Novo Código Penal também abre brecha para estratégia de presidente Evo Morales, que tenta conseguir sua terceira reeleição, contrariando desejo da população manifestado em referendo de fevereiro de 2016 (foto)| Foto: AFP/

O novo Código de Sistema Penal da Bolívia persegue opositores do presidente Evo Morales, no poder desde 2006, criminaliza relações humanas, fere direitos fundamentais – como à vida, à livre expressão, à ampla defesa, etc. – e abre brecha para a quarta reeleição presidencial em 2019, o que fere o artigo 168 da Constituição da Bolívia

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Este é o resumo da análise do professor Cesar Cabrera Román, professor de Direito Constitucional da Universidade Maior de San Simón, ex-presidente do Colegio Nacional de Advogados de Bolívia (CONALAB). O texto é de fôlego, mas esclarecedor sobre os pontos polêmicos da nova norma, promulgada em dezembro de 2017 e que entrará em vigor em junho de 2019, meses antes das eleições presidenciais do país.

A aprovação da norma tem causado uma onda de protestos na Bolívia, por diversos setores da sociedade. A seguir, o texto (vá diretamente para os pontos polêmicos):

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Análise do novo Código de Sistema Penal Boliviano (versão em espanhol)

Cesar Cabrera Románprofessor de Direito Constitucional da Universidade Maior de San Simón, ex-presidente do Colégio Nacional de Advogados da Bolívia (CONALAB)

Apesar do novo Código do Sistema Penal Boliviano, em seu artigo primeiro, determinar que se fundamenta no mandato constitucional dos Valores Supremos, Princípios Fundamentais, Direitos e Garantias estabelecidos na Constituição, Tratados e Convênios Internacionais de Direitos Humanos, em seu conteúdo os contradiz de maneira recorrente, gerando sua invalidez constitucional e convencional, precisamente por não estar adequado a essas normas supremas do ordenamento jurídico boliviano, o que repercute e repercutirá no grau de sua aceitação geral e cumprimento, gerando ilegitimidade da norma de referência.

Por outro lado, entre os princípios fundamentais em que se sustenta, o novo Código Penal afirma que assume um enfoque não paternalista e descolonizador. Em seu conteúdo, no entanto, eliminou os delitos de proxenetismo, bigamia, abandono da mulher grávida, entre outros, contemplados no Código Penal até então vigente, cujos dispositivos protegiam os direitos das mulheres. Por outro lado, no artigo 49, estabelece a somatória de penas ou sanções, contradizendo a decantada teoria da descolonização do direito que persegue o atual governo, pois este sistema de somatória de penas é próprio de país imperialista e neoliberal, como é os Estados Unidos, ao que de maneira recorrente se questiona.

Do conteúdo e conjunto completo do Código, pode-se constatar que ele está inserido no paradigma restaurativo que privilegia o direito da vítima e propõe a solução amigável do conflito, com intervenção mínima do Estado, postura que não mereceu a difusão necessária nos diversos setores da sociedade boliviana, que são seus destinatários diretos. Mesmo assim, evidencia-se que o Código em questão foi elaborado sem adotar políticas públicas eficientes para prevenção de crimes, que poderiam permitir a restauração da convivência harmônica em sociedade. 

O novo Código do Sistema Penal Boliviano, em seu conjunto, evidencia que deixa de cumprir o chamado princípio de taxatividade (a necessidade de que as leis penais sejam precisas para evitar injustiças), pois é de interpretação aberta, ambíguo - fator que convida a demasiadas subjetividades de quem se considera vítima e, pior ainda, com um órgão judicial que demonstrou nos últimos tempos falta de independência e imparcialidade nas determinações ou sentenças que emite, o que suscita total desconfiança ao trabalho que realiza.

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Feitas essas considerações, por amostragem analiso alguns dos artigos contidos neste novo Código do Sistema Penal boliviano, os que atualmente vêm provocando o conflito generalizado em toda Bolívia:

CRIME DE DANO POR MÁ PRÁTICA

1. Os artigos que iniciaram a oposição ao novo Código do Sistema Penal boliviano são o 205 e o 137. O primeiro deles refere-se ao delito de “dano à saúde ou integridade física por má prática”, o que por ser ambíguo, de interpretação ampla, e prever punições tais como a da cassação do exercício profissional. É visto como um atentado ao direito ao trabalho previsto na Constituição Política do Estado, além de entender que a cassação constitui uma punição de morte civil, não só no setor da saúde, mas também no exercício de todas as profissões, ofícios ou atividades às que pode se dedicar o cidadão boliviano. 

