Demissão coletiva sem a ajuda do sindicato é suspeita e deve ser investigada, mesmo que a reforma trabalhista tenha previsto o contrário. Foi essa a argumentação exposta pela juíza Valeria Pedroso de Moraes, da 8ª. Vara de São Bernardo do Campo para suspender, em caráter liminar, a demissão de 66 professores da Universidade Metodista, em São Paulo. Essa decisão poderá ter o mesmo fim de outra que foi suspensa no Tribunal Superior do Trabalho (TST), no último 5 de janeiro, mantendo demissões em instituição de Porto Alegre.
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De acordo com o sindicato da categoria, o Sinpro ABC, autor da ação, foram demitidos 50 docentes de ensino superior e 16 de educação básica. A entidade alega que os dispensados eram, em sua maioria, mestres e doutores, com mais tempo de trabalho na universidade e altos salários.
Segundo a magistrada, mesmo que as demissões tenham sido possíveis pelo artigo 477-A, incluído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a reforma trabalhista (Lei 13.467 de 2017) – que dispensa a autorização prévia de sindicato para realizar demissões –, a demissão sem negociação com a entidade sindical causa “impacto expressivo”.
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“Não obstante viabilizada em razão do quanto disposto no artigo 477-A da CLT, incluído no diploma legal por força da Lei 13467/2017, referida dispensa coletiva teria sido implementada sem qualquer negociação prévia com a entidade sindical ora requerente, causando impacto expressivo na região, tanto socioeconômico, como na qualidade do ensino oferecido à sociedade”.
Para ela, existe nas demissões uma lógica que leva à “concentração e centralização de comunidades”. Ela discorda da lei aprovada e interpreta que, no caso, “por se tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por consequência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s)”.
O artigo 477-A da CLT diz:
“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”
Além de suspender as demissões, a juíza determinou que a universidade informe quantos docentes seriam dispensados futuramente. Ela decretou ainda multa de R$ 10 mil a cada empregado demitido sem negociação com o sindicato.
Procurada, a Universidade Metodista informou que prefere não comentar o caso.
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Análise
Em realidade, nenhuma lei brasileira previa explicitamente a necessidade de negociação prévia com entidade sindical em demissões individuais ou coletivas. A Justiça do Trabalho passou a considerar assim desde 2009, a partir de uma interpretação do inciso III ao artigo 8º da Constituição Federal que delegava ao sindicato “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
A decisão judicial de exigir a mediação sindical se apoiava ainda em outro entendimento, nascido também nos tribunais, sem respaldo em lei, do inciso I ao artigo 7º da Constituição Federal. O dispositivo elenca, entre os direitos dos trabalhadores, a proteção do empregado contra “despedida arbitrária ou sem justa causa”, prevendo a necessidade de uma lei complementar para concretizar como isso seria feito, mas essa norma nunca foi criada.
À luz do artigo 7º., o professor Nelson Mannrich, titular de Direito do Trabalho na USP, explica que, como a reforma trabalhista é uma lei ordinária, caso houvesse uma lei complementar prevendo a necessidade de negociação prévia com o sindicato em casos de demissões coletivas, a juíza de São Bernardo do Campo estaria correta, mas não é a realidade.
“Por um lado, não existia lei que previa negociação com sindicato, e essa prática antes da reforma trabalhista era apenas uma decisão da Justiça do Trabalho, um entendimento. Agora, a nova lei afirma que não é preciso ter negociação com entidade sindical. O juiz não deveria acatar uma decisão judicial, que não equivale a uma lei complementar, porque agora surgiu uma lei que determina expressamente o fim desse entendimento judicial”, explica Mannrich.
Esse foi ainda o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ao manter a demissão de 150 professores de uma das maiores universidades de Porto Alegre. Nesse caso, como na decisão contra a Universidade Metodista, foi concedida liminar pelo juiz de 1º grau suspendendo as demissões, determinação mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª região e corrigida pelo TST.
De acordo com o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, autor de correição parcial feita ao acórdão do TRT4, o entendimento de que a Constituição no artigo 8º exigia a negociação coletiva prévia à demissão em massa foi superado tanto pelo artigo 477-A da CLT quanto por outra decisão do pleno do TST, em julgamento de 18 de dezembro de 2017.
Em sua decisão para a instituição de ensino gaúcha, o ministro citou que as autoridades dos tribunais insistem em não cumprir a jurisprudência atual do TST e a reforma trabalhista. Por isso, como para ele a decisão foi tomada “ao arrepio da lei e do princípio da legalidade”, recomendou a intervenção da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho para restabelecer “o império da lei”.
Outros casos
Essa não é a primeira vez que um juiz decide de forma contrária ao previsto na reforma trabalhista. Desde a entrada em vigor da nova lei, vários magistrados têm questionado sua aplicação.
Um dos casos mais divulgados foi o de um juiz que reverteu uma demissão em massa de mais de 100 funcionários de um grupo hospitalar da capital paulista, acatando pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio de ação civil pública.
A reação de um grupo de juízes contra a reforma já era esperada. Em outubro do ano passado, um grupo de juízes e procuradores do trabalho aprovou um documento com 125 enunciados contrários à reforma trabalhista. No textos, eles sugeriram como se deve interpretar e aplicar (ou não) pontos da reforma nos tribunais.