Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei para legalizar e regulamentar os jogos de azar no Brasil. Na Câmara, o PL 442/1991 foi aprovado por uma Comissão Especial e está pronto para ir ao plenário. No Senado, o PLS 186/2014 aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O tema tem despertado polêmica entre especialistas e a oposição da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Ministério Público.
O objetivo de ambos os projetos é tirar da ilegalidade os jogos de azar, que hoje são proibidos como contravenção penal, regulamentando a exploração do jogo do bicho, de máquinas caça-níquel, de bingos e cassinos. O principal argumento dos setores favoráveis é que a regulamentação traria receitas de impostos para o tesouro e fomentaria o turismo. Críticos da proposta questionam a capacidade do Estado de fiscalizar a atividade e levantam ressalvas morais à exploração do vício em jogo, chamado por psicólogos de ludopatia.
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A sorte está lançada, mas os jogadores ainda vão demorar para ter o resultado. Para o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), relator do PL 442/1991 na Comissão Especial da Câmara, a turbulência política no Brasil está impedindo o projeto de avançar. “Nossa previsão é mandar isso para o plenário quando tivermos um presidente sólido”, afirma. “Uma das ideias do projeto é permitir a existência de resorts integrados que trarão investimentos de bilhões de dólares para o Brasil. Esse é o projeto mais importante para o Brasil depois da reforma trabalhista e da reforma da previdência”, avalia Mussi.
O relator destaca ainda que, ao mesmo tempo em que o projeto regulariza os jogos de azar, ele criminaliza sua exploração irregular. “Isso criará um incentivo para aqueles que operam na ilegalidade migrarem para a legalidade. Os que permanecerem na ilegalidade poderão ser processados por crime, e não apenas por contravenção, como ocorre hoje”, afirma.
Atualmente, os jogos de azar são proibidos pelo Decreto-Lei 3.688/1941, a chamada Lei das Contravenções Penais (veja abaixo).
O autor do PLS 186/2014, senador Ciro Nogueira (PP-PI), prevê que até o final do ano o Brasil já tenha legislação regulamentando a exploração dos jogos de azar. “O reconhecimento legal dessas atividades vai promover diversos benefícios para o país, gerar mais empregos e movimentar a economia”, afirma. “As apostas clandestinas movimentam R$ 18 bilhões por ano e tirar os jogos da ilegalidade poderá levar o governo a arrecadar cerca de R$ 15 bilhões anualmente”.
Segundo Nogueira, a ideia do projeto que tramita no Senado é “estabelecer regras a serem cumpridas pelas casas de jogos, além de prever penas e multas para irregularidades e crimes relacionados à exploração dos jogos de azar”. O senador destaca ainda que o projeto prevê a vinculação da receita gerada pelos impostos à saúde, à previdência e à assistência social.
De acordo com Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Jogo Legal, 20 milhões de pessoas apostam no jogo do bicho todos os dias no Brasil e 10 milhões de brasileiros apostam diariamente em sites na internet, hospedados no exterior. Ale´m disso, cerca de 450 mil pessoas são empregadas informalmente por quem explora os jogos de azar.
Sousa diz ainda que um estudo do Instituto Jogo Legal prevê uma arrecadação possível de R$ 18,7 bilhões por ano em impostos sobre os jogos no Brasil. Segundo Sousa, a estimativa foi feita da seguinte forma: o movimento geral de apostas de um país equivale a cerca de 1% do PIB e a tributação média do setor gira em torno de 30%. O Justiça & Direito tentou ter acesso à pesquisa e à metodologia, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.
Críticas
Nem todo mundo compartilha do entusiasmo com a ideia. O advogado Roberto Lasserre, coordenador nacional do movimento Brasil Sem Azar, questiona a ideia de que a legalização dos jogos de azar vai gerar receitas para o Brasil. “Nós questionamos o número apresentado. Nosso cálculo é que as receitas geradas estarão no máximo entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões”.
Lasserre enfatiza, porém, que pesquisas nos Estados Unidos mostram que, a cada 1 dólar gerado em receita, são gerados 3 dólares de custos para a sociedade. “Só se fala em arrecadação, mas não se fala nos custos sociais. Não é só questão do vício e da destruição das famílias, mas os efeitos na saúde pública e na previdência social. Isso sem falar na necessidade de criar órgãos fiscalizatórios”, destaca.