Em relação ao segundo artigo, o 137, que se refere ao “homicídio culposo com meio de transporte”, que conta com redação similar ao de número 205, gerou o mesmo efeito de oposição no setor de transporte público, provocando a adesão dos cidadãos bolivianos em apoio à greve de aproximadamente 50 dias. 

CONTRA O DIREITO DE RESISTÊNCIA
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2. Diante das mobilizações generalizadas da sociedade, que se soma ao movimento do setor de saúde e de transporte público, o presidente do Estado Plurinacional da Bolívia solicita que a Assembleia Legislativa Plurinacional revogue os referidos artigos – 205 e 137 – além de fazer a revisão dos artigos 293 e 294, que de maneira textual dispõem: 

Artigo 293 (sedição). I. A pessoa que, sem desconhecer a autoridade do Governo legalmente constituído, se alce publicamente e em aberta hostilidade para depor a alguma servidora, servidor, empregada ou empregado público, impedir sua posse ou opor-se ao cumprimento de leis ou decretos, exercer algum ato de ódio ou de vingança contra a pessoa ou bens de alguma autoridade ou transtornar ou turbar a ordem pública, será punido com prisão de um (1) a três (3) anos e prestação de trabalho de utilidade pública.

II. No caso das pessoas que incorreram no parágrafo I do presente artigo se submeterem ao primeiro requerimento da autoridade pública, sem haver causado outro dano que a perturbação momentânea da ordem, só serão punidos os promotores ou diretores, a quem se aplicará a metade da sanção prevista.

III. Não é punível a manifestação quando se aponte a contravenção da ordem constitucional ou dos direitos fundamentais”.

O número II constitui uma disposição de interpretação aberta que deixa de cumprir a prerrogativa constitucional de não obrigar ninguém a produzir prova contra si mesmo em matéria penal, o que pode ser entendido como a proibição de provocar autoincriminação, prevista no artigo 121 da Constituição Política do Estado. Por outro lado, o dispositivo não identifica diante de qual autoridade pública deve se submeter o autor do delito, ou seja, se é ante a autoridade a quem se pretender criticar ou se é diante da autoridade jurisdicional – juiz ou tribunal.

O número III constitui uma cláusula aberta que pretende eximir de culpa. No entanto, não está claro quem é a autoridade que vai definir se a ação teve caráter de evocar ou defender os direitos fundamentais, é uma cláusula bastante subjetiva. 

Esta norma, de maneira geral, é contrária à Constituição Política do Estado no seu artigo 51, que reconhece o direito à sindicalização dos trabalhadores e todas as consequências desse direito como o direito à greve e mobilizações em direito à classe trabalhadora.

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Artigo 294 (atribuir-se os direitos do povo). I. A pessoa que faça parte de uma força armada ou grupo de pessoas às quais se atribuam os direitos do povo e pretendam exercer tais direitos em seu nome, será punida com prisão de dois (2) a quatro (4) anos e, quando convier, à inabilitação [cassação do direito de exercício da profissão]. 

II. As ações de mobilização social, não constitutivas das condutas descritas no parágrafo precedente, que tenham por finalidade a reivindicação ou exercício de direitos humanos, direitos sociais ou qualquer outro direito constitucional, não serão consideradas como [o delito de] atribuir-se os direitos do povo. 

O número II desta norma, de maneira geral, é contrária à Constituição Política do Estado em seu artigo 51, que reconhece o direito à sindicalização dos trabalhadores e, portanto, todas as consequências desse direito como o direito à greve e mobilizações em defesa dos direitos da classe trabalhadora tal como ocorre com o artigo 205 antes referido.

CASSAÇÃO DO REGISTRO PROFISSIONAL

3. No conteúdo do novo Código de Sistema Penal Boliviano estão previstos como delitos as lesões, sejam estas leves, graves ou gravíssimas. Por outro lado, estão tipificados como delitos o homicídio culposo e o assassinato, nos quais pode ser enquadrado qualquer cidadão, incluídos os médicos e profissionais de saúde em geral, assim como os motoristas; ou seja, os que se interprete que cometeram esses delitos podem merecer também a pena de cassação profissional, explicada no item anterior, o que permite entender que é insuficiente revogar apenas os artigos 205 e 137. É necessário assinalar que esses últimos artigos do novo Código de Sistema Penal boliviano são os que provocam os conflitos no país, precisamente pela punição prevista de cassação profissional – morte civil – ao setor médico e dos motoristas, os mesmos que foram revogados pela lei de 10 de janeiro desse ano, através da Lei 1025.

