A maioria das pessoas acredita que qualquer conversa com o advogado permanecerá confidencial. Mas se ela acontecer no telefone da prisão de Nova Orleans, no Sul dos Estados Unidos, pode ser usada como prova de algum crime.
Um preso que aguardava julgamento por acusações relacionadas a drogas mencionou a seu advogado que havia acabado de passar por um processo de desintoxicação.
A ligação foi gravada na delegacia e sua declaração foi usada para provar que uma agulha que o detento carregava consigo no momento em que foi preso servia para o uso de drogas ilícitas, de acordo com seu advogado, Thomas Frampton. Ele foi condenado por posse de acessórios de drogas.
"Acabou sendo a evidência crítica", disse Frampton, que na época era defensor público em Nova Orleans e agora é professor na Faculdade de Direito de Harvard. Frampton opôs-se à inclusão desta prova, mas o juiz discordou.
As conversas entre os réus e seus advogados sobre o caso normalmente são protegidas, desde que não haja nenhuma discussão sobre algum futuro crime, a perpetuação do atual ou em caso de atos fraudulentos. Essa privacidade, conhecida como privilégio entre advogado e cliente, é garantida pela Quinta Emenda da Constituição americana, contra a autoincriminação, e pela sexta emenda, o aconselhamento legal.
Em alguns lugares, no entanto, pode ser difícil realizar essas conversas tão cruciais para a defesa do preso.
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Nova Orleans é um deles, onde todas as chamadas feitas pelos presos da cadeia para o celular de seu advogado – e para quase qualquer outro lugar – são registradas e arquivadas em um sistema que pode ser acessado por agentes da lei. Como resultado, se um réu fala ao seu advogado sobre provas contra ele, ou sobre o tipo de acordo que ele estaria disposto a aceitar, pode estar sendo escutado por algum promotor.
Esta prática é destacada em um relatório do Court Watch Nola, grupo sem fins lucrativos que exige que delegados parem de gravar qualquer chamada entre os presos e seus advogados, ainda mais em uma cidade onde o sistema de justiça criminal já está esgarçado. Os defensores públicos de Nova Orleans estão sobrecarregados, com um dos maiores volumes de trabalho no país, no estado que tem a maior taxa de encarceramento dos EUA.
O promotor do distrito, Leon A. Cannizzaro Jr., está sendo processado por ter utilizado falsas intimações para coagir testemunhas a falar, e enfrenta a acusação de que algumas testemunhas que estavam relutantes em cooperar foram parar na cadeia.
"Onde o privilégio entre advogado e cliente é subvertido também ocorre a subversão da função do sistema legal pela busca da verdade", conclui o relatório.
Assessores do delegado e do promotor local defendem a vigilância das ligações. Nas chamadas feitas da prisão, há um aviso que diz que a conversa está sujeita à gravação e monitoramento. Deste modo, as pessoas têm ciência que a conversa não é privada ou privilegiada, argumentam eles. No ano passado, o delegado adotou um sistema permitindo que ligações para o telefone fixo do advogado do detento não fossem gravadas, isso quando o advogado apresentar uma declaração indicando seu número de telefone.
E, dizem eles, os advogados podem sempre ir até a cadeia para conversar pessoalmente com seus clientes.
Na opinião dos advogados de defesa criminal em Nova Orleans, no entanto, toda essa história é para esconder alguma coisa: a maioria daqueles que representam os presos são defensores públicos sobrecarregados que lidam com até 150 casos ao mesmo tempo. A noção de que podem, vez ou outra, dar um pulo na prisão para ver um cliente – ou mesmo a ideia de que estarão disponíveis no telefone fixo quando algum liga da cadeia – é absurda.
Alguns advogados criminais largaram os telefones fixos há muito tempo e só usam celulares.
"Eu não sei de um único advogado que ainda tenha um telefone fixo", disse Nandi Campbell, advogada criminalista na cidade. Alguns anos atrás, durante a audiência de um caso que ela defendia, Campbell se aproximou do promotor e fez uma proposta de acordo, embora ela e seu cliente tivessem expressado que preferiam aceitar uma sentença mais longa.
