Uma médica que atua em um serviço de ambulância no Rio de Janeiro se recusou a atender uma criança que estava engasgada, por não ser especializada em pediatria. O menino Breno Rodrigues Duarte da Silva, de 1 ano e 6 meses, acabou morrendo e o caso teve repercussão nacional. Mas, a justificativa da profissional – a falta de especialização para atender crianças pode não ser suficiente e ela terá de responder criminal e administrativamente.
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Segundo informações do jornal O Globo, a médica Haydee Marques da Silva estava se dirigindo para atender uma ocorrência com a equipe da ambulância quando recebeu um sinal vermelho que indicava que deveriam mudar o percurso e atender outro caso. Mas, ao chegar ao condomínio da família de Breno e saber que se tratava de uma criança, ela sequer desceu do veículo e se recusou a fazer o atendimento.
“Eu não sou pediatra e nem neurologista e se tratava de uma criança muito pequena com quadro neurológico”, afirmou a médica em depoimento. Ela argumentou que a família já estava sendo assistida por um serviço de homecare, que contava com uma técnica de enfermagem.
O Código Penal prevê no artigo 135 o crime de omissão de socorro, que ocorre quando alguém deixa de prestar atendimento tendo condição de fazê-lo. A pena é de detenção de um a seis meses ou multa. Em caso de morte, como o que ocorreu no caso de Breno, a pena é triplicada.
O jurista Luiz Flávio Gomes explica que para que seja configurado esse tipo de crime é preciso que fique comprovado que a médica tinha conhecimento da situação do paciente. “Se não existe dolo, consciência de que está se omitindo, não existe crime”, diz Gomes. Mas ele observa que não é necessário que o paciente tenha sido visto pela profissional. Se ela recebeu uma notificação de emergência, isso já pode ser um indício. “Uma chamada já é um princípio de conhecimento, aponta que ela já sabia da situação de perigo”.
Além do processo penal, a profissional também deve responder a um processo administrativo, no âmbito do Conselho Regional de Medicina (CRM). O Código de Ética Médica veda que um médico cause dano a um paciente por omissão, imprudência ou negligência. A mesma norma também proíbe que um profissional deixe de atender um paciente quando não houver outro médico ou serviço médico disponível.
Os processos criminal e administrativo correm paralelamente e a profissional poderá sofrer as duas condenações.
Outras situações em que médicos se recusaram a atender crianças tiveram diferentes desfechos. Vale observar que esses casos não se tratavam de atendimentos de emergência, mas de recusa no atendimento durante consultas. Os processos se deram na esfera administrativa e jurídica, com ação cível (dano moral).
Em 2016, uma pediatra gaúcha avisou a uma mãe que deixaria de atender seu filho por ela ser petista. O caso foi parar no CRM do Rio Grande do Sul, mas a denúncia foi arquivada. Os membros do conselho entenderam que não houve violação ética.
Outra possível consequência da negativa de atendimento é uma ação civil, requerendo indenização por dano moral. Em 2014, um médico de Rio Verde, Goiás, foi condenado pelo Tribunal de Justiça daquele estado a indenizar em R$ 10 mil reais uma mãe de uma paciente. O profissional interrompeu uma consulta e se recusou a continuar porque a mãe se desentendido com a secretária. “Demonstrada a dor, a angústia, o sofrimento e o desequilíbrio da normalidade psíquica causados pelo ato lícito, impõe-se a condenação pelos abalos morais”, indicou a decisão judicial.
Código Penal
Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Código de Ética Médica
Capítulo III
É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.
Capítulo VÉ vedado ao médico
Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.
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