4. Dentro da classificação das punições penais aplicáveis a cidadãos, tem-se a inabilitação (cassação de registro profissional), que pode ser de 6 meses até 10 anos, estabelecendo que a inabilitação será de cumprimento efetivo pelo tempo estabelecido na sentença, independentemente do cumprimento, redução ou eliminação das outras sanções impostas. Então, se bem que o autor de um delito é merecedor de algum benefício com o indulto da privação de liberdade, a inabilitação se deve cumprir pelo tempo determinado na sentença, o que supõe um castigo de morte civil para o cidadão que foi condenado.

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INJÚRIA, CALÚNIA, DIFAMAÇÃO X LIBERDADE DE EXPRESSÃO

5. O delito de injúria, previsto pelo artigo 309 no novo Código de Sistema Penal boliviano (vigente no atual Código Penal), passa de delito de ordem privada a delito de ordem pública, de maneira incoerente. Além disso, no entanto, este artigo, no número II, atenta ao direito de liberdade de expressão e informação em meios massivos de comunicação, porque pune a pessoa que reproduza em meios de comunicação a injúria inferida por outro.

Esta mesma redação se tem nos delitos de calúnia e difamação nos artigos 310 e 311.

Para uma melhor compreensão, devo manifestar que: o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de maneira coincidente trazem que: 

“Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; esse direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de investigar e receber informações e opiniões, e o de difundi-las sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão”.

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Agora, considerando que todo direito tem limites em seu exercício, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabeleceu que o exercício desses direitos não pode estar sujeito à prévia censura, mas a responsabilidades posteriores, as que devem estar expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar, entre outros: o respeito aos direitos ou à reputação dos outros. 

O novo Código de Sistema Penal boliviano, em relação a esses delitos, é de interpretação aberta que, assim, contradiz a garantia prevista pelo artigo 106-II da Constituição Política do Estado e os tratados, pactos, convenções antes assinaladas, pois castiga com 100 a 250 dias de detenção, reparação econômica e proibição de ir a certos lugares ou aproximar-se à vítima, a pessoa – jornalista, comunicador, internauta – que reproduza a injúria, ainda sem ser a autora do delito, só por reproduzir dito agravo à dignidade ou à honra da vítima, deixando de lado o princípio elementar do direito penal como é o intuito personae, que significa que se deve castigar o autor do fato e não a terceiras pessoas.

Agora, o Informe Anual 2009 da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, depois de estabelecer que a liberdade de expressão e opinião nas redes sociais constitui uma das formas mais democráticas de expressão, assinalou que os Estados devem estabelecer normas legais que prevejam disposições de limitação da responsabilidade de intermediários por conteúdos que não são de sua autoria, já que em nenhum caso se constituem em delitos, pelo fato de que tal interpretação representaria censura prévia ao exercício dos direitos de liberdade de expressão e opinião.

Neste cenário, pela promulgação do novo Código do Sistema Penal Boliviano, meses antes das eleições presidenciais, quer-se rejeitar o resultado do referendo do dia 21 de fevereiro de 2016, com a acusação de que foram as redes sociais as responsáveis pelo resultado “não” à reforma constitucional do artigo 168, que permite a reeleição do presidente e do vice-presidente apenas uma vez. Com isso, abre-se passagem para que o atual presidente e vice-presidente possam se apresentar novamente ao processo eleitoral referente ao período de 2020 a 2025.

ABORTO
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6. Ao sancionar esse Código, a Assembleia Legislativa Plurinacional não exerceu o Controle de Convencionalidade, pois contradiz Tratados e Convênios Internacionais sobre Direitos Humanos, quando em seu artigo 157-V determina, sem razão técnica, as causas que eximem de culpa o delito do aborto, ao estabelecer 8 semanas par a interrupção da gravidez, quando a Corte Interamericana na sentença do caso Artavia Murillo e outros vs. Costa Rica determinou como prazo 14 dias, vulnerando dessa maneira o caráter vinculante e obrigatório das determinações emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, afetando dessa maneira o direito fundamental e humano mais importante como é o direito à vida.

