Enquanto o Congresso debate a criação da Lei da Palmada, pais que agridem filhos já estão sendo presos e deverão responder à Justiça por crimes listados na Lei Maria da Penha (11.340/06). Em vigor há cinco anos, ela prevê, entre outras, punições à violência doméstica e familiar. Aplicada até então para proteger mulheres vítimas de companheiros agressores, está ganhando novas interpretações. No mês passado, um homem de 37 anos foi preso em Maceió (AL) por ter batido na filha de 10 anos. O delegado Antônio Carlos Lessa enquadrou o servente com base na Lei.
O agressor foi denunciado pela ex-mulher. De acordo com ela, a menina ficou machucada e assustada com a agressão praticada pelo pai, na casa onde ele mora com a companheira. O acusado confessou e disse à polícia que deu as chineladas na vítima para repreendê-la por estar fazendo fofocas e provocando desentendimentos entre ele e a atual mulher. O caso foi encaminhado para a Delegacia dos Crimes contra Criança e Adolescente.
Para alguns especialistas em direito de família, como o advogado Rolf Madaleno, a Lei Maria da Penha, quando proíbe companheiros violentos de se aproximar das mulheres, pode também ser usada como instrumento preventivo para impedir que pais agressores permaneçam perto das crianças. A medida funcionaria, antes de mais nada, como uma forma preventiva de proteção e salvaguarda da família e de qualquer dos seus membros, seja o homem, a mulher ou os filhos em situação de vulnerabilidade, explica.
A ideia, ressalta o advogado, seria a de estender a competência do juiz criminal, a quem cabe julgar os casos de agressão, também ao juiz de família. A vítima de violência muitas vezes quer se livrar das ameaças e agressões, afastando-se dos companheiros violentos, sem que para isso tenha de ingressar com um processo criminal, quando o crime estiver consumado. O juiz de família, pela especialidade e pelo conhecimento de causa, tem mais condições de mensurar estas situações do que o juiz criminal."
Família
Na Argentina, pesquisas mostram que as mulheres denunciam os companheiros depois de terem sofrido violência ao menos nove vezes, seja física, moral, psicológica ou sexual. "No Brasil isso não é diferente. E quase sempre envolve também os filhos. Se bem usada, sem arbitrariedade ou abuso, a Lei Maria da Penha teria resultados mais abrangentes e eficazes no seu objetivo principal, que é o de coibir a violência doméstica e familiar, mecanismo não previsto, por exemplo, no Código Civil, defende Madaleno.
Outra opção de proteção dos filhos estaria no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas como recurso tardio e traumático, que muitas vezes leva a criança a se afastar do ambiente familiar e não os pais agressores, aponta a psicóloga Patrícia Lima Cardozo. De acordo com o inciso 11 do artigo 136, cabe ao Conselho Tutelar a representação no Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar somente após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural."
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Uma mudança recente acrescida ao estatuto pela Lei 12.415/11 também determina o afastamento do agressor em caso de maus-tratos, abuso sexual ou opressão, e estabelece o pagamento de pensão alimentícia aos filhos dependentes. Como lembra o vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ariel de Castro Alves, existem vários mecanismos de proteção. O importante é que as ações sejam integradas ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, por meio das Varas da Infância e Juventude e dos Conselhos Tutelares."
Acordo prevê ações de divulgação
Até 25 de novembro de 2012, Dia Internacional de Não Violência contra Mulher, órgãos do Executivo e do Judiciário terão como missão reforçar a conscientização da sociedade brasileira sobre a importância da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Essa é uma das ações previstas no acordo de cooperação técnica assinado no início do mês durante a 140ª sessão ordinária do plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Objetivo é estimular a denúncia e reduzir o número de mortes e agressões.
Entre 1998 e 2008, pelo menos 42 mil mulheres foram assassinadas no país, 70% delas em casa, segundo dados da Ouvidoria da Secretaria de Políticas das Mulheres. Os números mais recentes das principais pesquisas sobre violência dão conta de que seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher vítima de violência doméstica. O medo continua sendo a razão principal (68%) para evitar a denúncia dos agressores. Em 66% dos casos, os responsáveis pelas agressões foram os próprios maridos ou companheiros.
Cada instituição deverá elaborar, no prazo de 30 dias, um plano de trabalho prevendo ações específicas em cada instituição para divulgação das leis. Os órgãos do Judiciário deverão avaliar, por exemplo, os entraves que dificultam o andamento de processos de violência doméstica na Justiça e adotar mecanismos para tornar mais célere o julgamento dos casos. São previstas ainda atuações conjuntas entre a Secretaria de Políticas das Mulheres, Ministério Público, Defensoria Pública, CNJ e os Tribunais de Justiça. Os resultados deverão ser apresentados em novembro de 2012.
Para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, além dos mecanismos punitivos estabelecidos pela Lei Maria da Penha é necessário combater o preconceito da sociedade para que se mude a "cultura" da violência doméstica. "As leis não são suficientes para mudar questões arraigadas na nossa cultura. É mais fácil derrubar um governo do que mudar a cultura de um povo. É preciso políticas públicas que vençam os preconceitos, principalmente interpretações preconceituosas de operadores do Direito."
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