"Ele me disse que sabia o número real que eu e meu cliente havíamos discutido. Foi assim que eu soube que ele estava escutando nossas ligações. Fiquei assustada", recorda-se Campbell.
Clientes presos já estão em desvantagem quando se trata do planejamento de sua defesa. Os detentos têm menos possibilidades de ajudar os advogados a encontrar testemunhas ou a reunir outras informações. E como estão encarcerados e sem trabalho, enfrentam maior pressão para se declararem culpados, além de ter menos dinheiro para financiar um advogado particular.
Ken Daley, porta-voz de Cannizzaro, recusou-se a especificar a frequência com que os promotores ouvem as chamadas dos clientes nos celulares de seus advogados, mas afirmou que “qualquer chamada que esteja sob monitoramento e sendo gravada faz parte de um jogo justo". Daley disse que o aviso que é vinculado no início dessas chamadas dos detentos constitui "uma renúncia voluntária que interrompe o privilégio" para qualquer pessoa na ligação.
"Se os defensores públicos estão reclamando que acham inconveniente visitar seus clientes na cadeia (eles têm acesso livre a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana, inclusive) ou utilizar o protocolo de não monitoramento das chamadas (e, portanto, privilegiada) emitido pelo delegado, talvez estejam no trabalho errado", disse Daley em um e-mail. E acrescentou que é "extremamente raro" que as ligações da prisão entre cliente e advogado sejam usadas como prova.
Especialistas dizem que o governo é obrigado a fornecer aos réus um acesso razoável às conversas privadas e privilegiadas com seus advogados, embora não seja precisamente definido o que seria um "acesso razoável".
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Os procedimentos processuais similares aos de Nova Orleans enfrentaram desafios legais em outros lugares quando os tribunais decidiram que esses atos restringiam o acesso dos clientes a seus advogados de maneira nada razoável, disse Peter Joy, professor de Direito da Universidade de Washington que estudou monitoramento governamental de comunicações entre advogado e cliente.
"Caso contrário, você coloca um defensor público que já está sobrecarregado em uma sinuca de bico. Você só consegue discutir o que está acontecendo com seu cliente por telefone, e muito provavelmente por celular. Desta maneira ele será penalizado por ter sido aberto e franco nas discussões com o advogado", disse Joy.
A maioria das prisões americanas não grava as ligações entre advogados e clientes, ou possui mecanismos para apagar essas chamadas sem que ninguém as ouça, acrescentou ele.
Ainda assim, Nova Orleans não está sozinha. O Court Watch Nola fez um levantamento em outras 47 prisões por todo o país e descobriu oito que gravavam as ligações deste tipo: Salt Lake City; Minneapolis; Tulsa, Oklahoma; Boston; Frankfort, Kentucky; Columbia, Carolina do Sul; Annapolis, Maryland; e Concord, New Hampshire.
Blake Arcuri, conselheiro geral do escritório do delegado do distrito da cidade, disse que é um dos poucos da Louisiana que permite que algumas chamadas não sejam gravadas. Arcuri reconheceu que existem inconvenientes na ida dos advogados de defesa à prisão para encontrar seus clientes, mas defendeu a política de monitoramento, citando preocupações acerca de intimidação e risco que as testemunhas possam enfrentar. Um advogado poderia entregar o celular para alguém que poderia receber instruções de um detento, disse ele.
Dane Ciolino, que ensina Ética Jurídica e Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Loyola New Orleans, disse que era "ridículo" a cadeia exigir que os advogados passassem por situações como essas, embora não fique claro esta seria uma violação do direito constitucional à atuação de advogados.
Segundo Ciolino, por conta das enormes cargas de trabalho e tempo limitado dos defensores públicos, seria o caso de dar "acesso razoável" a conversas privilegiadas entre preso e advogado em todas as chamadas.
Agora, disse ele, quando os detentos ligam para seus advogados no celular, ao invés de discutir provas ou estratégia de defesa, eles quase fazem o oposto.
"Isso coloca o advogado de defesa em uma posição desconfortável", concluiu Ciolino.
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