No Código Penal vigente até então, o aborto está proibido salvo as causas estabelecidas no artigo 266 referentes a:

“Quando o aborto tiver sido consequência de um delito de violação, rapto não seguido de matrimônio, estupro ou incesto (...); Tampouco será punível se o aborto tiver sido praticado com o fim de evitar um perigo para a vida ou a saúde da mãe e se este perigo não poderia ser evitado por outros meios.

Em ambos os casos, o aborto deverá ser praticado por um médico, com o consentimento da mulher e autorização judicial em seu caso”.

LIBERDADE DE ENSINO

7. O artigo 297 do Código Penal vigente estabelece delito de “atentado contra a liberdade de ensino” como resguardo da atividade própria e principal do sistema educativo da Bolívia. No entanto, este mesmo delito não se encontra contemplado no novo Código do Sistema Penal Boliviano, o que contradiz o disposto pelo artigo 9-5 da Constituição Política do Estado, que considera a educação como fim e função fundamental do Estado boliviano.

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“CULPA TEMERÁRIA”

8. O artigo 19 estabelece de maneira inexplicável toda infração penal como dolosa, sendo a exceção a esta regra - a culpa - quando assim o determine o código, e introduz a culpa temerária, que resulta lesiva aos interesses dos cidadãos, se si considera que a culpa é imprevista, a diferença do dolo que constitui uma ação prevista ou querida em seus resultados.

LIBERDADE RELIGIOSA

9. O artigo 88 do novo Código do Sistema Penal Boliviano estabelece o delito de “tráfico de pessoas”, impondo sanção de 7 a 12 anos de prisão e reparação econômica, em casos que se enumeram, entre eles o conflitivo número 11 que se refere ao 

“Recrutamento de pessoas para sua participação em conflitos armados ou em organizações religiosas ou de culto”.

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Esta disposição é contrária ao previsto pelo artigo 14-II da Constituição Política do Estado, que estabelece que o Estado boliviano é laico, ou seja, não reconhece religião oficial, já que pune em razão de escolha de credo e atividade religiosa. Em Bolívia, existem muitas religiões que precisamente se dedicam ao recrutamento de pessoas com fins religiosos ou de culto, o que motivou que representantes de diferentes religiões se opuseram a esse dispositivo, pois sua atividade principal está penalizada.

10. De maneira geral, pode-se constatar que a pena é reduzida nos delitos de ação pública como o delito de roubo, sequestro, assassinato e outros. Por outro lado, são revogados alguns crimes de corrupção e minimizadas as penas para os ilícitos subsistentes, o que o povo boliviano entendeu que significa estabelecer normas adequadas para que os funcionários de Estado não sejam processados por esses delitos quando cessem suas funções.

Os artigos comentados são alguns – os mais polêmicos – de todos os que atualmente estão gerando a crise social na Bolívia. No entanto, se for efetuada uma revisão detalhada em praticamente todo o conteúdo do Código do Sistema Penal Boliviano, pode-se verificar que existem imprecisões que permitem afirmar que é necessária a revogação de todo o Código, para que se possa construir um novo, com a participação de setores da sociedade civil, como as universidades – faculdades de Direito – associações de profissionais e outros, que permitam contar com um instrumento normativo aplicável à realidade boliviana adequado à Constituição Política do Estado e Tratados, Pactos e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos.

Ao entrar em vigor, o Código do Sistema Penal Boliviano, além de não cumprir o princípio da taxatividade (a necessidade de que as leis penais sejam precisas para evitar injustiças) e, pelo contrário, ao conter cláusulas abertas e demasiado subjetivas, coloca todos os bolivianos em estado de insegurança jurídica, pois criminaliza toda a relação humana.

Finalmente, este Código do Sistema Penal Boliviano é um instrumento de perseguição àqueles que não formam parte do partido do governo, pois se converte em uma arma perfeita para isso, considerando que entrará em vigor meses antes do processo eleitoral para a eleição de presidente e vice-presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, com grave prejuízo ao Estado Constitucional e Democrático de Direito.

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Leia o artigo em espanhol:

ANALISIS DEL NUEVO CODIGO DEL SISTEMA PENAL BOLIVIANO 

Cesar Cabrera Román

Abogado, ex Presidente del Colegio Nacional de Abogados de Bolivia (CONALAB); docente de la materia de Derechos Constitucional en la Universidad Mayor de San Simón

No obstante que el nuevo Código del Sistema Penal Boliviano en su artículo 1 determina que se funda en el mandato constitucional de los Valores Supremos, Principios Fundamentales, Derechos y Garantías establecidos en la Constitución, Tratados y Convenios Internacionales de Derechos Humanos, en su contenido los contradice de manera recurrente, generando su invalidez constitucional y convencional, precisamente por no adecuarse a estas normas supremas de nuestro ordenamiento jurídico, lo que repercute y repercutirá en el grado de aceptación general y cumplimiento del mismo, generando la deslegitimidad(1) de la norma de referencia. 

