Um menino de 13 anos foi ‘contratado’ por uma padaria para atuar como entregador de pães, sem anotação na Carteira de Trabalho (CTPS). A tarefa poderia até parecer simples, mas ele acabou sofrendo um acidente ao mexer em máquinas do setor de confeitaria do local, 17 dias após iniciar o trabalho. O garoto foi dispensado e recebeu apenas R$ 200 pelo tempo de serviço. Em junho, a Vara do Trabalho de Frutal (MG), condenou o estabelecimento por exploração de trabalho infantil.
Em sua defesa, a empresa alegou só ter contratado o garoto após ele insistir muito e sem qualquer tipo de oposição por parte da mãe dele. De acordo com os representantes da panificadora, o adolescente faltou várias vezes e não cumpriu o horário combinado. A jornada, inclusive, não seria controlada pelo fato de o estabelecimento ser uma microempresa familiar, com apenas cinco funcionários. Mesmo assim, a Justiça condenou a padaria a pagar todas as verbas trabalhistas devidas e indenização por danos materiais e morais, por causa do acidente sofrido pelo jovem e pela caracterização do trabalho infantil.
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Para o juiz Cláudio Delli Zotti, responsável pela ação, ainda que a ideia de que o trabalho do menor é benéfico seja muito forte na cultura brasileira, “deve-se ponderar que, por outro lado, o trabalho incipiente retira do menor o direito de gozar de forma plena a sua infância e, não raro, causa evasão escolar”. Na visão do magistrado, o trabalho infantil acaba “perpetuando o ciclo da pobreza”.
A proibição do trabalho infantil está presente tanto na Constituição Federal (CF) quanto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a legislação, é proibido o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de jovem aprendiz, a partir dos 14. Mesmo nesses casos, há restrições: a atividade não pode ser noturna, perigosa ou insalubre, e não deve prejudicar a frequência e o rendimento escolar do jovem.
Mesmo com o amparo legal, assim como afirmou o juiz Zotti na decisão de Minas Gerais, o trabalho infantil é uma realidade no país. Levantamento feito pela Fundação Abrinq com base em dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em março deste ano, o Brasil tem 2,6 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, em situação de trabalho infantil. E a fatia que vai dos 5 aos 9 anos vem crescendo: se, em 2014, 70 mil crianças incluídas nessa faixa etária trabalhavam, em 2015, o número saltou para 79 mil.
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Mariane Josviak, procuradora regional do trabalho que atua no Ministério Público do Trabalho da 9ª Região (MPT-PR), observa que a tendência é ouvir “no meu tempo era assim...” quando o assunto é trabalho infantil. Segundo a procuradora, trata-se de uma questão cultural presente desde a época dos índios e dos escravos, que depois passou pelos migrantes que para cá vieram no final do século XIX e início do século XX, quando os filhos dessas pessoas também ajudavam na lavoura. Hoje, porém, a prioridade deve ser a escola.
“O objetivo é fazer com que se rompa esse ciclo, que as pessoas entendam que seguimos uma legislação. Não adianta querer fazer diferente”, frisa Mariane, que ressalta que mesmo os trabalhos mais “inocentes”, como ajudar no negócio da família, são vedados. A exceção é o trabalho artístico infantil, possibilidade prevista na Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
A solução, na opinião da procuradora, é que haja maior atenção por parte do Poder Público, no sentido de dar mais oportunidades às crianças e adolescentes em relação à escola, com investimento em ações socioeducativas no contraturno escolar.
“Vamos fazer com que essa criança tenha acesso à informação, computadores, uma bolsa mínima, porque isso precisa mudar. Inclusive o próprio governo – municipal, estadual e federal – deveria contratar mais jovens aprendizes”.
É crime?
Por enquanto, a exploração do trabalho infantil não encontra tipificação penal. Caso a prática seja constatada, o empregador é autuado. “Às vezes, é possível enquadrar a atividade no crime de maus tratos, se for feita em condições degradantes, por exemplo”, esclarece Mariane. Segundo o Código Penal, o delito está sujeito à detenção, que pode variar de dois meses a um ano, ou multa. Se os maus tratos forem praticados contra pessoa menor de 14 anos, a pena é aumentada em um terço.
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Está em tramitação, porém, o PLS 237/2016. De autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), o projeto tem como objetivo incluir a exploração do trabalho infantil no Código Penal. Em dezembro de 2016, o texto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), e agora, segundo informações do site da Casa, espera para ser analisado na Câmara dos Deputados.
Como denunciar?
A exploração do trabalho infantil pode ser denunciada por meio de diversas vias. Por telefone, o caminho é o Disque 100, gratuito e anônimo, que registra a denúncia e encaminha o caso ao órgão responsável. Na internet, é possível recorrer aos sites dos MPTs regionais, enquanto presencialmente o cidadão pode se dirigir, além da sede do MPT de sua região, ao Conselho Tutelar, à Secretaria de Assistência Social ou à Delegacia Regional do Trabalho de sua localidade.
Colaborou: Mariana Balan.
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