Um projeto de lei que retira dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o poder em decisões individuais foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (5) e avançou no Senado.
Pelo projeto, as ações de natureza cautelar, liminar e similares serão decididas por maioria. Já a decisão monocrática do presidente da Corte só será aceita durante o recesso e em circunstância de excepcional urgência e, com a retomada das atividades normais, o plenário deve examinar a questão.
O projeto abre espaço para que mais decisões sejam em colegiado ao mesmo tempo que segue a linha da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 82/2019. A PEC, que também tramita na Casa, retira a concessão de liminar em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) por decisões monocráticas, além de alterar o pedido de vista e quórum de votação.
Proposta pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), a emenda à Constituição barra a possibilidade de um único ministro do STF conceder liminar para suspender lei ou decreto e joga a decisão para o colegiado.
Análise de liminar no STF
Na PEC, a concessão de liminar passa a ser analisada pelo colegiado e deve ter maioria de seis votos entre os 11 ministros. Além disso, a proposta estabelece o prazo de quatro meses para a análise de mérito – sob pena de perder a eficácia.
Ao justificar o projeto, o senador questiona o poder dado a um único ministro para suspendes efeitos de uma lei.
“Um único ministro não pode contrariar a decisão de todo o Congresso Nacional e do Presidente da República, por isso a importância de uma decisão colegiada para esses casos”, destaca.
Para Paulo Ricardo Schier, pós-Doutor pela Universidade de Coimbra e professor do Mestrado do UniBrasil, a grande maioria dos processos de controle de constitucionalidade giram em torno de debates que não são tão polêmicos, como vício de iniciativa e incompetência por violação do princípio federativo.
“Impor que todas as decisões sobre liminares sejam colegiadas, sem que essa medida seja acompanhada de uma revisão das competências do STF e outras providências, pode gerar o efeito imediato de inflar ainda mais a pauta e eventualmente paralisar a Corte”, explica.
Schier acredita que, embora seja uma medida interessante, dificilmente terá efeitos práticos. “Pela quantidade de feitos que chega ao STF mediante competência originária e recursal, dificilmente o tribunal conseguirá, na prática, dar conta de cumprir esse prazo”, afirma.
Sobre a decisão ser em colegiado, Adriano Camargo Gomes, professor de Jurisdição Constitucional da Universidade Positivo, diz que ministros como Fachin e Barroso já são a favor deste tipo de decisão no Supremo.
“É um dos grandes problemas ter excesso de protagonismo individual. Há decisões liminares que permanecem depois de 10 anos”, ressalta.
Gomes ainda alerta sobre outra alteração importante. Pelo projeto, o quórum de votação deve ser de maioria absoluta em processos que envolvam políticas públicas, suspensão de tramitação de projetos de lei, e criação de despesas para qualquer poder.
“É um tema que merece atenção da doutrina. Não toca no controle [de constitucionalidade], mas é interessante para esses processos”, comenta.
Ministro do STF terá menos poder
A PEC ainda traz outras mudanças sensíveis no quórum de votação do Supremo. A proposta quer evitar “decisões apertadas” e muda de seis para 8 o número de votos para aprovação nas análises de mérito envolvendo Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).
O texto da PEC propõe a mudança e justifica que as atuais decisões divididas não trazem “a estabilidade necessária à jurisprudência em tão sensível tema”.
“Se se quisesse melhorar a qualidade das decisões do STF, incrementando a colegialidade, o ideal não seria apenas aumentar o quórum da deliberação, mas, sim, substituir o modelo de decisão”, diz Schier sobre a Corte adotar atualmente o sistema de soma de votos.
“É um dos fatores que incentiva o individualismo, o subjetivismo e o personalismo. Então, o simples aumento do quórum não cumprirá o objetivo”, emenda.
Gomes acredita que, entre todas as mudanças propostas no projeto, a que altera o quórum para dois terços é a mais sensível e merece maior debate. Ele cita o regimento interno do STF e o quórum mínimo de instalação, de dois terços, e de deliberação, que é de maioria absoluta.
“Eu acho que merece uma reflexão mais cuidadosa. Às vezes a Corte pode estar sem alguns ministros. De um lado, pode dificultar a pauta e comprometer o controle de constitucionalidade”, justifica.
Pedido de vista no Supremo
O pedido de vista, aquele solicitado para analisar a matéria por mais tempo, também deve sofrer alterações de acordo com a PEC - a medida valeria para todos os tribunais e não apenas para o STF.
O pedido passa a ser concedido coletivamente, uma única vez, ou, por motivo justificado, por até quatro meses. Após o prazo, o processo volta para a pauta de julgamentos.
Gomes acredita que o pedido de análise ser concedido para todos ao mesmo tempo cria “pressão interna”, pois geralmente há pedidos sucessivos.
“Uma das principais críticas que o STF veem recebendo é justamente o fato de que uma liminar de um ministro sozinho pode produzir efeito contrário ao Congresso. E, de outro, com pedido de vista, um ministro obsta a decisão dos outros 10 sobre o tema”, conta.
O texto da proposta justifica a alteração porque “a forma como o poder judiciário tem aplicado as normas processuais permite o uso estratégico, por membros dos tribunais, do pedido de vista, para impedir a conclusão de julgamentos nos quais integrarão a minoria”.
No texto, o senador pede a alteração, pois “o pedido de vista representa verdadeiro poder de veto sobre a agenda do colegiado”.
Schier concorda com a mudança e ressalta a importância da medida proposta no controle de constitucionalidade. “Há muito [tempo] se denuncia o uso político dos pedidos de vista que acabam por possibilitar que ministros, de forma individual, lancem mão desse artifício como espécie de veto a determinadas decisões”, aponta.
Ações paradas no STF
Em fevereiro de 2017, o Supremo voltou a julgar a possibilidade de réus ocuparem a linha sucessória da Presidência da República, mas a discussão foi novamente interrompida depois do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O julgamento já havia sido suspenso em novembro, depois do pedido de vista do ministro do STF Dias Toffoli.
Outro caso ocorreu em setembro de 2018. À época, Ricardo Lewandowski pediu vista no julgamento de recurso da defesa de Lula. A análise do caso, que acontecia no plenário virtual, já contava com sete votos contrários ao recurso de Lula. Uma nova data de julgamento foi marcada, desta vez presencial, no plenário.
Deixe sua opinião