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Por otro lado, entre los principios fundamentales en los que se sustenta, el nuevo Código Penal determina que asume un enfoque despatriarcalizador(2) y descolonizador(3), sin embargo, en su contenido ha eliminado los delitos de proxenetismo, bigamia, abandono de mujer embarazada entre otros, contemplados en el Código Penal vigente, que protegían derechos de las mujeres; por otro lado, en el Art. 49 establece la sumatoria de penas o sanciones, contradiciendo la decantada teoría de la descolonización del derecho que persigue el actual gobierno, pues este sistema de sumatoria de penas es propio del país imperialista y neoliberal como es los Estados Unidos de Norte América, al que de manera recurrente se lo cuestiona. 

Del contenido y plexo completo del Código, se puede constatar que el mismo está inserto en el paradigma restaurativo que privilegia el derecho de la víctima y propone la solución amigable del conflicto, con intervención mínima del Estado, postura que no ha merecido la difusión necesaria en los diversos sectores de la sociedad boliviana, que son sus directos destinatarios. Asimismo, se evidencia que el Código en cuestión ha sido elaborado sin adoptar políticas públicas predelictuales eficientes que permitan la restauración de la convivencia armónica en sociedad. 

El nuevo Código del Sistema Penal Boliviano, en su contenido íntegro evidencia que incumple con el principio de taxatividad(4), pues es de textura abierta que invita a demasiadas subjetividades de quien se considera víctima y peor aún con un órgano judicial que ha demostrado en los últimos tiempos falta de independencia e imparcialidad en sus fallos o sentencias que emite, lo que ha permitido total desconfianza en su labor que desarrolla. 

Efectuadas estas consideraciones, por muestreo analizaremos algunos de los artículos contenidos en este nuevo Código del Sistema Penal boliviano, los que actualmente vienen provocando el conflicto generalizado en toda Bolivia: 

1. Los artículos que inician el rechazo del nuevo Código del Sistema Penal boliviano, son el 205 y 137, el primero de ellos referido al delito de DAÑO A LA SALUD O INTEGRIDAD FÍSICA POR MALA PRÁCTICA, el que por su textura abierta, y las sanciones que se prevén, como el de la inhabilitación del ejercicio profesional, fue comprendido como una afectación al derecho al trabajo previsto por la Constitución Política del Estado, además de entender que la inhabilitación constituye una sanción de muerte civil no solo para el sector de salud, sino para el ejercicio de todas las profesiones, oficios o actividades a las que se puede dedicar el ciudadano boliviano; en relación al segundo artículo referido al delito de HOMICIDIO CULPOSO CON MEDIO DE TRANSPORTE, que cuenta con similar redacción que el primero de los referidos, generó el mismo efecto de rechazo en el sector del transporte público, provocando la adhesión de toda la ciudadanía boliviana en respaldo a las medidas de paro de aproximadamente 50 días. 

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2. Ante las movilizaciones generalizadas de toda la ciudadanía que se suma al movimiento del sector de salud y el transporte público, el presidente del Estado Plurinacional de Bolivia, solicita que la Asamblea Legislativa Plurinacional, proceda a derogar los referidos artículos -205 y 137- además de proceder a la revisión de los artículos 293 y 294 que de manera textual disponen: 

“ARTÍCULO 293. (SEDICIÓN). I. La persona que, sin desconocer la autoridad del Gobierno legalmente constituido, se alce públicamente y en abierta hostilidad para deponer a alguna servidora, servidor, empleada o empleado público, impedir su posesión u oponerse al cumplimiento de leyes o decretos, ejercer algún acto de odio o de venganza en la persona o bienes de alguna autoridad o trastornar o turbar el orden público, será sancionada con prisión de uno (1) a tres (3) años y prestación de trabajo de utilidad pública. 

II. En caso de que las personas que incurrieron en la conducta del Parágrafo I del presente Artículo, se sometieren al primer requerimiento de la autoridad pública, sin haber causado otro daño que la perturbación momentánea del orden, sólo serán sancionados los promotores o directores, a quienes se les aplicará la mitad de la sanción prevista. 

