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Em setembro, mulheres protestaram em Washington contra a indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte dos EUA. Nos cartazes, frases como “acredite nas sobreviventes” e “não vamos recuar”. Kavanaugh foi acusado por diversas mulheres de má conduta sexual, ainda que nenhuma alegação tenha sido provada.  | Chip Somodevilla/AFP
Em setembro, mulheres protestaram em Washington contra a indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte dos EUA. Nos cartazes, frases como “acredite nas sobreviventes” e “não vamos recuar”. Kavanaugh foi acusado por diversas mulheres de má conduta sexual, ainda que nenhuma alegação tenha sido provada. | Foto: Chip Somodevilla/AFP

As sessões de confirmação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte dos EUA apresentaram rapidamente ao público a ideologia dos estupros nas universidades. E isso está prestes a se repetir. Na segunda quinzena de novembro, a secretária de Educação do país, Betsy DeVos, anunciou uma proposta de lei federal que corrige os piores abusos processuais dos tribunais responsáveis pelos casos de estupro nas universidades. 

A proposta se assemelha à questão do precedente jurídico e é justa com os dois lados – vítima e agressor –, embora a elite feminista tenha reagido histericamente, chamando o projeto de lei de um ataque às “sobreviventes” de assédios sexuais. O fato é que a manutenção do mito do estupro nas universidades é incompatível com o devido processo legal. A compatibilidade do feminismo em si com os valores iluministas me parece cada vez mais duvidosa. 

A oposição à indicação de Kavanaugh se baseava no princípio de que é preciso acreditar nas autodeclaradas “sobreviventes” e de que os homens acusados têm de ser condenados, independentemente da escassez de provas contra eles. Esse princípio, já onipresente nos campi universitários, contou com a ajuda do governo federal em 2011, quando a gestão Obama lançou uma espécie de guia – um diretório informal federal de obscuro caráter jurídico – para os processos dos casos de estupro em universidades. 

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O guia desestimulava enfaticamente o interrogatório do acusador e pedia que as escolas usassem as provas menos consistentes possíveis para julgar o réu culpado de assédio sexual. Ele defendia uma definição ampla de assédio sexual – “conduta não-solicitada de caráter sexual” – que ignorava precedentes relevantes da Suprema Corte e incluía até mesmo um convite não-solicitado para jantar. 

Desde 2011, as deficiências processuais nos casos de estupros nas universidades aumentaram. As universidades rotineiramente negam aos réus a oportunidade de analisar todas as provas, não conseguem tomar uma decisão imparcial e ignoram a presunção de inocência. Geralmente, proíbe-se o acusado de contar com a ajuda de um advogado. Em 2014, um inspetor Title IX** na Universidade de Washington e Universidade de Lee lançou um alerta lúgubre a um aluno antes de expulsá-lo por assédio sexual: “nenhum advogado vai ajudá-lo aqui”.

A regulamentação proposta pela Departamento de Educação tenta por fim a tais abusos. Ironicamente, num governo costumeiramente acusado de ignorar a lei, o departamento tomou todo o cuidado para seguir as diretrizes jurídicas ao promulgar as novas regras federais. O guia de 2011 foi lançado por Obama como um fato consumado; o Departamento de Educação de Donald Trump, por outro lado, está dando ao público a oportunidade de discutir a proposta antes do texto final. 

E as feministas estão reagindo como sempre reagem a qualquer desafio à sua hegemonia ideológica: com um ataque descontrolado. A administradora do grupo Know Your IX ficou sabendo da nova regulamentação enquanto estava num mercadinho e disse ter se jogado no chão, em choque. Como as pessoas no local viram esse desmaio vitoriano não se sabe, mas isso lembra o surto da professora de biologia do MIT Nancy Hopkins quando o então reitor de Harvard, Larry Summers, discutiu a distribuição desigual por gênero da habilidade matemática. Hopkins teria vomitado se tivesse ficado na sala, mais tarde ela explicou. O Naral Pro-Choice America, grupo de defesa do aborto, tuitou que a nova regra para os tribunais que julgam casos de estupro nas universidades era “um nojo”. 

