A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (19), por 3 votos a 2, que um homem tem o direito de visitar uma cadela de estimação que ficou com a ex-mulher após a separação. Apesar de permitir a convivência do ex-companheiro com a cadela, o colegiado descartou igualar a posse de animais com a guarda de filhos. É a primeira vez que o tema foi tratado por uma Corte superior.
A decisão abre precedente importante no Judiciário, mas não tem efeito vinculante - ou seja, não precisa ser obrigatoriamente seguida por todos os juízes. O entendimento firmado na Turma foi o de que os animais, mesmo considerados bens que são propriedade de alguém, não podem ser vistos como meras “coisas inanimadas”. É preciso, segundo o tribunal, levar em conta o vínculo afetivo com o bicho nas questões judiciais.
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O caso analisado era sobre um casal que manteve união estável em São Paulo por mais de sete anos. Os dois - Vinicius Mendroni e Luciana Borba - viviam em regime de comunhão universal de bens e, enquanto estavam juntos, compraram a cadela yorkshire Kimi. Eles se divorciaram em 2011, quando afirmaram que não havia bens para serem partilhados, o que deixou de lado naquele momento a discussão sobre a cadela.
Mas Mendroni recorreu à Justiça sob alegação de que, após a separação, foi impedido de manter contato com a mascote na casa de Luciana. No processo, disse haver “verdadeiro laço afetivo” com o animal e ser responsável pelos gastos com a cadela. Segundo ele, a restrição a visitas causava “intensa angústia”.
“Eles não tinham filhos. O animal era como um membro da família”, diz Franco Mauro Russo Brugioni, advogado de Mendroni. Já Adriana Cury, que defende Luciana, afirmou que a posse da cachorra foi definida durante a separação e que o regime de visitas (a cada 15 dias) seria prejudicial ao animal.
Debate
“Não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente a posse e propriedade. A despeito de animais, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada”, disse o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso.
No STJ, posicionaram-se pelo direito de visita os ministros Salomão, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Foram contrários os ministros Isabel Gallotti e Lázaro Guimarães. Na prática, o STJ manteve a decisão - favorável ao ex-marido - do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que havia fixado visitas em finais de semana intercalados, feriados prolongados e nas festividades de fim de ano.
Animais “quase gente”: ações tentam reconhecer direitos dos não humanos
Para Camilo Henrique Silva, professor de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, apesar do aumento de disputas do tipo nos tribunais, o tema ainda é visto com conservadorismo no meio jurídico. Na maior parte do mundo, diz, “animais ainda são vistos como objeto”.
Outros casos
Nos casos sobre animais domésticos que chegam à Justiça, a maioria dos casais disputa a guarda ou a definição de um esquema de visitas. O caso da advogada Margaret Coura foi além: ela obteve o direito de receber uma espécie de pensão para cuidar de seis cães e uma gata que mantinha com o ex-companheiro.
Segundo a advogada, os animais foram adquiridos ou acolhidos nos 22 anos em que viveu com o ex-companheiro. “A maioria foi resgatada da rua e um até foi ele quem trouxe”, diz ela, de 58 anos. O casal dividia todos os cuidados - como levar ao veterinário. “O custeio dos animais é dispendioso e, considerando que foram adquiridos durante a vigência [da união estável], a responsabilidade se perpetua após a separação.”
A decisão, proferida este ano pela 7.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, levou em consideração que cada animal tem despesa média de R$ 300. Por isso, determinou que cada uma das partes deveria ser responsável por metade do valor, o que resultou em uma “pensão”, por parte do ex-companheiro, de R$ 1.050.
Combinado
Em muitos casos, a negociação sobre o direito a visitas é feita informal mente. Um exemplo é o da cachorra Costelinha, de 5 anos, que fica metade do mês na casa da administradora Clara Seixas, de 34 anos, e a outra metade do técnico em refrigeração Glaucio Souza, de 34. A decisão foi “natural”, segundo Clara. “Ela sentia falta dele e ele dela também.”
Hoje, Costelinha tem uma bolsa, na qual o casal guarda pertences, como ração e tapete para as necessidades fisiológicas. “Ela tem uma cama em cada casa”, explica Clara. Até o valor do plano de saúde é dividido por dois.
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