III. No es punible el alzamiento cuando se reclame por la contravención del orden constitucional o los derechos fundamentales”. 

El numeral II constituye una disposición de textura abierta que incumple con el mandato constitucional de no declarar contra sí mismo en materia penal, o lo que es lo mismo, la prohibición de autoincriminarse, previsto por el artículo 121 de la Constitución Política del Estado; por otro lado, no identifica que autoridad pública es ante quien se debe someter el autor del delito, es decir, si es ante la autoridad a quien se pretende desconocer o es la autoridad jurisdiccional –juez o tribunal-. 

El numeral III constituye una clausula abierta que es causal eximente de culpa, sin embargo, quien es o será la autoridad que defina si la acción es en reclamo o es en defensa de los derechos fundamentales, es decir, constituye una cláusula que provoca demasiada subjetividad. 

Esta norma de manera general es contraria a la Constitución Política del Estado en su artículo 51, que reconoce el derecho a la sindicalización de los trabajadores, y desde luego todos sus elementos de este derecho como el derecho a la huelga y movilizaciones en reclamo de sus derechos de la clase trabajadora. 

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“ARTÍCULO 294. (ATRIBUIRSE LOS DERECHOS DEL PUEBLO). I. La persona que forme parte de una fuerza armada o grupo de personas que se atribuyan los derechos del pueblo y pretendan ejercer tales derechos a su nombre, será sancionada con prisión de dos (2) a cuatro (4) años y, cuando corresponda, inhabilitación. 

II. Las acciones de movilización social, no constitutivas de las conductas descritas en el Parágrafo precedente, que tengan por finalidad la reivindicación o ejercicio de derechos humanos, derechos sociales o cualquier otro derecho constitucional, no serán consideradas como el atribuirse los derechos del pueblo”. 

El numeral II de esta norma de manera general es contraria a la Constitución Política del Estado en su artículo 51, que reconoce el derecho a la sindicalización de los trabajadores, y desde luego todos sus elementos de este derecho como el derecho a la huelga y movilizaciones en reclamo de sus derechos de la clase trabajadora tal como ocurre con el artículo 205 antes referido. 

3. En el contenido del nuevo Código del Sistema Penal Boliviano promulgado se tiene como delitos: las lesiones, sean estas leves, graves o gravísimas. Por otro lado, se encuentran tipificados como delitos el homicidio culposo y el asesinato, que los puede cometer cualquier ciudadano incluidos los profesionales médicos y de otras ramas, así como los choferes; entonces los que cometan estos delitos pueden merecer también la sanción de inhabilitación que se tiene explicado en el numeral anterior, lo que permite entender que la derogación de los Arts. 205 y 137, resulta insuficiente. Se debe señalar que estos últimos artículos del nuevo Código del Sistema Penal boliviano, son los que inician el conflicto en el país, precisamente por la sanción de inhabilitación –muerte civil- al sector médico y de los choferes, los mismos que a la fecha han sido derogados por ley del 10 de enero de este año –a través de la Ley 1025–(5)

4. Dentro la clasificación de las sanciones penales aplicables a personas naturales, se tiene el de la inhabilitación, que puede ser desde 6 meses hasta diez años, estableciendo que la inhabilitación será de cumplimiento efectivo por el tiempo establecido en la sentencia, independientemente del cumplimiento, reducción o eliminación de las otras sanciones impuestas. Entonces, si bien el autor de un delito es merecedor de algún beneficio como el indulto de la privación de libertad, la inhabilitación se debe cumplir por el tiempo determinado en sentencia, lo que supone un castigo de muerte civil para el ciudadano que haya merecido condena. 

5. El delito de injuria, previsto por el Art. 309 en el nuevo Código del Sistema Penal Boliviano (vigente en el actual Código Penal), pasa de ser delito de orden privado a ser delito de orden público, de manera incoherente. Fuera de ello sin embargo, este artículo en su numeral II, resulta atentatorio al derecho a la libertad de expresión e información en medios masivos de comunicación, por cuanto sanciona a la persona que reproduzca en medios de comunicación la injuria inferida por otro. 

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Esta misma redacción se tiene en los delitos de calumnia y difamación en los artículos 310 y 311. 