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O que enoja as ativistas é a extensão do direito ao devido processo legal aos homens acusados de assédio sexual. Na visão de justiça delas, o devido processo legal é um jogo de soma zero: se um homem tem garantidos seus direitos processuais é porque a acusadora deve, por definição, perder os direitos dela. 

“Essas mudanças são criadas para virar a legislação do Title IX de ponta-cabeça e dar direitos aos alunos acusados quando o Title IX deveria estar protegendo as mulheres que sofrem discriminação sexual”, disse um experiente advogado da ONG SurvJustice ao jornal The Chronicle of Higher Education. O Gabinete do Reitor da Universidade da Califórnia alertou que “os direitos das pessoas mais vulneráveis estão sob ataque”. Mas as proteções ao devido processo legal não são mutuamente excludentes; os dois lados as têm. O que os ativistas realmente defendem é que os réus não deveriam ter nenhum direito

O projeto exige que as escolas permitam interrogatórios das acusadoras, desde que ele seja feito por um advogado do acusado– e o acusado deve ficar em silêncio e fora do banco dos réus. Essa substituição é uma concessão à verborragia vitimista do movimento #BelieveSurvivors [Acredite nas Sobreviventes], que prega que as alunas envolvidas na cultura do estupro correm o perigo constante de serem “retraumatizadas” ao entrarem em contato com o assediador. 

Mas proibir o acusado de questionar a acusadora é um problema, já que muitos alunos não poderão pagar um advogado e um amigo talvez não seja capaz de questionar a história da acusada de melhor maneira possível. O interrogatório conduzido pelos próprios acusados era a regra até o século XIX, quando os advogados passaram a assumir o papel nos julgamentos. 

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Essa concessão , contudo, não serviu para nada. Qualquer interrogatório “provavelmente colocará em risco os direitos e a segurança das alunas sobreviventes”, anunciou o Centro para o Progresso Norte-americano. A conselheira jurídica do Centro de Garantia dos Direitos das Vítimas explicou ao The Chronicle of Higher Education que “o estupro tem a ver com poder e controle, não com desejo sexual. É uma má ideia, portanto, dar à pessoa com poder mais poder ainda, para intimidar e magoar a vítima”. Na verdade, o sexo casual entre alunos embriagados tem a ver só com luxúria, ponto-final. O aluno não se importa que sua parceira possa se tornar presidente do centro acadêmico amanhã, desde que ela abaixe as calças hoje. 

Mais importante ainda, o interrogatório não tem nada a ver com “intimidar e magoar a vítima”. Trata-se, isso sim, de verificar o fato que a levou a se tornar vítima. Todos os argumentos dos ativistas contra o interrogatório supõem que a acusadora é realmente uma “sobrevivente” de estupro e que o acusado é um predador sexual, sem a necessidade de mais provas. 

Essa certeza a priori é incompatível com séculos de experiências quanto ao caráter epistemológico incerto das acusações e das memórias, sem falar nos bem-documentados motivos pessoais para se acusar alguém de estupro, como a traição de um namorado ou o ciúme da nova namorada do ex-parceiro. O narcisismo que vê o interrogatório apenas como uma “intimidação” à vítima, e não como um método de se chegar à verdade, é típico da política identitária feminista, na qual todas as ideias são submetidas a uma única questão: o processo é bom ou mau para as mulheres? 

O vice-presidente do Conselho Norte-americano de Educação proferiu o argumento mais autoincriminador contra a regulamentação proposta: “Escolas e universidades não são tribunais”, disse Terry Hartle ao New York Times, “e esse tipo de procedimento exigiria que legalizássemos os processos disciplinares dos alunos. Não temos o conhecimento, a experiência nem a credibilidade para fazer isso”. 

