Um sabor pode ter direitos autorais?
Esta foi a questão a qual se depararam os juízes do Tribunal de Justiça da União Europeia ao avaliar ação em que uma empresa de produtos holandeses pedia direitos autorais para o sabor e a distribuição de um determinado queijo.
A resposta dos magistrados foi um retumbante “não”.
Sabor é “uma ideia”, decidiu o tribunal. Não é a “expressão de uma criação intelectual original” e, portanto, não pode ser protegida pela lei.
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O caso foi trazido há cinco anos pela empresa holandesa Levola. Levola vende, desde 2001, o Heks’nkaas (que significa “queijo das bruxas”), um queijo branco sedoso. É uma mistura de requeijão, salsa, alho e alho-poró. Em 2013, a empresa rival Smilde começou a distribuir um produto parecido, chamado de Witte Wievenkaas, que também faz referência a bruxas. O produto incluía a maioria dos ingredientes utilizada no Heks’nkaas.
Levola disse que algo não “cheirava bem” e acusou a Smilde de copiar seu produto.
Mas o Tribunal de Justiça não se convenceu e optou por entender que apenas uma “criação intelectual original” é passível de direito autoral.
“O objeto protegido por direitos autorais deve ser expresso de uma maneira que o torne identificável com precisão e objetividade suficientes”, disse o tribunal, como um livro, um programa de televisão ou uma obra de arte. “Sendo assim, o Tribunal considera que o sabor de um produto alimentício não pode ser identificado com precisão e objetividade”.
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O tribunal disse que o gosto é subjetivo e que pessoas diferentes experimentam alimentos de forma diferente. Portanto, um gosto não é a mesma coisa que um filme ou livro, que são objetos imutáveis. Os gostos “dependem, entre outras coisas, de fatores específicos para a pessoa que provou o produto em questão, como idade, preferências alimentares e hábitos de consumo, bem como sobre o ambiente ou contexto em que o produto é consumido”, disse a corte.
O processo não é tão inusitado quanto parece. Em 2006, os tribunais holandeses decidiram que a Lancome é proprietária dos direitos autorais em relação aos odores de seus perfumes. (Em 2013, os tribunais franceses acharam o contrário).
O advogado europeu de propriedade intelectual, Joshua Marshall, disse ao New York Times que a decisão sobre o queijo faz sentido. “Os direitos autorais não devem ser usados para impedir a disseminação e o uso de ideias”, disse ele. “O sabor de um queijo de alho-poró é realmente uma ideia.”
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