Para una mejor comprensión, debo manifestar que: los artículos 19 tanto de la Declaración Universal de Derechos Humanos, así como el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, y el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, de manera coincidente refieren a que: 

“Todo individuo tiene derecho a la libertad de opinión y de expresión; este derecho incluye el no ser molestado a causa de sus opiniones, el de investigar y recibir informaciones y opiniones, y el de difundirlas, sin limitación de fronteras, por cualquier medio de expresión”. 

Ahora bien, considerando que, todo derecho tiene límites en su ejercicio, la Convención Americana sobre Derechos Humanos, ha establecido que, el ejercicio de estos derechos, no puede estar sujeto a previa censura sino a responsabilidades ulteriores, las que deben estar expresamente fijadas por la ley y ser necesarias para asegurar entre otros: el respeto a los derechos o a la reputación de los demás. 

El nuevo Código del Sistema Penal Boliviano, en relación a estos delitos es de textura abierta que, desde luego contradice la garantía prevista por el Art 106-II de la Constitución Política del Estado y los tratados, pactos y convenciones antes señaladas, pues castiga con 100 a 250 días de multa, reparación económica y prohibición de concurrir a ciertos lugares o acercarse a la víctima, a la persona -periodista, comunicador o internauta- que reproduzca la injuria, aun sin ser la autora del delito, solo por reproducir dicha afectación a la dignidad o la honra de la víctima, dejando de lado el principio elemental del derecho penal como es el intuito personae (6) que significa que se debe castigar al autor del hecho y no a terceras personas. 

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Ahora bien, el Informe Anual 2009 de la Relatoría Especial para la Libertad de Expresión de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, después de establecer que la libertad expresión y opinión por las redes sociales, constituye una de las formas más democráticas de información, ha señalado que los Estados deben establecer normas legales que prevean disposiciones de limitación de la responsabilidad de intermediarios por contenidos que no son de su autoría, pero en ningún caso se constituyan en delitos, por cuanto ello representaría censura previa al ejercicio de los derechos de libertad de expresión y opinión. 

En este escenario, la promulgación del nuevo Código del Sistema Penal Boliviano, resulta pensado en la represión sancionadora al resultado que arroja el referéndum del 21 de Febrero del 2016, por cuanto se acusa que son las redes sociales –internet- los causantes del resultado del NO a la reforma constitucional del Art. 168 que determina una sola opción de respostulacion de manera inmediata de altos dignatarios, consecuentemente, a la respostulacion del actual Presidente y Vicepresidente, cuerpo normativo que ingresará en vigencia apenas meses antes del nuevo proceso electoral por el periodo 2020-2025, al cual pretende postularse el actual presidente y vicepresidente. 

6. Al sancionar este Código, la Asamblea Legislativa Plurinacional no ha ejercido el Control de Convencionalidad pues contradice Tratados y Convenios Internacionales sobre Derechos Humanos, cuando en su artículo 157-V determina sin razón técnica las causas eximentes de culpabilidad del delito de aborto, al establecer 8 semanas para interrumpir el embarazo, cuando la Corte Interamericana en la Sentencia del caso Artavia Murillo y otros vs. Costa Rica, determinó como plazo 14 días, vulnerando de esta manera el carácter vinculante y obligatorio de los fallos emitidos por la Corte Interamericana de Derechos Humanos, afectando de esta manera al derecho fundamental y humano más importante como es el derecho a la vida. 

En el Código Penal vigente el aborto está prohibido salvo las causas establecidas en el artículo 266 referentes a: 

“Cuando el aborto hubiere sido consecuencia de un delito de violación, rapto no seguido de matrimonio, estupro o incesto (…); Tampoco será punible si el aborto hubiere sido practicado con el fin de evitar un peligro para la vida o la salud de la madre y si este peligro no podía ser evitado por otros medios. 

En ambos casos, el aborto deberá ser practicado por un médico, con el consentimiento de la mujer y autorización judicial en su caso”. 

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7. El Art. 297 del Código Penal vigente establece el delito de ATENTADOS CONTRA LA LIBERTAD DE ENSEÑANZA, como resguardo de la actividad propia y principal del sistema educativo en Bolivia. Sin embargo, este mismo delito no se encuentra contemplado en el nuevo Código del Sistema Penal Boliviano, lo que contradice lo dispuesto por el Art. 9-5) de la Constitución Política del Estado, que considera a la educación como fin y función fundamental del Estado boliviano. 