Sobre a possibilidade de fiscalização, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou uma nota técnica ao Senado, em fevereiro de 2016, durante o processo de tramitação do PLS 186/2014, questionando a capacidade de fiscalização estatal dos jogos de azar. O documento da PGR cita o artigo A legalização dos bingos sob prisma da lavagem de dinheiro, publicado pelo procurador Deltan Dalangnol. Ele afirma que “a fiscalização ou investigação quanto à lavagem é, diante das peculiaridades do bingo, quando o estabelecimento está envolvido no crime, praticamente impossível”
A nota técnica diz ainda que o projeto “não prevê mecanismos rigorosos de controle”, o que implicará “a presença e a dominância do crime organizado nestas atividades”. Por isso, a PGR solicitou que o projeto pudesse ser analisado pelo plenário do Senado antes de seguir para a Câmara, o que será feito se ele for aprovado na CCJ.
Lasserre questiona também a ideia de que a legalização fomentará o turismo. “A legalização vai fomentar, isso sim, o turismo desqualificado, que busca a prostituição e a prostituição infantil”, afirma. “Houve, em 2015, um aumento médio de 112% de circulação de turistas no mundo. Em Portugal, que o pessoal pró-legalização cita tanto, o aumento foi de 98%. No Brasil, que não tem jogos de azar, o aumento foi de 226%”, diz. “O Brasil não precisa de jogos para atrair turistas”, completa.
A CNBB também se manifestou contrária à iniciativa de legalizar os jogos de azar no Brasil. Em nota divulgada no ano passado, a entidade afirmou que “Cabe [à CNBB], por razões éticas e evangélicas, alertar que o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares. Além disso, o jogo compulsivo é considerado uma patologia no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde”.
A Conferência também destaca a possibilidade de fortalecimento do crime organizado, questiona a lógica arrecadatória de receita segundo a qual, de acordo com a CNBB, “os fins justificam os meios”, e arremata que “a autorização do jogo não o tornará bom e honesto”.
Conheça a Lei
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.
§ 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos.
§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador. (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)
§ 3º Consideram-se, jogos de azar:
a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
§ 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessivel ao público:
a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa;
b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;
c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;
d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino.
Art. 51. Promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal:
Pena – prisão simples, de seis meses a dois anos, e multa, de cinco a dez contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis existentes no local.
§ 1º Incorre na mesma pena quem guarda, vende ou expõe à venda, tem sob sua guarda para o fim de venda, introduz ou tenta introduzir na circulação bilhete de loteria não autorizada.
§ 2º Considera-se loteria toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza.
§ 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação especial.
Art. 52. Introduzir, no país, para o fim de comércio, bilhete de loteria, rifa ou tômbola estrangeiras:
Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de um a cinco contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, tem sob sua guarda. para o fim de venda, introduz ou tenta introduzir na circulação, bilhete de loteria estrangeira.
Art. 53. Introduzir, para o fim de comércio, bilhete de loteria estadual em território onde não possa legalmente circular:
Pena – prisão simples, de dois a seis meses, e multa, de um a três contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, tem sob sua guarda, para o fim de venda, introduz ou tonta introduzir na circulação, bilhete de loteria estadual, em território onde não possa legalmente circular.
Art. 54. Exibir ou ter sob sua guarda lista de sorteio de loteria estrangeira:
Pena – prisão simples, de um a três meses, e multa, de duzentos mil réis a um conto de réis.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem exibe ou tem sob sua guarda lista de sorteio de loteria estadual, em território onde esta não possa legalmente circular.
Art. 55. Imprimir ou executar qualquer serviço de feitura de bilhetes, lista de sorteio, avisos ou cartazes relativos a loteria, em lugar onde ela não possa legalmente circular:
Pena – prisão simples, de um a seis meses, e multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Art. 56. Distribuir ou transportar cartazes, listas de sorteio ou avisos de loteria, onde ela não possa legalmente circular:
Pena – prisão simples, de um a três meses, e multa, de cem a quinhentos mil réis.
Art. 57. Divulgar, por meio de jornal ou outro impresso, de rádio, cinema, ou qualquer outra forma, ainda que disfarçadamente, anúncio, aviso ou resultado de extração de loteria, onde a circulação dos seus bilhetes não seria legal:
Pena – multa, de um a dez contos de réis.
Art. 58. Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração:
Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, aquele que participa da loteria, visando a obtenção de prêmio, para si ou para terceiro.
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