No atual contexto brasileiro, de crise política, institucional, orçamentária e de ameaças a direitos trabalhistas e previdenciários, ganha relevância a discussão acerca das medidas de contenção e economia autorizadas pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) no que se refere aos servidores públicos.

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 Deve-se ressaltar que o não pagamento de salário ou o descumprimento da obrigação de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos não estão entre as medidas autorizadas pelo ordenamento jurídico. Todavia, é relativamente comum a Administração Pública incorrer em algum desses equívocos sob a escusa de que supostamente estaria respaldada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Ledo engano. 

 A revisão geral anual, consagrada no inciso X do artigo 37 da Constituição da República, é o direito garantido a todos os servidores públicos de terem protegida sua remuneração mediante a reposição do valor da moeda, a fim de que seja preservado o vencimento básico fixado com base em outros padrões monetários. 

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 Embora prevista desde a redação originária da Constituição de 1988, somente com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, é que foi garantida a periodicidade anual da revisão geral, sempre na mesma data e sem distinção de índices. 

 É preciso ficar claro que a revisão geral anual, instituto contemplado na parte final do inciso X do artigo 37, difere do reajuste de remuneração e subsídio previsto na primeira parte do mesmo dispositivo constitucional. No caso do reajuste, que somente poderá ser feito mediante edição de lei específica e observada a iniciativa privativa em cada caso (Executivo, Legislativo ou Judiciário), o que se busca é, efetivamente, um aumento do padrão remuneratório, e não mera reposição das perdas inflacionárias. 

 As diferenciações entre revisão geral e reajuste de remuneração foram bem definidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3599/DF, mais precisamente delineadas nos votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Carlos Ayres Britto, este tendo salientado que “ou o instituto é da revisão, a implicar mera reposição do poder aquisitivo da moeda (...) ou será reajuste – que eu tenho como sinônimo de aumento”. 

 Essa distinção entre reajuste e revisão geral anual de remuneração é fundamental para que seja desfeito o mito de que, em um cenário de grave crise econômica e financeira, seria facultado à Administração Pública deixar de pagar o vencimento básico dos servidores previsto em lei ou, ainda, descumprir a obrigação constitucional de revisão geral. 

 Com efeito, quando se atinge o chamado limite prudencial de gastos, deve haver a redução, em pelo menos 20%, das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, ou, ainda, a exoneração de servidores não estáveis (artigo 169, parágrafo 3º, da Constituição Federal). Somente se tais medidas não forem suficientes para respeitar o limite de gastos, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que respeitadas as condições do artigo 169, parágrafo 4º, da Constituição. Ou seja, ainda que se chegue ao extremo da perda de cargo de servidor estável, não há previsão alguma de não pagamento de remuneração. 

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 Outrossim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 22, parágrafo único) elenca uma série de vedações que devem ser observadas por cada órgão ou poder quando o limite prudencial de gastos é atingido, dentre as quais se encontram, por exemplo, a concessão de reajuste de remuneração, criação de cargo, emprego ou função, ou, ainda, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, bem como o provimento de cargos. 

 Todavia, como não poderia deixar de ser, nem a Constituição Federal, tampouco a Lei de Responsabilidade Fiscal autorizam a Administração a deixar de pagar a remuneração de seus servidores. Se assim fosse, em um cenário de dificuldades econômicas, bastaria o administrador invocar essa justificativa para descumprir o pagamento de uma remuneração prevista em lei. 

 No que tange à revisão geral anual, merece realce a disposição do inciso I do parágrafo único do artigo 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse comando legal, ao passo em que veda a concessão de reajuste (aumento) remuneratório durante o período de contenção, garante expressamente a manutenção do direito ao instituto jurídico da revisão. Nesse aspecto, agiu bem o legislador pois, conforme mencionado, a revisão destina-se apenas à reposição das perdas inflacionárias de determinado período, e não a um aumento do padrão remuneratório propriamente dito. 

 Por óbvio, não seria lógico, tampouco prudente, conceder qualquer tipo de vantagem ou aumento de remuneração a servidores de determinado órgão ou poder quando a Administração atinge o limite prudencial de gastos. Porém, a simples reposição do poder aquisitivo da moeda não encontra vedação alguma na Lei de Responsabilidade Fiscal – ao contrário, a permissão é expressa – a fim de evitar a corrosão indevida da remuneração em virtude da inflação. 

 Portanto, conclui-se que não subsiste razão para se supor que a Lei de Responsabilidade Fiscal autorizaria o não pagamento da remuneração dos servidores públicos ou a inobservância do dever constitucional de revisão geral anual, de sorte que a norma elenca outras providências a serem observadas pela Administração. 

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 Rudi Cassel, advogado especialista em Direito do Servidor e sócio fundador do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados