giro de pessoas bem maior.
“Inviabilizar uma locação assim também não seria viável, porque movimenta a economia. Então, ainda não há uma unanimidade, mas o que me parece é que as decisões se encaminham para que o interesse coletivo do condomínio se sobreponha ao interesse individual do proprietário”, opina.
O advogado Rafael Corrêa da Cunha lembra que um dos argumentos favoráveis a esse tipo de locação é de que o compartilhamento é uma tendência, tanto é que já existem projetos de condomínios visando justamente esse mercado. Apesar de ser um entusiasta do compartilhamento, Cunha afirma que cada caso é um caso, e que não há como comparar os casos dos aplicativos de corrida com os de hospedagem em imóveis particulares, por exemplo, em que o motorista arriscaria apenas a sua propriedade e integridade, não envolvendo outras pessoas.
“Mas é um problema da modernidade que vai ter que ser enfrentado. Até cinco, seis anos atrás não se pensava nisso, não se discutia. Agora o Direito vai ter que falar sobre isso”, crava.
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