Uma lei aprovada no Senado autoriza que usuários de drogas e dependentes químicos sofram internação involuntária por parte do poder público ou da família. Essa é uma das mudanças no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. No entanto, a medida tem causado controvérsia: o que deve prevalecer, o direito à vida ou à liberdade?
Para o especialista em Direito da Medicina e professor da Universidade Positivo (UP) Gabriel Schulman, do ponto de vista legal, no Brasil só é possível tirar a liberdade de alguém para punir ou para tratar.
“A minha preocupação é até que ponto essas mudanças vão dar conta, porque a lei fala em desintoxicação. O que faz a pessoa usar a droga, não é a droga. A questão não é tratar a droga, mas de atender a pessoa, as necessidades que fizeram fazer o uso nocivo”, explica.
Schulman entende que a internação sem o consentimento deve ocorrer em casos específicos, com o único objetivo de tratar a saúde do dependente.
“Internação forçada significa, estritamente, a restrição à liberdade da opção do tipo de tratamento. É medida que, a princípio, não se justifica. A finalidade tem que ser protetiva, não de segregação. Ao longo do tratamento eu tenho que assegurar a liberdade máxima possível”, comenta.
Para ele, a pessoa pode e deve ter acesso ao plano individual de atendimento – uma novidade na lei, que prevê avaliação multidisciplinar, objetivos e atividades de reintegração social com a participação de familiares ou responsáveis.
O especialista alerta sobre a possibilidade da família ter a decisão sobre o que fazer com o dependente. “A gente está tratando o usuário ou se livrando de um incômodo. Quanto mais você invade [a liberdade], mais tem que proteger. Em alguns casos cabe internação? Sim, mas nem sempre”, explica.
Pesquisa sobre usuários de drogas
Uma pesquisa de campo realizada entre 2008 e 2010 pelo professor de direito penal e criminologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Carlos Roberto Bacila mostrou como são as ocorrências policiais em Curitiba.
Segundo Bacila, em 90% dos casos, dependentes químicos cometiam pequenos delitos para alimentar seu próprio vício. "Só que, na estatística, essa pessoa é presa como traficante de droga. A nação toda vai pensar 'mais um traficante sendo tirado de circulação'", explica.
O professor defende que delegacias tenham equipes de plantão com equipe multidisciplinar, de assistentes sociais a médicos, para que a dependência química possa ser atestada logo após a abordagem policial e a pessoa detida seja encaminhada para tratamento especializado.
Pelo projeto aprovado no Senado, a internação involuntária pode ocorrer em três casos: a pedido da família, de um servidor público ou assistente social. O prazo máximo é de 90 dias - o tratamento pode ser interrompido a qualquer momento.
Contudo, a avaliação deve incluir o tipo de droga, o tempo de uso, a comprovação e outras medidas terapêuticas. A lei ainda prevê que o ministério público e a defensoria pública sejam informados em 72 horas sobre as internações.
Internação involuntária
Para a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), Sabrina Presman, a internação involuntária deve ser realizada em casos específicos e acompanhada, de perto, pelas autoridades.
“É uma forma de preservar à vida, sem dúvida. Deixar uma pessoa se matando, sem condições psiquiátricas, sem autopreservação, sem tratamento, isso sim é afronta aos direitos humanos.”
Sabrina pondera sobre a aplicação em situações de extrema gravidade. “Não é pra qualquer paciente, uma modalidade pra internar uma pessoa que não queira. É uma forma de salvar a vida dela quando não tem condição, seja pela doença psiquiatra, seja pelas drogas”, opina.
A presidente da associação lembra que o consumo de drogas lícitas, como tabaco e álcool, prevalece no Brasil, e o tipo de droga que mais mata. Porém, chama a atenção para as drogas ilícitas. “Isso não significa que crack, cocaína e maconha não sejam um problema. Elas [as drogas] também causam problemas de saúde, de reinserção social. Tem potencial destruidor”, reforça.
Pena para tráfico de drogas
O projeto ainda aprovou outros pontos ligados ao tráfico de drogas. Uma delas é a pena mínima para o traficante, que passa de 5 para 8 anos – a máxima permaneceu em 15 anos.
Pelo novo texto da lei, quando o acusado não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou, então, se a quantidade de drogas apreendida demonstrar menor potencial lesivo, a pena poderá ser reduzida de um sexto a dois terços, de acordo com a avaliação do juiz.
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