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Hartle pode ter razão – mas, se uma faculdade não tem o conhecimento ou a experiência para exercer funções tão básicas como um interrogatório para se chegar à verdade, ela deveria se abster completamente de proferir sentenças nos casos de estupro. Hartle e outros administradores deveriam estar preocupados é com a falta de “credibilidade” que afeta os que são considerados culpados. 

Previsivelmente, os ativistas reclamam do alto padrão das provas permitidas, mas não exigidas, por parte da lei proposta. Sob a nova regra, as faculdades podem continuar a usar o padrão baixo dos “indícios de prova” para os casos de estupro nos campi, desde que este mesmo padrão seja aplicado a outros processos disciplinares. E isso inevitavelmente acontecerá. 

Ser condenado por assédio sexual na universidade não é nada, dizem as ativistas, então por que obrigar a acusadora a apresentar “provas claras e convincentes” em seu caso? Essas são as mesmas vingadoras que destroem carreiras por causa de um tapinha na bunda ou por uma expressão de humor sexual adolescente. Mesmo assim, deveríamos acreditar que elas deixarão o passado para trás quando um aluno falsamente acusado de estupro tentar entrar no mercado de trabalho. 

Por fim, as ativistas reclamam da insistência de Betsy DeVos na presunção de inocência. De acordo com o Centro para o Progresso Norte-americano, esse cacoete atávico nasce da retórica de Trump contra o movimento #MeToo, que tem alimentado a sensação de que os homens estão sendo julgados sem o devido processo legal. Se os democratas mantivessem o poder no Comitê Jurídico do Senado, o juiz Kavanaugh teria sido incapaz de reverter a acusação feminista de que ele era um predador sexual. 

DeVos se desviou de seu caminho normal ao adotar características fundamentais da visão de mundo feminista. O material que acompanha o projeto de lei fala em “sobreviventes” cujo suposto sofrimento “geralmente” as impede de concluírem o curso. (Você não pensaria isso ao ver a taxa de conclusão de curso das mulheres, que é muito maior do que a dos homens). 

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A secretária de Educação também cita os vários serviços de apoio que as faculdades podem oferecer às “sobreviventes”, desde mudanças nos horários das aulas até o adiamento de prazos letivos. Muitas dessas medidas – como acompanhantes, aumento na segurança e o monitoramento de certas áreas do campus – apelam para a fantasia de que estupradores passeiam furtivamente pelo terreno da faculdade, à espera de atacar na escuridão. Na verdade, a maioria dos “estupros” em questão são acontecimentos previsíveis e evitáveis, resultado da participação deliberada em sexo casual e bêbado com um parceiro escolhido. 

A adoração da retórica melodramática das “sobreviventes” por parte de DeVos lhe rendeu crédito com as autoridades no assunto. E a defesa que ela faz do devido processo legal, por mais necessária que seja à luz das condições atuais nos campi, nada mais é do que um Band-Aid sobre uma ferida infeccionada. A solução para o que é chamado de “estupro universitário” é uma mudança na cultura atual de promiscuidade para uma cultura de responsabilidade pessoal. 

Na falta de regras como prudência, moderação e respeito, a burocracia, alcançando até mesmo o governo federal, se apressa em preencher o vazio. O aspecto mais estranho do cenário sexual universitário é essa burocratização do sexo que alunas antes notadamente rebeldes agora virtuosamente exigem. 

Mas as feministas lutam contra o renascimento da prudência sexual com a mesma força que usam para lutar contra as garantias tradicionais de proteção às falsas acusações. À medida que o feminismo continua a se infiltrar nas mais importantes instituições (apesar de Trump), o futuro de ideias ocidentais como o domínio da razão e o julgamento imparcial parece sombrio. 

Heather Mac Donald é bolsista Thomas W. Smith Fellow no Manhattan Institute, editora-colaboradora do City Journal e autora do livro The Diversity Delusion: How Race and Gender Pandering Corrupt the University and Undermine Our Culture. 

** Title IX é profissional responsável por investigar crimes sexuais nas universidades; o Title IX é uma lei federal de 1972 que garante a igualdade jurídica entre os sexos na educação.

©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Paulo Polzonoff Jr.

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