No início de maio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) introduziu a cannabis sativa, uma das espécies de planta da maconha, na lista de Denominações Comuns Brasileiras (DCB) com interesse para a indústria farmacêutica. Na prática, é como se a cannabis fosse uma planta recém-descoberta que ganha um primeiro registro no Brasil. Muitas dúvidas surgiram com a decisão da Agência, especialmente porque tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que está discutindo a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal. Seria este um passo rumo à descriminalização?
No início de abril, a rede Jama de psiquiatria publicou um estudo sobre a relação entre o uso de “maconha medicinal” e a prevalência de uso recreativo da droga nos Estados Unidos, onde 28 estados já têm leis regulando o uso medicinal da substância. O artigo chega à conclusão de que, nos últimos 25 anos, nos estados americanos onde houve a aprovação e regulamentação do uso medicinal de maconha, houve também um aumento maior do uso ilícito de maconha e de problemas relacionados ao consumo da droga, quando comparado aos números dos estados onde o uso medicinal continua proibido.
Leia também: Legalização das drogas é rejeitada pela maioria da população brasileira
“Há inúmeros estudos que mostram que a diminuição da percepção de risco antecede a descriminalização das drogas e a descriminalização opera para diminuir ainda mais essa diminuição. Nessa estratégia, a assim chamada ‘maconha medicinal’, o segundo passo é a maconha recreativa, e depois libera tudo. É exatamente o que a indústria do tabaco fez há um século”, explica Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (ABEAD). Entre essas pesquisas, o médico destaca o Monitoring the Future, ligado à Universidade de Michigan, nos EUA.
“A indústria da maconha tem como estratégia publicitária diminuir a percepção de risco da maconha. Embora eu entenda que a Anvisa está entrando no jogo da indústria, a nova norma da agência, em si, está adequada, porque há evidências de alguns derivados da maconha e isso deve ser pesquisado”, diz Ramos.
Uso de drogas
O advogado Cristiano Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), explica que a decisão da Anvisa não tem efeitos sobre a configuração do delito de posse ou tráfico de drogas. “Na prática, não muda nada, porque o THC, que é o princípio ativo que produz a psicoatividade, continua previsto na lista de substâncias proscritas”, diz. “O fato de a maconha ter sido considerada uma planta com potenciais terapêuticos pode ser algo bom, mas por si só não afeta a questão em discussão no STF”, completa.
A Lei 11.343/2006, chamada Lei de Drogas, prevê, em eu artigo 1º, que “para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Essa substâncias são listadas nos anexos finais da Portaria 344 da Anvisa, atualizada periodicamente.
Decisão da Anvisa
Até a recente decisão da Anvisa, a cannabis era listada como uma planta proscrita (proibida) no Brasil. Agora, ela muda de roupagem jurídica e passa a estar disponível para pesquisas. Isso abre a possibilidade de a indústria e universidades começarem investigações científicas com essa planta. Para um fabricante fazer o registro de um medicamento na Anvisa, por exemplo, as substâncias que compõem o remédio precisam fazer parte das DCB.
Se a cannabis, depois de entrar para as DCB, tiver as propriedades medicinais reconhecidas, ela poderá ingressar na Farmacopeia brasileira, que é um compêndio com detalhes sobre a forma de fabricação de medicamentos e seus padrões de qualidade para que possam ser registrados no Brasil. Na prática, isso seria um segundo passo, mais demorado, na pesquisa, produção e aprovação de remédios no país.
Evidências
“Em termos médicos, começam a brotar evidências de que alguns derivados isolados da maconha, particularmente os canabidiois CB1 e o CB2, podem ter algum efeito benéfico na esclerose múltipla”, explica Sérgio de Paula Ramos. “Mas chamar isso de ‘maconha medicinal’ é um golpe mercadológico da indústria da maconha. Por exemplo, existe um derivado do veneno da jararaca que é usado para a pressão arterial, e nem por isso se fala em ‘jararaca medicinal’ por aí”, compara o médico.
Renato Filev, doutor em neurologia do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD) da Universidade Federal Paulista (UNIFESP) destaca outras descobertas de pesquisas recentes, além dos benefícios para a esclerose múltipla. “Estudos clínicos de fase 2 ou 3, em que já há a comercialização de medicamentos vinculados às pesquisas, mostram efeitos para dores do tecido nervoso, para redução de náusea e vômitos em decorrência de quimioterapias”, afirma.
“Existem evidências, porém mais fracas, do potencial benefício da cannabis para a insônia, doenças do trato urinário, doenças do trato intestinal, doenças do metabolismo, para a ansiedade e para alguns casos de psicose”, diz Filev.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução 2113/2014, autoriza apenas a prescrição do uso compassivo do canabidiol, exclusivamente por neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras, para crianças e adolescentes portares de epilepsia que não respondam aos tratamentos convencionais. O CFM destaca ainda que “não há evidências científicas robustas sobre a segurança e eficácia do canabidiol, estando vedada a prescrição da maconha in natura para uso medicinal no país, o que é ilegal”.
De acordo com o CFM, “o uso compassivo ocorre quando um medicamento novo, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), pode ser prescrito para pacientes com doenças graves e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país”.
O CFM foi contado pelo Justiça & Direito, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.
Supremo
O STF discute, no RE 635.659, a constitucionalidade ou não do artigo 28 da Lei de Drogas, que prevê, entre outros, os crimes de porte e posse de drogas para uso pessoal. O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade do dispositivo, o que liberaria o porte e o uso pessoal de qualquer droga no Brasil.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin também votaram pela descriminalização, mas restrita à maconha. Em setembro de 2016, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto na queda de um avião em Parati no início deste ano.
O processo está parado e aguarda o voto do ministro Alexandre de Moraes, que herdou os processos de Zavascki.
Fim do ano legislativo dispara corrida por votação de urgências na Câmara
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Frases da Semana: “Alexandre de Moraes é um grande parceiro”
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais