![MP pede a retirada de todos os oratórios em praças do Rio de Janeiro Oratório com imagem de Nossa Senhora Aparecida fica em praça do Leblon, na zona Sul do Rio de Janeiro (RJ). | Reprodução/Facebook Paróquia Santos Anjos - Leblon](https://media.gazetadopovo.com.br/2019/02/c168487bec91faa3b92d3c032d6f06ca-gpLarge.jpg)
Todos os oratórios construídos em praças públicas da cidade do Rio de Janeiro (RJ), instalados após o advento da Constituição de 1988, devem ser retirados. Novos altares do gênero também não pode ser erguidos. É o que pede o Ministério Público do estado (MP-RJ) em ação civil pública ajuizada contra o município. A justificativa do órgão é que as instalações ferem a laicidade do Estado, prevista constitucionalmente.
O que motivou a ação, de acordo com o MP-RJ, foi a construção, em 2017, de um oratório dedicado à Nossa Senhora Aparecida na Praça Milton Campos, no Leblon, em comemoração aos 300 anos do aparição da imagem da santa no Rio Paraíba. O altar, segundo o Ministério Público, deveria permanecer no local em caráter temporário, mas ainda está lá.
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A Paróquia Santos Anjos do Leblon afirma, em nota publicada no Facebook, que na ocasião da construção foram coletadas mais de mil assinaturas em abaixo-assinado, sendo que a autorização para a instalação do oratório foi publicada no Diário Oficial do Município. Fiéis se reúnem todas as terças-feiras, pela manhã, para rezar o terço na praça.
“A defesa da laicidade do estado do Rio de Janeiro é, acima de tudo, uma defesa do ethos democrático do próprio Estado Brasileiro”, escreveu o promotor de Justiça Pedro Rubim Fortes na Ação Civil Pública. Caso o município não cumpra a determinação, o MP-RJ pede a aplicação de multa diária de, no mínimo, R$ 20 mil.
A paróquia diz que vai “lutar até o fim na Justiça” contra o pedido do MP-RJ.
Estado laico ou ateu?
O embasamento do pedido do Ministério Público está no inciso I do artigo 19 da Constituição Federal, que traz que:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Professora da Faculdade de Direito da USP e sócia do Nelson Wilians & Advogados Associados, Maristela Basso explica o Estado laico é aquele que não tem uma religião oficial e, enquanto entidade abstrata, congrega todas as manifestações religiosas.
“O povo é livre para se manifestar religiosamente, desde que de modo pacífico, que mantenha a moralidade e a ordem pública”, afirma. Seria diferente, portanto, de um Estado ateu, que não admite a figura de um deus, não permitindo a presença de imagens ou manifestações religiosas do povo. Para Maristela, seria um “retorno brutal ao estado primitivo”.
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No mesmo sentido, o advogado constitucionalista Adib Abdouni afirma que o que a Administração não pode fazer é priorizar uma religião. Para ele, a simples presença de oratórios católicos em locais públicos não ofenderia a laicidade do Estado, pois a construção do altar na Praça Milton Campos, por exemplo, não foi autorizada em detrimento de outros símbolos religiosos.
Para Maristela Basso, o direito à livre manifestação religiosa caminha ao lado de outro princípio fundamental preconizado na Constituição de 1988, que é a liberdade de expressão.
“É uma afronta do Ministério Público que, diante de tantos problemas que temos que resolver e que estão sob o guarda-chuva do órgão, proponha-se a uma ação que vai contra os anseios da população e ainda toma tempo. O Ministério Público poderia se dedicar a questões constitucionais que estão abandonadas, como a proteção dos idosos, crianças, e a situação dos encarcerados. [A ação civil pública] demonstra uma falta de cultura e conhecimento do órgão, que não consegue visualizar a diferença entre Estado ateu e laico”, aponta.
Convicções da Gazeta do Povo: Liberdade de expressão
Por outro lado, a professora titular de Direito Administrativo da PUCPR Vivian Lopez Valle, especializada em Direito Público, concorda com o posicionamento do MP-RJ. No seu entendimento, o Estado não está proibido de promover espaços de espiritualidade, desde que não haja a promoção de uma religião específica, com símbolos que a identifiquem.
“O Estado é laico, então deve respeitar quem acredita e quem não acredita em Deus. Não vejo problema em haver espaços públicos de oração, meditação, desde que não vinculados a nenhuma crença. Nesse caso [do Rio de Janeiro], é um estímulo à religião católica, ainda que grande parcela da população brasileira seja católica”, avalia. “Se fosse um espaço sem imagens, não haveria problema. O problema é promover uma religião específica, pois aí deveria promover todas”, reforça.
Vivian lembrou do apertado julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a oferta de ensino religioso confessional em escolas públicas, que também tinha como questão central o Estado laico. Por 6 a 5, os ministros entenderam que essa modalidade de ensino não fere a laicidade, desde que ofertada, como já ocorria, em caráter facultativo.
Praça da Bíblia
O caso dos oratórios no Rio de Janeiro é similar envolvendo a polêmica da Praça da Bíblia, em Praia Grande (SP). Em agosto de 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou a prefeitura do município paulista a remover inscrições bíblicas de um monumento da cidade. A ação foi ajuizada pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea).
“Não se questione que o Estado laico não seja um Estado que deva reprimir as manifestações religiosas; apenas não deve subsidiá-las, posto que, se assim o fizesse, deveria fazer a todas as religiões, uma vez que é constitucionalmente proibida a escolha de uma só. O pluralismo e a liberdade de crença, portanto, nada tem de inconciliáveis”, escreveu o desembargador Marcelo Semer na decisão.
Especialistas consultados pela reportagem da Gazeta do Povo à época criticaram a decisão do TJ-SP. Marcelo Azevedo, estudioso na temática da liberdade religiosa e professor da Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi), disse que quando um princípio como o do Estado laico vai ser aplicado na prática, é preciso analisar todo o contexto da situação, sendo que o contexto brasileiro, de cultura, história e simbologia, é marcadamente cristão. Na ocasião, apontou que a cidade de Praia Grande também tem uma gigantesca estátua de Iemanjá, celebrada pelas religiões de matriz africana, que nunca foi considerada ofensiva.
Já o advogado Odacyr Prigol, da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-PR, lembrou que a laicidade pressupõe que o Estado não tenha uma religião oficial, não podendo favorecer qualquer tipo de denominação religiosa. Essa neutralidade, contudo, não significa que o Estado deva ser ateu.
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