[Nota da editora: na tarde desta sexta-feira (28), o Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos confirmou a indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte do país. O próximo passo seria a votação em plenário. Debate-se, no entanto, o adiamento da sessão para que as acusações de abuso sexual feitas contra o juiz sejam apuradas pelo FBI.]
Ao comentar sobre a ascensão de Napoleão III, Karl Marx escreveu que “a História se repete: a primeira vez como uma tragédia, a segunda como farsa”. O drama que se instalou em torno da confirmação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte dos Estados Unidos inverteu a ordem. Começou como uma farsa.
Ativistas vestidas como as aias de Handmaid’s Tale enfileiraram-se nos corredores do Senado norte-americano. Senadores democratas exigiram analisar todo e qualquer documento que possa ter passado pela mesa de Kavanaugh quando ele trabalhou no governo Bush, mesmo já tendo anunciado de antemão que vetariam a nomeação do juiz à Suprema Corte.
Então veio a tragédia. A senadora democrata Dianne Feinstein, aos 45 do segundo tempo, disse ter encaminhado uma denúncia anônima ao FBI. Ela possuía as informações desde julho, mas decidiu segurá-las. Como bem disse Gregg Nunziata, que já trabalhou como assessor no Comitê Judiciário do Senado, à The Weekly Standard, esse tipo de acusação é comum. Há procedimentos confidenciais para investigá-las, às vezes envolvendo o FBI, às vezes não. Esse caso específico, contudo, foi guardado como uma carta na manga. Sua existência foi estrategicamente revelada no momento em que poderia causar o maior dano possível.
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Mas foi depois que alguém do comitê vazou a identidade de Christine Blasey Ford que o verdadeiro julgamento espetáculo – aquele conduzido pela mídia – começou. Foram divulgadas diversas histórias de mulheres que foram assediadas ou abusadas quando jovens e se mantiveram em silêncio até então. O The Atlantic, por exemplo, publicou um artigo de Caitlin Flanagan com o subtítulo “Quando eu estava no ensino médio, enfrentei meu próprio Brett Kavanaugh”. Perigoso, não acha?
O relato da New Yorker sobre o incidente de Yale pareceu ter sido extraído com fórceps. As memórias de Deborah Ramirez sobre o suposto abuso eram tão nebulosas que ela precisou consultar colegas da época, e demorou seis dias para cravar se quem a violentou era mesmo Kavanaugh ou outra pessoa. Já a história de Julie Swetnick sobre o estupro coletivo parece, literalmente, incrível.
Dezenas de retrospectivas das audiências de Anita Hill – que em 1991 acusou Clarence Thomas, hoje ministro e na época candidato à Suprema Corte, de abuso sexual – foram cuidadosamente apresentadas, com comentários sugerindo que a hipótese de Kavanaugh ser confirmado para ocupar um assento no mais alto tribunal dos EUA será um veredito de como nossa sociedade não mudou desde a década de 1990. Comentaristas inclinados à esquerda basicamente decretaram Kavanaugh culpado com base em sua cor de pele e histórico como juiz conservador.
O USA Today escreveu que “as elites cuidam de si próprias”. A Salon se queixou sobre problemas de “classe, capital social e privilégios sem fim”. Já o Vox nos contou como as escolas de elite “autorizam a masculinidade tóxica”.
O furor acerca do ocorrido me lembrou a cobertura do caso do time de lacrosse da Universidade Duke, de 2006, e o artigo “Estupro no Campus”, publicado na Rolling Stone em 2014. Nas duas situações, os acusados foram declarados culpados pela imprensa por serem brancos e privilegiados. De antemão, foram considerados da pior espécie.
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É a mesma presunção de culpa que se vê em relação aos jovens afro-americanos. Tudo depende de quem está presumindo. Se você é hostil a homens brancos, ou se queixa do privilégio de classe, você joga fora a presunção de inocência dessas pessoas. Se em você foi construído um medo de negros, fica difícil de lembrar que, apesar das altas estatísticas criminais, a maioria dos homens negros cumpre a lei.
Em qualquer caso, é sempre injusto julgar um indivíduo apenas por ele se encaixar em um grupo - ainda que, algumas vezes, as generalizações estejam corretas, como no caso de as mulheres serem menos propensas a cometer crimes sexuais do que os homens.
Outra tecla na qual se bate repetidamente é a de que, no passado, “ninguém acreditava nas mulheres”. Consequentemente, por uma questão de justiça, é exigido que acreditemos cegamente nelas hoje. Bem, certamente é verdade que antigamente era comum que as vítimas de estupro acabassem culpabilizadas, numa jogada dos advogados do agressor. Isso acabou com as as leis de proteção contra abusos sexuais. Mas a questão é mais complicada do que o slogan sugere. Casos de estupro e abuso sexual são difíceis de julgar porque quase sempre se tratam de um crime que ocorreu num ambiente particular. As consequências que decorrem de se tentar encontrar um culpado são tão severas que é preciso lançar mão de todo questionamento possível para testar o depoimento da vítima.
Tudo isso nos traz aos acontecimentos da última quinta-feira (27), apresentados pela imprensa como um duelo. Durante seu depoimento, a doutora Christine Blasey Ford pareceu honesta e confiável. Assim como Kavanaugh o pareceu, apesar de também estar compreensivelmente indignado com o que chamou de “uma caça às bruxas” em relação a seu processo. Onde nós, do lado de fora, devemos enxergar a verdade? Vamos acreditar na mulher porque ela é uma mulher?
Eu não sei quem está mentindo, se é que alguém está. O que eu sei é que esse circo armado pouco teve a ver com a busca pela verdade.
* Mona Charen é associada sênior do Centro de Ética e Políticas Públicas.
©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.