8. El Art. 19 establece de manera inexplicable, toda infracción penal como dolosa, siendo la excepción a esta regla, la culpa, cuando así lo determine este código, e introduce la culpa temeraria, que resulta lesiva a los intereses de la ciudadanía, si se considera que la culpa es imprevista, a diferencia del dolo que constituye una acción prevista o querida en sus resultados. 

9. El artículo 88 del nuevo Código del Sistema Penal boliviano, establece el delito de Trata de personas, imponiendo la sanción de 7 a 12 años de prisión y reparación económica, en los casos que se enumeran, entre ellos el conflictivo resulta el establecido en el numeral 11 que refiere al 

Reclutamiento de personas para su participación en conflictos armados o en organizaciones religiosas o de culto. 

Esta disposición es contraria a lo previsto por el artículo 14-II de la Constitución Política del Estado, que establece que el Estado boliviano es laico, es decir, no reconoce religión oficial, por cuanto sanciona como discriminación fundada en razón de credo religioso, fuera de ello en Bolivia existen muchas religiones que precisamente se dedican al reclutamiento de personas con fines religiosos o de culto, lo que ha motivado que los representantes de las diferentes religiones hayan tenido que salir en movilizaciones, pues su actividad principal está penalizada. 

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10. De manera general, se puede constatar que en los delitos de acción pública como el delito de robo, secuestro, asesinato y otros se reduce la pena y, por otra parte, deroga algunos delitos de corrupción y minimiza las penas para los ilícitos subsistentes, lo que el pueblo boliviano ha entendido que constituye establecer normas adecuadas para que los funcionarios de Estado no sean procesados por estos delitos cuando cesen en sus funciones. 

Los artículos comentados, son algunos -los más polémicos-, de todos los que actualmente están generando la crisis social en Bolivia, sin embargo, si se efectúa una revisión detallada en prácticamente todo el contenido del Código Penal se puede verificar que existe imprecisiones que permiten afirmar que, es necesaria la abrogación de todo el Código, a objeto de que se pueda construir uno nuevo con la participación de sectores de la sociedad civil, como las universidades -facultades de Derecho- colegios de profesionales y otros, que permitan contar con un instrumento normativo aplicable a la realidad boliviana con adecuación y apego a la Constitución Política del Estado y Tratados, Pactos y Convenciones Internacionales sobre Derechos Humanos. 

De entrar en vigencia el nuevo Código del Sistema Penal boliviano, a partir de incumplir el principio de taxatividad y a contrario contener clausulas abiertas y demasiado subjetivas, coloca a todos los bolivianos en un estado de inseguridad jurídica, pues criminaliza toda relación humana. 

Finalmente, este Código del Sistema Penal, se constituye en un instrumento de persecución, a quienes no forman parte del partido de gobierno, pues se convierte en el arma perfecta para ello, considerando que ingresará en vigencia meses antes del proceso electoral para la elección de presidente y vicepresidente del Estado Plurinacional de Bolivia, con grave afectación al Estado Constitucional y Democrático de Derecho.

(1) La legitimidad en el ámbito jurídico se entiende como el grado de acatamiento y cumplimiento de una norma por sus destinatarios, elemento con el que no cuenta este Código Penal, demostrado con el rechazo de la sociedad civil boliviana antes de su publicación. 

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(2) Despatriarcalizar: soberanía de las mujeres, de los hombres y de las comunidades en las que discurren sus vidas. 

(3) La descolonización de la Justicia es el referente de la revalorización y recuperación de identidades del Estado Plurinacional de Bolivia, sinónimo de reconocimiento, visibilización, uso y, sobre todo, aprovechamiento de los conocimientos y las formas propias de administración y aplicación del principio de “preexistencia de las naciones y pueblos indígena originario campesinos” 

(4) El principio de taxatividad, es aquel que hace referencia a la exigencia de certeza o determinación de la ley y por tanto, también se le va a conocer con la expresión nullum crimen sine lege stricta. Este principio junto con el principio de retroactividad y el de reserva de ley, forman lo que se conoce como el principio de legalidad penal.

(5) También fueron abrogados los decretos 3091 y 3092 que establecían la regulación y fiscalización y control al Sistema Nacional de Salud y la libre afiliación, respectivamente. Ambas normas eran rechazadas por los médicos.

(6) Intuitu personae es una locución latina que significa «en función de la persona», y que es especialmente utilizada para calificar una relación existente entre dos o más personas, o una determinada circunstancia, que no puede ser transportada o transferida a terceras personas (pues depende específicamente de la o las personas involucradas).

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