Os pedidos por pagamento de horas extras, intervalo intrajornada não gozado e indenização por danos morais estão entre os mais frequentes dos processos em exame no primeiro trimestre de 2017 no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo levantamento divulgado pela corte, nos 249 mil processos em tramitação até o último dia 31 de março, a maior demanda é de horas extras, com 45,9 mil pedidos.
O intervalo intrajornada vem em terceiro lugar, com 30 mil ações; e em quinto está o reconhecimento de assédio moral, com e 27,6 mil (confira infográfico). A segunda e a quarta posição no ranking de processos do TST se referem a questões mais processuais: negativa de prestação jurisdicional e honorários advocatícios, respectivamente.
Para o advogado André Brandalise, a estatística não surpreende, pois são pontos bastante propensos a apresentar algum problema no contrato de trabalho. É comum, por exemplo, que funcionários cheguem antes para trabalhar, mas só batam o ponto no horário estipulado – ou que fiquem por mais tempo na empresa mesmo após o registro da “saída”.
Em relação ao intervalo, explica o também advogado Nasser Ahmad Allan, a discussão ocorre, principalmente, por causa do pagamento incorreto do período não usufruído. Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que nas jornadas com mais de seis horas é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação de, no mínimo, uma hora. O entendimento jurisprudencial é de que, quando houver supressão, ainda que parcial, de minutos, deve-se pagar a hora inteira, acrescida de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.
No projeto original da reforma trabalhista há a previsão de que o tempo do intervalo poderá ser negociado diretamente entre patrão e empregado por período inferior, limitado a 30 minutos. O relator do tema no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), contudo, sugeriu veto ao dispositivo.
Já o dano moral Nasser afirma ser reflexo “da cultura com traços de um direito do trabalho antidemocrático” ainda presente no Brasil, que “muitas vezes leva o empregador a praticar atos que ofendem a dignidade do trabalhador”. Segundo o advogado, há quem diga que existe uma “indústria do dano moral” no país, mas que, em sua visão, se há condenação – que, atualmente, costuma ser de baixo valor –, é porque os danos existiram.
“Ao empregador, muitas vezes, é mais barato continuar praticando o assédio do que corrigir suas condutas”, opina, acrescentando que “o que instiga o ajuizamento das ações são os descumprimentos do contrato de trabalho”.
Nasser observa, porém, que tais temas – horas extras, intervalo intrajornada e dano moral – são os mais recorrentes no TST, a instância mais alta do Judiciário em matéria trabalhista, quando já houve condenação ou o trabalhador não ganhou o que está pedindo. Em primeiro grau, conforme levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 44% das ações tratam de verbas rescisórias, devidas quando há o rompimento do contrato de trabalho.
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Embora Nasser afirme que, se há condenação, é porque houve dano, há profissionais que acreditam que o tema tenha sofrido uma banalização no Judiciário. Na visão de Brandalise, “temos um exagero de que tudo virou dano moral”, e o pedido virou praxe nas ações trabalhistas. Percepção similar tem a advogada Gláucia Soares Massoni, que acredita que há trabalhadores que tiveram, sim, seus direitos violados e também maus empregadores, “mas há também aqueles que entram com ações com pedidos infundados, numa espécie de ‘vai que cola’”.
Gláucia também aponta a crise econômica como “responsável” pela enxurrada de processos trabalhistas sobre dano moral que correm na Justiça brasileira. Segundo a advogada, a instabilidade econômica gera um aumento da demanda, e que um panorama econômico estável deixaria o fluxo de reclamações trabalhistas menor.
Para ela, muitos cidadãos, após serem demitidos, encontram-se numa situação sem possibilidade readequação ou aperfeiçoamento para a reinserção no mercado de trabalhado e enxergam no processo trabalhista a chance de se manter por algum tempo.
“Diante da crise econômica, as pessoas acabam, independentemente de terem o direito lesado ou não, ingressando com uma reclamatória trabalhista para tentar obter um benefício. ‘Se colar, colou’. Elas contam com a sorte e também com a desorganização da empresa”, que, de acordo com Gláucia, muitas vezes não tem provas ou testemunhas suficientes para afastar a alegação de assédio moral.
Essa banalização do dano moral, para a jurista, é bastante negativa para aqueles que realmente passaram por situações constrangedores. Como muitos pedidos do gênero são ajuizados e a tendência é de haver condenação, os valores da indenização acabam sendo muito baixos e prejudicam quem, de fato, deve ser reparado.
Uma das justificativas utilizadas por aqueles que defendem a reforma trabalhista é que a mudança legislativa desafogaria o sistema Judiciário, posição rebatida por Nasser e Brandalise.
“São situações resolvidas no dia-a-dia, não com a lei. A não ser que a lei coloque que não tem mais pagamento de hora extra, intervalo ou dano moral. Acredito, talvez, que até piore”, diz Brandalise. Isso porque uma das propostas da alteração legislativa prevê a validade de acordos individuais de trabalho, que, na opinião do advogado, “muitas vezes não são acordos, e sim uma imposição”. Esse ponto, para ele, pode gerar ainda mais ações. Para Nasser, “o que vai desafogar o Judiciário é exigir que os direitos previstos no contrato de trabalho sejam cumpridos”.
Já Gláucia acredita que ainda é um pouco precipitado falar sobre a reforma, mas que há pontos do projeto que poderiam, sim, diminuir o número de ações judiciais. Um exemplo é a alteração do artigo 844 da CLT. Atualmente, o dispositivo prevê que o não-comparecimento do reclamante – ou seja, aquele que entra com a ação – à audiência implica no arquivamento da ação. Pela proposta, ao reclamante faltoso recairia a obrigação do pagamento das custas processuais.
O que acontece hoje, de acordo com a advogada, é que, justamente devido à banalização das ações trabalhistas, muitos empregados acionam a Justiça no “impulso”. Como vários deles têm o benefício da justiça gratuita e “não têm nada a perder”, muitas vezes sequer aparecem na audiência, onerando o Estado e a empresa processada.
Colaborou: Mariana Balan.
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